Nem todo mundo vai gostar da sua arte

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9 min readAug 10, 2021

Como lidar com comentários negativos sobre sua produção?

Arte: Magui

“Para evitar críticas, não faça nada, não diga nada, não seja nada.”

— ELBERT HUBBARD

O que Claude Monet, Marcel Duchamp e Elvis Presley têm em comum? Todos foram extremamente criticados durante suas carreiras.

As obras de Monet, assim como de muitos impressionistas, foram rotuladas como incompletas e sem técnica. Um de seus críticos disse que um rascunho de uma estampa de papel de parede pareceria mais completo que sua obra Sunrise.

Duchamp teve sua peça mais famosa, Fountain, literalmente jogada no lixo após ser exposta por alguns dias na galeria.

Elvis Presley foi criticado em algumas colunas de jornais tanto por sua voz quanto pelo estilo, com comentários do tipo: “ele será esquecido logo”.

É normal — e até positivo — sentir um frio na barriga ao compartilhar o seu trabalho porque isso pode te impulsionar e te motivar, mas ansiedade em demasia pode transformar o processo em algo prejudicial para a sua saúde mental e até mesmo te impedir de continuar criando.

Especialmente no meio artístico, é comum levarmos a crítica para o lado pessoal. A arte geralmente é muito subjetiva e carrega muito de quem somos.

Mas é preciso lembrar: nós avaliamos e somos avaliados a todo o momento, é da natureza humana. Contudo, o que nós fazemos dessa avaliação é que faz a diferença em nossas vidas.

Nosso receio com comentários negativos está ligado ao nosso ego e ao desejo de estar sempre certo? Talvez.

Isso significa que somos inseguros, tímidos ou temerosos? Não necessariamente.

Acontece que esse medo do negativo também faz parte da natureza humana e nós o herdamos dos primeiros seres de nossa espécie.

Viés de negatividade

“Mas ao invés de passar nossas vidas correndo atrás de nossos sonhos, nós constantemente estamos fugindo pelo medo do fracasso ou pelo medo da crítica.”

― Eric Wright

A predisposição em fixar no negativo, em pensar todos os piores cenários e remoer situações do passado datam de nossos ancestrais.

Antigamente, com os povos nômades caçadores e coletores, a hipersensibilidade ao perigo (ao negativo) poderia decidir se você iria viver ou morrer.

Na nossa sociedade, mesmo com a violência urbana sendo uma ameaça geral, não temos os mesmos desafios e não estamos tão vulneráveis às mesmas ameaças. Possuímos mais maneiras de nos defender, abrigar e procurar ajuda.

No entanto, o nosso cérebro continua funcionando de modo a prever possíveis perigos, tentando evitá-los a qualquer custo e armazenando situações ruins para nos tornar mais vigilantes e impedir que aconteçam de novo.

Arte: Magui

Possuímos um viés de negatividade. Nosso foco recai sobre sentimentos negativos, que tendem a ser mais poderosos e durar mais tempo que os positivos

O psicólogo e autor best-seller Rick Hanson costuma dizer que “a mente é como Velcro para as experiências negativas e Teflon para as positivas”.

A amigdala, uma parte do cérebro responsável por regular nossas reações emocionais e por apertar o grande botão vermelho, usa a maior parte de seus neurônios para procurar por tudo que pode apresentar qualquer tipo de ameaça, aponta Hanson.

Por isso, se você estiver tendo um dia maravilhoso e alguma coisa for interpretada como negativa há uma maior probabilidade de processar o dia inteiro como ruim, mesmo que a situação tenha durado poucos minutos.

E também é por isso que é muito mais difícil lidar com feedback negativo. Se você tiver cinco comentários positivos e um negativo, para onde você costuma direcionar sua atenção?

Existem críticas e Críticas

A internet e as mídias sociais alavancaram para a estratosfera a facilidade para receber críticas de todo tipo de pessoas, a qualquer momento. Se você mostra seu trabalho nas redes, automaticamente está exposto a opiniões.

E se tem algo que todo mundo parece amar fazer é compartilhar o que pensam sobre absolutamente qualquer coisa.

Portanto, é muito importante diferenciarmos as críticas destrutivas das construtivas.

