Pessoas idosas não são cool

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5 min readOct 1, 2021

Invisibilidade e solidão da comunidade idosa LGBTQIA+ é uma realidade

Arte: Magui

Sabia que tem até dia para pessoas idosas LGBTQIA+? Isso mesmo, dia 1 de outubro. Uhuuuuuu, uma pena que ninguém liga.

Mas não se martirize por não saber disso, eu também não sabia até essa pauta chegar a mim.

A culpa dessa falta de informação sobre o assunto,vem da nossa sociedade que vive numa crise de rainha malvada: sempre bonita, jovem para sempre e ainda LGBTQIA+ fóbica. A invisibilidade acaba vindo com força na população idosa LGBTQIA+.

Eu estudo História e nas minhas aulas, constantemente, estamos falando de figuras de homens brancos, héteros, cis e, na maior parte, europeus. É o pacote completo do privilégio.

Nas raras vezes em que tocamos na temática LGBTQIA+, sempre é em um tom de curiosidade: “ah, talvez Alexandre tenha sido Bi”, “São Sebastião pode ter sido gay” ou “Safo, fazia poemas lésbicos”.

Mas que tal pararmos de nos importar com as incertezas e focar nas certezas?

Precisamos falar sobre quem lutava pela causa LGBTQIA+ com orgulho, que reivindicava seus direitos. Precisamos relembrar dos nomes que foram apagados da História.

Medo de ser invisível

“O medo de envelhecer é muito mais pesado dentro da comunidade LGBT, por conta do medo da solidão. O que acarreta, indiretamente, esse afastamento das pessoas LGBTs, quase até o esquecimento.”

A frase acima foi proferida por João Silvério, um dos fundadores do jornal Lampião da Esquina, durante uma entrevista ao canal Projeto #Colabora.

Isso revela uma realidade muita sofrida dentro do vale. É normal sentir medo da solidão, pois é algo humano, nós somos seres que evoluímos com o intuito de viver em sociedade.

Contudo, quando se é parte da comunidade LGBTQIA+, esse medo é elevado à décima potência. Nós sofremos rejeições e violência praticamente desde o início das nossas vidas. Então, é claro que isso gera traumas e inseguranças.

Arte: Magui

O pior é quando a solidão se soma a outros medos, como o pavor de ser esquecide após a morte, de ser apagade de tudo oude simplesmente ser invisível mesmo em vida.

Esses são alguns dos motivos para o afastamento de pessoas idosas LGBTQIA+. Não estamos preparades para enfrentar os nossos medos cara a cara, nós apenas nos afastamos deles, mesmo que a realidade de idoses seja bem diferente do que imaginamos.

Assim, as pessoas com mais de 60 anos e LGBTQIA+ são o invisível do invisível. Pessoas idosas LGBTQIA+ sofrem uma dupla exclusão: a comunidade não os representa e as outras pessoas idosas, com seus preconceitos internalizados, também não abrem espaço. É como um barco à deriva em uma tempestade: proibido de atracar em qualquer costa e só pode contar com a ajuda da sua própria tripulação.

Poucos sobreviveram

Guarde suas flores para a parada. Como tudo nesse país, a História do vale foi escrita com sangue.

A geração de idoses LGBTQIA+ carrega muitas cicatrizes, tanto na pele quanto no coração.

Estamos falando de uma geração que viveu o auge da ditadura militar, onde qualquer “desvio de gênero”, era punível com cadeia (pelo Estado) e morte (pelo povo).

Além disso, essa geração ainda viveu a epidemia da AIDS — denominada erroneamente de “peste gay” — em uma época que ainda ninguém sabia como ela era transmitida.

Nos dados mais recentes, a média de vida de uma pessoa trans é de 35 anos. Agora, imagine antigamente…. viver como uma pessoa trans não era nem uma possibilidade. A saída era lutar para continuar existindo ou morrer.

Essa é uma violência que foi vivenciada na pele por Martinha, como relata ao canal do Projeto #Colabora. Travesti, Martinha viveu os piores momentos desse país para conseguir ser quem é. Em sua pele, ela carrega cicatrizes.

Fugiu de casa cedo, com apenas oito anos e experimentou tudo o que o Brasil tem de pior. Sobreviver naquele período já era um milagre.

É natural com o passar do tempo as pessoas falecerem, mas não deveria ser comum perder uma amizade ou um amor que ainda estava na adolescência.

O sentimento constante de perda contribui para a solidão. Os idoses LGBTQIA+ acabam não encontrando outras pessoas com histórias de vida similares às suas.

Em cada morte, perdemos um pouco da nossa História também e em cada último suspiro solto no silêncio, há outro buraco que se abre.

“Ah mas eles não nos entendem”. Queride, e você entende?

Não vou mentir, o conflito geracional é algo difícil de se lidar. Os mais velhos sempre acham que os mais jovens são idiotas. Em contrapartida, seus sobrinhes, netes e filhes, exigem que a pessoa idosa se atualize e mude. Isso é bom, só quando os dois lados estão dispostos a ouvir.

Arte: Magui

Eu, por exemplo, brigo com meus pais toda vez que eles usam uma palavra racista e sou considerado o chato da casa. No entanto, uma das minhas tias que tem mais de 60 anos e é aposentada, sempre pede mil desculpas a cada deslize racista que comete, pois ela reconhece sua criação preconceituosa, mas não usa isso como desculpa, ela quer mudar.

Acho que essa é a questão, um lado tem que querer mudar para que o outro possa ajudá-lo.

Isso se aplica até para a comunidade queer… Alguns idoses LGBTQIA+ têm dificuldades de entender (ou simplesmente não querem aceitar), por exemplo, as novas letras do vale.

É o caso da Nany People (já citei essa história em outro texto que você pode ler aqui), a atriz trans debochou do pronome neutro e das pessoas não bináries, justo ela uma figura pública que vive em grande contato com a comunidade.

Ela tem acesso à informação, existem milhares de pessoas dispostas a ensiná-la com a maior paciência do mundo, mas mesmo assim se recusa a mudar.

É como disse João Nery, escritor, psicólogo e homem trans: “tem gente que emburrece”. Essa frase é tão verdadeira.

Esse é um erro que diz respeito à pessoa, por isso não faz sentido marcar uma geração inteira com rótulos. Julgue terceiros por suas ações, não pela idade.

Enquanto estiver vivo, existe possibilidade de mudança e de aprender através da troca entre gerações.

Escrito por: Alex Gaeta

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