A procura da crase

Victor Allenspach
vallenspach_pt
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3 min readMar 18, 2020
A Procura de Vida Inteligente

Meu primeiro livro está perto de completar cinco anos de publicação e chega a sua décima ou trigésima revisão. Já perdi a conta, mas foram muitas.

A cada leitura o texto sofre uma pequena transformação, mesmo que na maioria das vezes não seja mais do que uma frase ou até uma palavra. Devem haver por aí muitas versões soterradas em sebos ou até perdidas em estantes, cada uma refletindo um momento diferente do meu desenvolvimento como escritor.

Essa é a proposta do livro desde o lançamento, como um Beta que nunca será Alfa. Por ser minha cria, posso jamais me cansar de acompanhar o seu crescimento e insistir nas pequenas mudanças, sem um rumo certo. Fato é que se passaram tantos anos, tantas alterações e as pessoas ainda esperam pelo dia em que eu colocarei uma crase no título: A Procura de Vida Inteligente.

Incomoda, é verdade. Um desaforo que a capa ostenta sem timidez, e que alguns perdoam imaginando que seja um erro da gráfica, da fonte ou uma revisão descuidada. Seria uma revisão muito descuidada.

A explicação para essa ausência é um easter egg, que não tomei o cuidado de esconder. Tudo poderia ser resolvido com um asterisco, aspas, algum sinal de que existe um segredo ali, ou até a própria crase, mas eu nunca gostei da ideia. Seria como explicar uma piada ruim ou até perdê-la. No fundo, é justamente o que faço agora.

De acordo com a Wikipédia, crase é “a fusão de dois fonemas vocálicos idênticos e seguidos em um só”. Em outras palavras, algo que pouca gente sabe ao certo para que serve, um grupo um pouco maior sabe usar, outro ligeiramente mais amplo decorou como usar, e o restante se conformou em desprezar a sua existência e entregar cegamente essa tarefa ao corretor ortográfico.

Como eu estou em algum lugar entre o terceiro e o quarto grupo, a explicação mais simples é que não coloquei a crase e o corretor ortográfico também não. Essa é parte da verdade, porque eu realmente não coloquei, mas, cá entre nós, gosto de piadas ruins e das possibilidades que um erro pode criar. Naquele momento descobri que “à procura de” tem crase, mas “a X procura de”, não tem crase. Bastaria substituir o X por qualquer adjetivo e eu estaria livre para descartar essa acentuação, sem ofender os letrados.

Sim, escrevi tudo isso apenas para dizer que existe um adjetivo implícito no título. Concordo que essa é uma peculiaridade bastante nerd, mas esteja livre para interpretar como uma teimosia extremamente elaborada para um desleixado escritor de primeira viagem.

Aliás, sem querer alimentar teorias da conspiração, aviso que não escondi nada no título em inglês. Sem crases daquele lado do mundo, a pretensão é de ser apenas um título comum e com um significado ligeiramente diferente: The Search For Intelligent Life. Se houver algum erro, é um acidente, até que se prove o contrário.

Você deve estar se perguntando qual é o adjetivo implícito, mas deixo à critério do leitor. Escolha o seu preferido ou apenas desfrute dessa rebeldia:

A Cínica/Desnecessária/Confusa/… Procura de Vida Inteligente

Com infinitos universos por aí, podem haver diversas possibilidades para esse livro. Estou certo de que, em ao menos uma, o título tem crase. Talvez em uma realidade onde as crases não existem.

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