A promessa do livre mercado

Victor Allenspach
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Published in
4 min readApr 30, 2019
Photo by Maria Teneva

Pelo fim do protecionismo podemos reduzir nossas barreiras e deixar que as melhores empresas vençam na luta pelos mercados. O problema é que as “melhores” empresas (que produzem mais, por menos) estão no avançado mundo rico, e na servidão oriental.

Alguns economistas não consideram isso um problema, já que obrigaria cada nação a se especializar naquilo que faz melhor. No caso do Brasil, isso significa ferro e soja, que ocupam muito espaço, custam pouco e não deixam morrer o medo da balança comercial desfavorável. Se o Brasil abandonar as suas indústrias para vender apenas produtos primários, seu déficit pode crescer, até um presidente populista declarar a bancarrota, ou um conservador, a austeridade.

Uma solução é aumentar o preço. É o que defendem os ambientalistas, já que a agricultura, a pecuária e a mineração, afetam dramaticamente o meio ambiente. O preço dessas atividades econômicas não cobre os danos ecológicos e sociais que acarretam, restando o ônus à sociedade como um todo, e não aos produtores.

Cobrar mais é uma forma de reduzir ou compensar os danos ambientais, mas pode não ter efeito algum sobre a balança comercial, já que o encarecimento de produtos primários também encarece os secundários e terciários (carros são feitos de ferro e trabalhadores consomem soja).

É importante entender que o livre mercado não é apenas uma escolha, uma decisão que um líder pode tomar a qualquer momento e depois voltar atrás. Tanta liberdade exige acordos difíceis ou até impossíveis. Falam por si os vergonhosos transtornos do Brexit.

O livre mercado somente será possível quando todas as nações atingirem o mesmo estágio de industrialização e desenvolvimento humano ou, mais provavelmente, quando a esmagadora ânsia capitalista perder força e o progresso não estiver mais atrelado ao crescimento econômico. Isso porque o liberalismo não é a chave para o desenvolvimento, ele é a sua consequência. Antes precisamos superar a pobreza e as riquezas extravagantes, que concentram tanto poder em poucas mãos. Antes precisamos combater a xenofobia, atraindo estrangeiros para as nossas próprias nações, privilegiando a diversidade sobre as tradições, multiplicando o conhecimento e o acesso à cultura.

Não existe livre mercado sem a possibilidade real de cada profissional procurar um novo lugar para viver, trabalhar e investir, sem entraves burocráticos como passaportes e barreiras alfandegárias. Desigualdade não é o assunto desse texto, mas superá-la é um requisito para cidadãos livres.

Como uma tentativa de reciclar ideais que perdem popularidade, os conservadores repaginam constantemente os seus discursos, recentemente se apropriando do termo “liberalismo”. Fabricaram uma versão seletiva e conveniente, que libera armas e proíbe o aborto, ou que libera os mercados e restringe a migração. Um projeto de governo elitista que assombra o mundo, caminhando de mãos dadas com os novos reis e suas aristocracias acomodadas.

O liberalismo pode ser muito mais do que isso, construindo uma sociedade livre para consumir de muitos pequenos produtores e escolher profissionais e empresas com ideais compartilhados. Valorizar aquilo que é adequado à realidade de cada indivíduo, seja tocar o negócio da família, seja atravessar o oceano para começar uma vida nova.

Defender o liberalismo antes de proteger o bem estar é uma forma perigosa de alimentar privilégios e separar ainda mais os ricos dos pobres, seja como nações, ou mesmo dentro delas, construindo condomínios fechados e distantes da realidade.

Solução alguma pode vir da xenofobia alarmista de Trumps, Mays e Bolsonaros, mas da diversidade de múltiplos povos e culturas, compartilhando conhecimentos e enriquecendo culturas. A diversidade é, talvez, uma das poucas consequências positivas da escravidão dos povos africanos, que levou suas culturas, seus traços, História e importância, para dentro das maiores potências imperialistas. Se passaram séculos, mas o racismo hoje é combatido, o que poderia nunca acontecer sem a diversidade e presença negra nas nações ricas.

Por um momento imagine um mundo de pequenos agricultores (mesmo que mecanizados), pequenas confecções, indústrias, comércios e prestadores de serviços. Nada de grandes centros de compras que concentram marcas globais, padronizando o mundo para além do que é desejável, mas a personalidade dos pequenos negócios locais.

Nesse contexto, cada país pode ter de volta a sua identidade, economia, empregos, soluções, tecnologias e ciência. São as patentes e as descobertas científicas que devem ser globalizadas, e não a indústria e a cultura. Esse é o ideal progressista.

As fronteiras nacionais definem a cultura, a língua, a política e a administração, mas jamais deveríam servir de barreiras para os seus povos. Um mundo de pessoas e capitais livres pode atingir o livre mercado, porque ele é um fim, e não um meio.

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