Marionetes das tradições

Victor Allenspach
vallenspach_pt
Published in
3 min readSep 20, 2021

Ninguém é livre de preconceitos, mas existem aqueles que buscam descobrir os seus próprios preconceitos, compreender as razões para eles existirem e fazer algo a respeito. Preconceitos podem se originar das mais diversas formas, mas bastam cinco minutos para perceber que a maioria deles tem origem nos costumes e tradições. Em outras palavras, em um monte de coisa que colocaram em nossas cabeças, sem pedir licença.

Essa é a importância de ter contato com novas culturas e conhecimentos. Não falo de uma viagem para o leste europeu ou a Ásia, ainda que sejam ótimas oportunidades para quem tem o privilégio de frequentar aeroportos, mas da própria cultura local. Qualquer cidade pequena é cheia de surpresas, com representantes de povos e culturas de nichos que a grande maioria nunca teve contato.

É vivenciando diferentes realidades e tentando entendê-las que deixamos de ser marionetes das tradições e passamos a construir nosso próprio caminho. Descobrimos mais sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Foi essa sensação que tive ao ler “Qual é o Babado?”, livro com entrevistas com Drag Queens de Foz de Iguaçu-PR, terra do jornalista Murilo da Matta, responsável pelo trabalho. O livro conta um pouco do cenário Drag, que já é muito presente nas cidades brasileiras, algo que eu sequer imaginava.

Sua ênfase é em cinco personagens: Yuri Amaral (Madame Yala), Andrê Gustavo (Magenta Canterlot), Mateus Garcia (Luna Blue), Jean Lucas (Soraya Sucata) e Matheus Gonçalves (Alma Latina). Em cada entrevista descobrimos um pouco do passado de cada um, suas personalidades, seu caminho até a cultura Drag e os desafios enfrentados (que vão desde o custo das maquiagens até o confronto com uma sociedade intolerante).

Como eu disse alguns parágrafos acima, precisamos de experiências novas para descobrir o mundo e a nós mesmos, e a arte Drag Queen não é apenas mais um pequeno universo para desbravar, ela é também uma diferente perspectiva sobre o mundo.

Drag Queens são personagens ricas, com história e personalidade que se transforma junto com a de seus criadores. Elas são o alter ego de seus donos. Personas que se revelam com maquiagem, salto alto e roupas extravagantes.

É como o poder do palco que empodera e desperta atuações que não pareciam possíveis fora dele. Em cada entrevista descobri pessoas comuns, que quando “montadas” (esse e outros termos são muito bem explicados no livro), assumem personalidades fortes e até místicas, como Madame Yala, que é uma entidade do Reino dos Sonhos que “se apaixonou pela imaginação” da humanidade.

Essas personalidades são capazes de explorar o mundo de formas completamente novas. Algumas são fortes e corajosas (como Andrê explica na sua relação com a sua Drag Magenta Canterlot), outras são ousadas, capazes de explorar a própria sexualidade e diferentes relações com o mundo.

Como o efeito Dunning-Kruger (quanto menos uma pessoa sabe, mais ela acha que sabe), com essa leitura eu descobri que achava que sabia o que são Drag Queens, e tive um choque de realidade. Eu já me arrisquei a abordar a transexualidade em um de meus livros, o que originou Hannah, uma de minhas personagens mais queridas (Epílogo, 2019). Agora me vejo fascinado pela cultura Drag, sua busca pelo autoconhecimento, expressão e identidade, com uma relação íntima com a ficção.

Já acrescentei à minha lista assistir o musical The Rocky Horror Picture Show (1975), que é recomendado pelo entrevistado Andrê Gustavo (Magenta Canterlot). Também anotei a temporada 6 do reality show RuPaul’s Drag Race, que foi recomendada por um amigo que é imerso nessa cultura (e que já assistiu todas as temporadas), além de o programa ser muito citado ao longo das entrevistas.

Não é raro me deparar com pessoas visivelmente frustradas e insatisfeitas, muitas vezes por não se permitirem descobertas intensas ou arriscadas. Em contrapartida, vejo na cultura Drag uma saudável ferramenta de autodescoberta e criatividade. Até essa leitura, dificilmente eu me interessaria por uma apresentação de Drag Queens. Hoje, busco referências na Netflix.

O ebook de “Qual é o Babado?” pode ser adquirido na Amazon.

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