Quando decidi parar de ir aos cultos e às células da Igreja Metodista eu tinha aproximadamente 15 anos. Antes disso, durante toda minha infância tinha frequentado também a Igreja Universal com a minha avó, mas depois de descobrirem que estavam querendo deixar uma senhora sem lar por ela ter ofertado a escritura de sua casa, minha família fez uma espécie de intervenção e ela nunca mais pisou lá.

Mas a Igreja Metodista era diferente, era um espaço jovem, descolado, até intelectual, eu diria. Minha irmã mais velha era muito popular, minha avó por parte de pai era uma irmã respeitada, as pessoas sabiam quem eu era, me convidavam pra “célula dos pré-adolescentes”, eu estudava para me preparar para o batismo.

E também me sentia extremamente sozinha.

Ouvia todas as colegas falando dos pretendentes da sala ao lado, numa pequena pausa durante a escola dominical, fingia interesse em algum deles, elas ficavam animadas, eu me sentia momentaneamente aceita. No fundo era tudo muito triste porque não podia compartilhar que o sorriso da Milena, que também tinha aula preparatória pro batismo, me deixava meio nervosa e que eu queria convidá-la pra tomar um sorvete.

Vivi um ano assim e depois de noites sem dormir, de crises de ansiedade, choros de desespero por não me arrepender nem pensar que as coisas que eu sentia eram erradas, achei melhor me afastar. Não foi fácil, mas foi necessário. Às vezes parece que nosso pecado é amar demais. E disso, a Joana de Divino Amor também entende muito bem.

Brasil, 2027, o Estado se diz laico, mas a festa do Amor Supremo já superou o carnaval. A espera do Messias é celebrada no país inteiro. Casais com dificuldades se encontram e se resolvem em grupos como Divino Amor, onde quem ama divide.

Joana trabalha em um cartório e vê na burocracia um meio de ajudar o próximo, de amar ao próximo. Ela e seu marido são membros respeitados do grupo que frequentam e sempre que ela tem algum problema pode contar com a ajuda do pastor de plantão em um dos drive-trhu de orações. Joana quer ser mãe, Joana espera um sinal.

Mas como o pastor lhe disse, às vezes Deus responde em silêncio.

Joana fez de tudo, como mandava sua fé. Seguiu seu coração, onde o único habitante era o Senhor e quando os sinais chegaram, ela se viu sozinha.

Em muitos momentos durante o filme vemos em imagens regadas de neon toda a construção da comunidade. A história é extremamente pessoal, não sabemos bem das leis e regras desse Brasil tão próximo ao nosso, mas sabemos que Joana tem pessoas a sua volta. Menos quando ela mais precisa.

Em momentos tranquilos ou nos extremamente explícitos dessa solidão no filme, eu me senti com 15 anos, no meio de uma sala cheia sem conseguir compartilhar o que eu sentia e quem eu era com nenhum dos meus colegas. Joana também guarda um segredo com ela e eu espero que a torne mais forte.

Diferente de grandes protagonistas de distopias onde a regra é lutar contra o status quo, ir contra esse sistema, Joana tenta reforçá-lo e o incrível feito de Gabriel Mascaro e da atuação de Dira Paes é que não conseguimos condená-la. Espero que em sua fé, Joana encontre a paz que necessita, que com sua fé também passe a questionar o sistema em que vive. Infelizmente, por causa de sua fé, não sei se ela conseguirá deixar de ser uma mulher solitária. Pra mim ainda é difícil.

--

--