A importância dos debates
É quase impossível mudar uma opinião. Talvez exista algum mecanismo de defesa memética, ao melhor estilo Richard Dawkins, protegendo as ideias que já se infiltraram na mente e fechando as portas para todas as outras. Talvez as pessoas sejam apenas cabeça dura mesmo.
Do acadêmico ao menos instruído, quando se deparam com um argumento contrário e inquestionável, o processo é parecido. A negação é imediata, os olhos arregalam, fixos no interlocutor para demonstrar uma segurança que não possuem. No pano de fundo, suas mentes procuram angustiadamente por uma saída, uma brecha, uma forma de salvar a sua querida ideia da extinção lógica.
Enquanto essa brecha não surge, a saída é a falácia. Repudiam os conhecimentos e a formação do adversário (“você não estudou a formação do Estado moderno!”, “você já leu o Capital? Todos os volumes?”), na tentativa de desqualificá-lo.
Se não funcionar, citam Adam Smith ou Marx, Schopenhauer ou Hegel, e qualquer intelectual de nome estrangeiro que consigam lembrar, exaltando o próprio intelectualismo e torcendo para que o adversário nunca tenha ouvido falar. Ou pior, arrastam inconsequentemente para o seu lado grandes mentes da ciência e da filosofia, como se unicamente os seus títulos fossem suficientes para derrubar qualquer argumento (“mas Einstein era ateu!”, “mas Einstein era judeu!”).
Quando nada disso funciona, a solução é desviar a atenção, manipulando discretamente o argumento para um viés conveniente, escapando da tela azul da morte e abrindo as portas para novas possibilidades. Saída poderosa, já que obriga o adversário a se posicionar a um novo argumento, perdendo o foco da questão em aberto.
Citar autores, formação e frases prontas não são argumentos, são manobras para fugir deles. Argumento é tudo aquilo que você compreende o suficiente para explicar com as suas próprias palavras, de uma forma que qualquer pessoa possa compreender.
Porém, o verdadeiro problema das discussões, é que elas não deveriam ser encaradas como uma batalha em que vence o melhor. É desse raciocínio que surgiu a cultura popular do “lacre” ou “Deal With It” (aqueles óculos escuros ao som de Snoop Dog), encerrando qualquer assunto com um ar de sagaz superioridade. Um posicionamento que constrange, ao invés de contribuir.
Em um diálogo o verdadeiro objetivo é a desconstrução, não só da opinião do outro, como da sua própria. O diálogo deve construir novos entendimentos, com contribuições de ambos os lados, ainda que continuem diferentes entre si.
Mais importante, um diálogo não é possível se não houver total liberdade e disposição para assimilar novas ideias. É por isso que um debate entre ateus e crentes não leva a lugar nenhum, assim como Direita e Esquerda. Nenhum dos lados está disposto a desconstruir o seu discurso e muito menos está aberto para assimilar ideias opostas. Não é um diálogo, é uma batalha, e vencer é a única opção. Porém, isso não quer dizer que batalhas sejam um completo desperdício de tempo.
Mesmo que os ateus não consigam convencer crentes a abandonarem as suas orações ou que a Direita não convença a Esquerda a privatizar o Estado, um debate é importante porque ele também envolve um terceiro participante, o discreto, e muitas vezes desprezado, espectador.
Eu já falei um pouco sobre isso:
Excluindo-se os apoiadores de ambos os lados, entre os espectadores de um debate está muita gente que ainda não tem uma opinião definida. Tende para um dos lados, sem se sentir confiante para abraçar uma posição ou outra. Pode ser um crente não praticante, talvez um agnóstico, ou mesmo alguém que se defina centrão ou apolítico. É para essas pessoas que os debates existem.
Durante o debate são expostos argumentos contrários e os ânimos se exaltam. Quem tem a melhor oratória se sai melhor, mesmo que isso não signifique que esteja certo. Saber essa diferença é o papel do terceiro participante, absorvendo tudo o que um debate tem a oferecer e construindo uma nova opinião.
Um expectador atendo, no mínimo, terá novos e melhores argumentos para defender tudo aquilo em que já acredita.