PFF2 não é a nossa única máscara

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5 min readSep 13, 2021

A pandemia nos afetou de diversas formas, mas para população LGBTQIA+ os efeitos foram únicos

Arte: Magui

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Sobre solidão

Desde de que a pandemia começou, fomos obrigades a ficar mais tempo em casa (pelo menos era para ser assim). A solidão se fez muito presente nesses últimos dois anos.

(Esse é momento que você fala **** ***** dois anos dessa *****)

Uma reportagem do jornal BBC mostrou que o Brasil é o país que mais sofre com a solidão nessa nova realidade pandêmica. Nossas dinâmicas sociais foram forçadas a mudarem drasticamente, isolados uns dos outros, a maior parte dos brasileires se sentiram sozinhes.

Se antes frequentávamos lugares que muitas vezes odiávamos como escola, trabalho, faculdade. Agora, precisamos nos adaptar ao ambiente virtual, eliminando de vez qualquer contato presencial que tínhamos com outras pessoas.

E por mais que a internet seja de boa qualidade e que a conversa flua de modo natural, não é a mesma coisa.

Mas este não será um texto que refletirá os males e benefícios da solidão e, muito menos, terá dicas de como diminuir esse sentimento.

Quero falar de algo que tenho pensado muito nesses últimos tempos, e que, infelizmente, não encontrei muitas pessoas escrevendo sobre.

Arte: Magui

Eu vou falar sobre pessoas queer, que estão vivenciando uma vida dupla dentro da própria casa.

Es Queer

Na reportagem publicada no jornal O Tempo, há uma frase que resume bem o que a quarentena representa para pessoas LGBTQIA+: quarentena dentro da quarentena”.

A saúde mental da nossa população já era precária, principalmente para pessoas T, e com o acontecimento trágico da Covid-19, fomos ainda mais prejudicados. Casos de agressões, fugas de lares abusivos e até mascarar suas identidades, foram algumas das situações que aconteceram com pessoas LGBTQIA+.

O último item citado acima, pode parecer o “menos pior”, todavia, esconder sua própria subjetividade e identidade também é prejudicial.

“Estar confinado num lar que reprime a subjetividade é o mesmo que estar preso e impossibilitado efetivamente de vivenciar sentimentos positivos como alegria, autorrealização e amor, por exemplo. Pessoas LGBTI+ que estão em lares LGBTIfóbicos vivem uma espécie de quarentena dentro da quarentena: uma quarentena as protege da pandemia, a outra de sofrer violências diversas frutos de relações familiares opressoras”, explica o psicólogo Samuel Silva à reportagem publicada no jornal O Tempo.

Sabe aqueles típicos diálogos em que jovens pedem conselhos amorosos para os pais? Ou aquelas tardes de compras no shopping, onde o adolescente experimenta várias roupas na frente dos pais sem a menor preocupação? Pois é, este é um privilégio das pessoas cisgênero, ancorada na heteronormatividade..

Arte: Magui

É disso que o psicólogo Samuel Silva fala. Sobre esses momentos descontraídos e de convívio pacifico com os familiares. Situações como essas, são roubadas das pessoas queer assim que elas se descobrem. Algumas pessoas LGBTQIA+ nunca nem tiveram esse momentos

Preciso fazer um recorte antes de continuar. Sou uma pessoa branca de classe média e minha experiência pode ser completamente diferente de uma vivência menos privilegiada.

Acabei me descobrindo como pessoa trans não-binárie no primeiro ano de pandemia. Logo, mudei meu nome e meus pronomes. Informei a mudança para aqueles que eu me importava, mas não pude fazer isso com os meus familiares, mesmo convivendo diariamente com eles, devido ao isolamento.

Eu me descobri, mas não posso viver quem eu sou na maior parte do tempo e o medo me faz pisar em ovos em qualquer conversa mais íntima que eu tenha.

É como uma faísca que não consegue virar uma chama.

Usando máscaras

Olhando no espelho você se vê de um jeito, mas os outros insistem em atribuir a sua imagem a outras identificações e significados que não lhe dizem respeito.

Querem que você se comporte, se vista e fale de determinada maneira. Contudo, na sua mente e na sua auto imagem é completamente diferente. O medo te força a se esconder.

Acabamos usando duas máscaras. A primeira, é obrigatória e nos protege da Covid-19. A segunda, é uma máscara social, ela nos protege contra a violência, mas possui espinhos do lado de dentro.

Essa máscara causa ferimentos e machucados, e ao contrário da primeira, não podemos tirá-la quando chegamos em casa. Eu só consigo ter alívio quando estou com minha rede de apoio. Protegido por fones de ouvidos, me livro da máscara espinhosa.

Arte: Magui

As pessoas insistem no discurso positivo de “seja você mesmo”, mas como vou ser eu mesmo entre pessoas que podem me machucar? O amor de pai e mãe em teoria deveria ser incondicional, mas sabemos que na prática isso nem sempre acontece.

Não é fácil ser você. É uma luta entre fazer de tudo para continuar a viver e ser livre. Às vezes, é mais sensato escolher a primeira opção.

Gostaria de dar um final mais positivo para esse texto, no entanto não consigo fazer isso, seria como entregar uma lanterna com bateria fraca.

Faça de tudo para sobreviver, e quando puder, respire sem a máscara.

Escrito por: Alex Gaeta

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