Alguns comentários são de fácil categorização: ofensas diretas ou passivo-agressivas são claramente destrutivas — não contribuem com o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Mas a diferença, em grande parte das vezes, apoia-se na formulação do comentário.

  • Qual a intenção por trás do que foi dito? A pessoa comentou com o intuito de ajudar e trazer pontos interessantes para reflexão, mesmo que o tom pareça agressivo? Analise, pode ser uma crítica construtiva.
  • O que disseram condiz com a verdade? O que o outro me diz é verdade em algum grau, mesmo eu não querendo admitir? Lembre-se que as pessoas também podem interpretar o que veem de forma equivocada. Ou você pode não ter passado exatamente aquilo que pretendia com seu trabalho. Ouvir ativamente é muito positivo na maioria dos casos.
  • Diz respeito a alguma característica do seu trabalho? Ou é direcionado a quem você é, como uma crítica pessoal? Alguns comentários de viés mais pessoal podem ser construtivos, sim. Por exemplo, quando alguém aponta que o modo como você se expressou ao expor a sua arte foi grosseira ou ofensiva.

Mas, em geral, o pessoal possui uma tendência a ser destrutivo — fique atento ao uso de muitos adjetivos para se referir a você.

A Filosofia também pode te ajudar

O diálogo é uma das estratégias, de outras possíveis — como a resposta direta ou até mesmo o silêncio — para lidar com comentários negativos. Por isso, é necessário analisar a situação para escolher qual posição tomar.

No vídeo “O diálogo anda impossível?”, Helena Vieira aborda os obstáculos e maneiras propostas por diversos pensadores para estabelecer um diálogo efetivo.

Entre as visões apresentadas, uma me chamou muito a atenção: os Princípios da Retórica.

O primeiro é o Princípio da Caridade, que se refere a sempre estar disposto a fazer a melhor interpretação possível do que o outro nos diz.

O segundo é o Princípio da Coerência. Acreditar que o outro me diz tem coerência, em um primeiro momento, mesmo que eu não a visualize a partir das informações disponíveis a mim. Sempre devemos considerar o processo, o que está por trás, que levou àquela fala específica.

O terceiro princípio é o Princípio da Humanidade, que se trata de um exercício de empatia, de se colocar no lugar do outro. “Será que se eu tivesse trajetória como daquela pessoa; se eu tivesse sofrido as dores que ela sofreu, eu também não formularia o pensamento da mesma maneira?”, questiona Helena em seu vídeo.

Note que esses são apenas princípios a serem usados e não algo estático, vale avaliar o contexto de cada situação. Mas pode servir de base na interpretação de comentários negativos e na sua forma de lidar com eles.

Outro ponto interessante debatido no vídeo é sobre os limites do que é dialogável ou não.

Trata-se de estabelecer parâmetros do que é essencial na sua arte; aquilo que, se modificado, tiraria o sentido, o que se deseja passar, sua individualidade ou a sua marca.

O comentário negativo incide sobre um elemento fundamental? Por exemplo, pelo fato da temática da arte relacionar-se à comunidade LGBTQIA+? Se sim, não é dialogável.

E não para por aí…

Dick Grote, para a Harvard Business Review, sugere três passos para lidar com feedback negativo.

  1. Escute atentamente procurando entender se o que está sendo dito é uma opinião ou um fato, se faz sentido e qual a intenção do seu interlocutor.
  2. Não fique na defensiva. Nós temos a tendência de escutar apenas para refutar, perdendo informações que podem nos ajudar. Mostrar que está prestando atenção, fazer perguntas para ter certeza que entendeu corretamente e pedir por exemplos podem ser boas estratégias.
  3. Peça um tempo — ou se dê um tempo, no caso das redes sociais — para processar o que foi dito, tirar um pouco da carga emocional e pensar se há algo ali que pode ser usado positivamente.

Além desses passos rápidos para você internalizar e praticar, separei algumas outras dicas para se ter à mão quando precisar de um guia ou daquele incentivo.

Redirecione o seu foco e energia para os comentários positivos, ao invés de repassar de novo e de novo e amplificar os negativos; não podemos deixar que as críticas ou ofensas pautem o nosso trabalho e nos desvie daquilo que nós desejamos e temos paixão por fazer (e que executamos bem).

