A democracia que falta

Victor Allenspach
vallenspach_pt
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3 min readJul 1, 2019
Photo by Jørgen Håland

Em 2018, as eleições quase levaram o Brasil a uma guerra civil. Nenhuma cena marcou mais do que o planalto central dividido por um muro e a extensa terra de ninguém. Juntar os protestos poderia mesmo ser perigoso, o que torna tudo isso ainda mais inaceitável.

O conflito que as autoridades temeram naquele dia é o resultado de uma paixão eleitoral que não se via há muito tempo, ou que talvez nunca tenha existido. Pode parecer uma coisa boa, como se finalmente os eleitores estivessem politizados e envolvidos com os rumos da nação, mas é óbvio que não se trata de nada disso.

Não era um conflito de ideologias, mas de frases feitas, proclamadas sem sabedoria por populistas carismáticos. Políticos que elogiam os narcisistas e concordam com os medíocres, dispostos a dizer qualquer coisa que as massas queiram ouvir. É neles que encontramos o calcanhar de Aquiles da democracia.

O que poderia fazer das eleições uma disputa civilizada entre intelectuais, profissionais competentes e ideologias, se tornou uma briga de galo entre galãs de novela e youtubers desocupados. Vence o mais popular, aquele que grita mais alto os seus desaforos. Não é uma disputa de ideias e propostas de governo, mas de quem entretém melhor os seus preguiçosos eleitores.

A manipulação de imagens e discursos, os memes e as entrevistas, são mais importantes do que o reconhecimento de um intelectual, seus méritos e competência. Currículos são mera formalidade, que pode conter quantos certificados e diplomas falsos um candidato deseje, pois nenhum desses crimes será levado a sério em um país onde nem mesmo o ódio é punido.

Multidões são massa de manobra simplesmente por serem multidões. São mais fáceis de convencer do que a desconfiança natural dos indivíduos, algo que se perde na manada. Qualquer grito inflamado encontra seguidores envolvidos pela catarse fácil. Todos odeiam alguma coisa e também querem gritar. É assim que se convencem dos maiores absurdos, que podem não ter relação alguma com o que realmente desejam.

Populistas ganham força em terras de gente religiosa, que está sempre à espera de um salvador. Alguém que descerá do olimpo para combater com altruísmo os problemas do mundo, resolvendo a guerra, a fome, o vizinho barulhento ou se livrando magicamente “daquela gente pobre”.

Para contornar o calcanhar de Aquiles, protegê-lo, ou seja qual for a metáfora, é preciso diminuir o tamanho das multidões. Esse é o limite para a influência dos populistas, que são incapazes de agir em grupos pequenos e organizados. Eles dependem do caos de mentes assustadas e confusas, desesperadas por soluções tão simples quanto o pouco que estão dispostas a pensar.

Essa busca pueril por salvadores, terá fim quando os presidentes perderem seus superpoderes e voltarem ao status de representantes do povo. Descentralização, aumentando a autonomia dos estados e prefeituras. A tragédia que hoje um líder causa sozinho a uma nação, pode ser reduzida a pequenos erros locais, aprendidos e corrigidos por seus vizinhos.

Quem sabe um dia os presidentes não se tornem figuras diplomáticas, e a vergonha que sentimos de seus discursos acalorados, seja o pior que eles tenham a oferecer.

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