Me acorde quando setembro acabar

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6 min readSep 20, 2021

Por que ser bissexual é tão díficil?

Arte: Magui

Não sou super mário, para passar de fase

Há alguns meses ao longo do ano destinados à visibilidade LGBTQIA+. Especificamente, setembro é o mês da visibilidade bissexual e por mais que eu fique feliz por ter o meu momento de visibilidade, — assim como tantas outras pessoas — ainda existe uma parte de mim que quer que o mês passe rápido.

Desde criança sempre senti algo diferente, como se vestisse uma roupa que não era minha ou, como se estivesse saindo descalça na rua. Aquela sensação me incomodava muito, porque não sabia o que era. Eu simplesmente não tinha respostas.

Bem, os anos se passaram e enfim descobri o que eu era. Nunca fui heterossexual. Achar que podia ter um romance com uma menina do colégio ou namorar um menino era uma das coisas que sempre vinham à minha cabeça. Mas como uma “boa garota”, eu deixava de lado.

Depois de vários momentos me questionando se eu era bissexual chegou um dia que isso veio à tona e descobri que, na verdade, eu sempre fui.

E, acredite, uma das melhores sensações da vida é descobrir quem você realmente é: não um produto do que os outros querem.

Amo os bissexuais, povo animado…

Parece engraçado, mas uma das frases que mais escuto atualmente é “acho que todo mundo é bissexual” e depois de ser verbalizada o primeiro pensamento que me vem à cabeça é: então, por que a gente sofre tanto preconceito se todo mundo é? Cômico se não fosse trágico.

Segundo a pesquisa realizada pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, mulheres bissexuais sofrem mais com problemas ligados à saúde mental e outros distúrbios que as mulheres lésbicas, por exemplo

Ainda, o estudo publicado aponta que mulheres bissexuais têm menos propensão a falar de sua orientação sexual nos locais que estão inseridas, seja em um relacionamento familiar, no trabalho ou em um relacionamento conjugal.

Sabe o porquê disso acontecer? Desde sempre, nós somos colocades como pessoas indecisas, como se tudo fosse uma fase… E na verdade, é o oposto.

É como se tudo que fizéssemos fosse para chamar atenção ou que nossas atitudes fossem extremamente sexualizadas. O que é uma colocação extremamente equivocada.

A questão é: não existe um padrão para bissexualidade. Cada pessoa é única e tem sua vivência.Apenas isso.

Como vivemos em uma sociedade binária e patriarcal, tudo que é contrário a isso está sujeito a repreensão e a estigmatização. E ser bissexual também está dentro disso, pois representamos um ponto de fluidez que muitas pessoas tem medo.

Não foi uma ou duas vezes que escutei comentários bifóbicos vindo de pessoas que convivo ou que me relacionei, sejam heterossexuais, lésbicas e gays.

Esses comentários me fazem questionar: por que nasci assim? É difícil viver esses questionamentos e um apagamento diário.

Logo, eu percebo que apenas vivo em uma sociedade conservadora. Além disso, pelo fato de ser mulher, a sexualização é ainda maior.

Por isso, sempre que tenho a possibilidade de gritar e dar a mão para o meu grupo assim faço, pois a todo momento nos questionam por sermos apenas nós.

Óleo sob tela…

Meses atrás, a Disney lançou em sua plataforma de streaming a série Loki e, após poucas semanas, foi revelado que o protagonista da série teria um gênero fluido.

Para quem acompanha mais o universo Marvel, já sabia que o Deus de mentira era gênero fluido e bissexual, mas para grande parte dos consumidores desse multiverso de super heróis a informação não era dada.

No episódio 3 — Lamentis, Loki conversa com Sylvie, sua própria versão de outra linha do tempo e ambos falam sobre sua orientação bissexual. Parece bobeira, porém essa representação deu muita visibilidade para pessoas com gênero fluido e bissexuais.

A série Gossip Girl, que ganhou um reboot em julho deste ano, também contou com personagens bissexuais, Akeno e Max, agregaram mais na diversidade da série. Além disso, os personagens representam de formas diferentes como cada um lida com a sua sexualidade e a vivenciam.

A pergunta que me faço ao me deparar com a “representatividade” bi dentro das telas é sobre como as pessoas bissexuais são apagadas dentro dessas narrativas.

Temos a necessidade de colocar as personagens como gays, lésbicas e heterossexuais, ou seja, mais uma vez dentro da binaridade compulsória.