Não ofenda seus críticos. Nunca é uma boa saída insultar as pessoas, mesmo que elas tenham propositalmente comentado de má fé. Isso pode chegar em outros ouvidos (ou olhos) e prejudicar sua reputação. Na pior das hipóteses, opte por ignorar e/ou apagar o comentário.

Reflita sobre a origem de suas inseguranças. Deriva da busca por aceitação? Do medo de julgamentos ou da rejeição? É uma fuga de possíveis erros? Receio pela exposição ou de mostrar-se vulnerável — algo quase inevitável para a arte?

Converse sobre seus sentimentos com quem se sinta acolhido: psicólogos, amigos próximos, familiares ou até mesmo outros artistas que, com certeza, se identificam em algum grau com suas angústias.

Se distancie da crítica. Preste atenção “no que foi dito” e não tanto no “como foi dito” — que é o ponto onde costumamos nos agarrar.

Não leve para o pessoal (mesmo quando for pessoal). Ao não internalizar esses comentários, olhar da forma mais racional possível, você impede que as pessoas exerçam poder sobre você. Você se liberta das expectativas alheias.

Pergunte-se: qual a intenção do comentário? (Olha ela aqui de novo!) Tem alguma verdade por trás da crítica que você possa usar de maneira benéfica? Você também pode questionar, se sentir que a situação te dá abertura, para entender o ponto de vista do outro.

Mostre gratidão. Muitas das críticas vêm de pessoas que realmente acreditam que, ao compartilhar o que pensam, estarão ajudando no seu desenvolvimento. Pense nisso e agradeça quando perceber que a intenção foi positiva. Elas ficarão felizes e quem vê de fora ficará com uma impressão legal de você e até da sua arte, já que também projetamos nossos sentimentos por alguém no que a pessoa produz.

Faça uso do humor, quando possível. Ao responder algum comentário, avalie se o uso de um tom bem-humorado é válido. Pode deixar o clima mais leve e mostrar sua confiança e cuidado com a opinião de seus seguidores — principalmente para as críticas construtivas e opiniões pessoais.

Tenha sempre em mente:

  • No começo, tudo é “ruim”. Uma obra-prima não surge de primeira e ninguém é um gênio. O progresso vem com prática, tempo e paciência — e você vai produzir muita coisa que ama e odeia nesse meio tempo.
  • As críticas, e destaco aqui as construtivas e de boa intenção, podem ser um caminho para o seu desenvolvimento artístico.
  • As críticas e comentários negativos são um resultado natural e esperado da coragem de se expor no mundo.
  • Não precisamos ser os melhores sempre. O sistema capitalista neoliberal empurra para a gente o mito da alta performance — mas quem dita o que é alta performance afinal? Ainda mais no meio criativo… Precisamos estar satisfeitos com o que estamos fazendo, acima de tudo.
  • Mantenha seu foco nas pessoas que precisam da sua arte e que serão impactadas positivamente pelo o que você faz.

“Uma vida criativa não pode ser sustentada pela aprovação assim como não pode ser destruída pela crítica.”

― Will Self

Arte é sobre expressão, resistência, cura e lançar para o mundo a sua verdade e perspectiva: nem todos irão concordar ou gostar da maneira como você a faz — discordância é natural em um universo de seres plurais, mas isso não significa que o que você produziu não é interessante, potente e maravilhoso.

Arte: Magui

Tem arte para todos os gostos. Você não gosta de tudo que vê e consome — mas aposto que esse mesmo produto tem vários fãs fiéis, não é? Acontece o mesmo processo com a sua arte e tá tudo bem!

Lembra dos artistas do começo desse texto?

Monet, e outros impressionistas, acabaram produzindo algumas das obras mais valiosas da história da arte e são admiradas por milhões de pessoas em todo o mundo.

Duchamp virou um dos símbolos de todo um movimento artístico (Dadaísmo) e realizou várias réplicas de Fountain, cada uma avaliada em cerca de dois milhões de dólares.

Elvis tornou-se um dos músicos recordistas de vendas, alcançou sucesso mundial e participou de 31 filmes. E as pessoas ainda lembram dele.

O que teria acontecido se eles tivessem desistido na primeira crítica negativa que receberam?

Escrito por: Natacha Moreira

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