uma canta, a outra não — agnès varda

Ingryd Rios
valeime
Published in
2 min readDec 23, 2019
Suzanne & Pomme

A trajetória de descobrir-se, entender-se, aceitar-se mulher é muito violenta e selvagem. A primeira vez em que a janela do que é imposto se quebra, reagimos com fúria. Essa primeira percepção de que somos indivíduos e que somos de nós mesmas, ao invés de sermos apenas totens da sociedade, é extremamente forte. Sinto que nos enche de algo que nunca nos foi permitido sentir antes. E é no meio dessa primeira revolta que encontramos Pomme, ainda Pauline.

Temos jeitos extremamente diversos de lidar com essa violência, algumas vão para a linha de frente e se dispõem fisicamente a enfrentar tudo que venha em suas direções, outras se recolhem e fazem um trabalho igualmente eficiente, porém mais silencioso, como Suzanne. Às vezes uma canta, a outra não.

O que me envolveu, me abraçou e me marcou nesse filme foi ver assim na tela o que sentimos diariamente. A tranquilidade quando não nos sentimos sozinhas durante esse processo que é ser mulher, mesmo quando as coisas são difíceis. Me aqueceu o coração relembrar que temos escolhas, ver uma amizade tão profunda que vai além do estar presente fisicamente, o comprometimento com a felicidade da outra como se fosse a sua, a empatia por nós mesmas e pelas outras.

O sentimento que o filme deixou em mim foi bonito, mas de uma forma agridoce. Me fez pensar nessa união entre mulheres e como isso é importante e necessário, mas também me fez pensar no quão árduo é esse trabalho, porque até hoje lutamos pelos mesmos direitos, como se estivéssemos sendo enroladas esse tempo todo. É cansativo lutar tanto para existir, mas a gente não foge e isso me da muita esperança.

Varda me emprestou um olhar terno, suave e companheiro para ver as histórias de tantas mulheres e por isso, serei eternamente grata.

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