Se uma mulher namorou pouco tempo com um homem e viveu a vida com sua companheira, ela é lésbica. Se um homem namorou uma mulher e depois se relacionou com outro homem ele é gay e, o mesmo se aplica a heterossexualidade.

É como se tudo na bissexualidade fosse uma carteirinha de uma sexualidade efêmera, que tem data de validade.

Abri uma aba do Buzzfeed que trazia 28 personagens bissexuais e, obviamente, fiquei feliz de ver como temos representatividade. Porém, lembrei de como nós falamos desses personagens cotidianamente.

Em nossas trocas de figurinhas com amigos e conhecidos, não deixamos de exprimir essa binariedade, que escrevi anteriormente. Não foi uma ou duas vezes que escutei que tal personagem era lésbica, gay ou hétero; nunca bissexual.

Ou seja, parece que está intrínseco que a bissexualidade ainda é uma fase, e esse pensamento às vezes parece compulsório mesmo para nós bissexuais, para nos encaixarmos mais uma vez na binariedade.

Se encaixando?

Cada recorte identitário é único e temos que parar e refletir sobre como eles funcionam para entender o desgaste de cada população.

Lembro-me no mês da visibilidade LGBTQIA+ conversar sobre como as mulheres bissexuais em um relacionamento heteroafetivo se anulam a respeito de sua sexualidade. Faz parecer que temos que preencher lacunas que não existem.

É como se elas não fossem mais bissexuais, e sua identidade fosse roubada. O mesmo ocorre em um relacionamento homoafetivo em que uma mulher bi tende a se caracterizar como lésbica e acaba mais uma vez se anulando em sua orientação.

O mesmo ocorre com homens bissexuais, que possuem um recorte diferente, pois a heteronormatividade mais uma vez os amedronta.

Arte: Magui

Homens bissexuais sempre são taxados de gays, com medo de sair do armário e tudo mais. E, a necessidade de performar um padrão masculino é mais uma vez colocada em cheque.

Além de pessoas comuns terem o receio de se assumirem bissexuais, isso também acontece com artistas no mundo todo. Há alguns meses, a cantora Luísa Sonza se expôs como bissexual e foi questionada por várias pessoas, inclusive por seus fãs.

A Youtuber Ellora Haonne fala em muitos vídeos do seu canal como é a sua vivência como bissexual e o vídeo que mais me marcou foi: sou bissexual e preconceituosa (ou o lado nem tão legal de se descobrir lgtbqia+ ).

Ellora expressa como foi seu próprio processo de reflexão sobre ser LGBTQIA+ e quais são as dificuldades para ultrapassar preconceitos e como muitas vezes é díficil ser bissexual.

“Você tem a opção de não sofrer uma violência” é uma das frases que a Youtuber apresenta, que cotidianamente escuta por parte de pessoas LGBTQIA+, e depois argumenta “se eu escolho que não posso ser violentada isso não é uma escolha”.

Isso é a vivência explicitada em uma frase que reflete o cotidiano de pessoas bissexuais. Muitas vezes, a falta de representatividade é a máscara da violência de não conseguirmos nos expor.

O The New York Times aborda sobre como a vivência bissexual nunca é suficiente e entrevista a atriz Anna Paquin, que fala sobre ser bissexual.

A atriz é casada há anos com o ator Stephen Moye, com quem tem dois filhos e trabalhou na série True Blood. Anna critica a “suficiência” bi com o argumento: Ah sim… a velha merda ‘você não é queer o suficiente. Mais uma vez abordando como nunca somos bissexuais o suficiente.

Bisssexual starter pack…

Não é à toa a grande revolta pela falta de representatividade, afinal de contas nunca se sentir o suficiente para ser representade é algo que machuca. É como se fossemos os últimos da fila para escolher os times na educação física. Aqueles que só cumprem tabela.

Ser bissexual é muito mais que uma sigla que algumas vezes é deixada de lado, é a fluidez necessária nas vivências tanto da comunidade LGBTQIA+ quanto com pessoas fora dela, é ser o questionamento da normatividade quando ela nos aflinge e principalmente: somos quem somos.

As vivências bissexuais marcam parte da fluidez da comunidade LGBTQIA+. Uma fluidez que não deve ser assinalada por questionamentos normativos que aflingem inúmeras pessoas, mas sim pelo respeito e aceitação de ser quem somos.

Escrito por: Giulia Pietra

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