O aluno de farda

Victor Allenspach
vallenspach_pt
Published in
3 min readOct 10, 2018
photo by Rafaela Biazi

Colégio militar é a mais recente resposta para solucionar o caos das salas de aulas, a agressão aos professores e os índices baixos de ensino. Agrada a muita gente pensar no rigor militar para controlar os hormônios efervescentes da juventude, a gravidez precoce e os meninos respondões. Podemos até voltar aos bons tempos das palmatórias, ajoelhar no milho e saudar todos os dias a bandeira nacional. Parece uma ótima ideia, até porque, quem pensa assim sabe que nunca mais vai pisar em uma escola.

Não, os colégios militares não impõe castigos tão severos aos alunos (para tristeza de muitos dos seus apoiadores). No entanto, são capazes de alcançar índices acima da média brasileira, com alunos bem comportados que seguem restrições severas de vestimenta. Parece a solução de todos os problemas, até você descobrir que apenas estudam em colégios militares os filhos de oficiais e alunos selecionados entre as melhores, numa concorrência de 30 ou a até mesmo 270 candidatos por vaga. Isso explica muito dos ótimos resultados no Ideb, mas não tudo.

Para entender porque um colégio militar é melhor, pense que ele custa 3 vezes mais do que uma escola convencional, assim como as escolas federais. São bons exemplos, é claro, mas a única conclusão que se pode tirar disso é que uma boa educação depende de dinheiro, o que não é nenhuma novidade.

Como o cocheiro que põe a carroça à frente dos cavalos, no Brasil os investimentos em educação foram priorizados na universidade, sem que o ensino básico acompanhasse o mesmo ritmo. Grandes campus e laboratórios foram construídos enquanto a importante universalização do ensino básico ficou em segundo plano, com salas de aula cada vez mais sucateadas e lotadas.

Os salários dos professores universitários atingiram patamares até mesmo inaceitáveis para a realidade brasileira, ao mesmo tempo em que os professores do ensino básico passam dificuldade e fazem greves, normalmente recebendo spray de pimenta e cassetetes.

É por razões como essa que jovens chegam despreparados nas universidades, sem as habilidades necessárias de redação e leitura, o que os impede de tirar o devido proveito dos cursos de graduação. Não surpreende se essa bola de neve chegar até o doutorado.

O baixo aproveitamento dos cursos de graduação está longe de ser o maior problema de uma educação básica falha, já que apenas 7,9% dos brasileiros têm diploma universitário. Ou seja, quem faz a economia girar, alimentando a massa do mercado de trabalho com profissionais, é a educação básica.

Sem mão de obra preparada a indústria não cresce e o país não precisa de graduados. Sem graduados a economia não se diversifica e não sobra dinheiro para a pesquisa e inovação. Sem dinheiro para a pesquisa, os doutores não têm emprego. Não demorou para que o Brasil se tornasse o pior dos dois mundos, com trabalhadores e doutores desempregados.

Nada disso é novidade, há uma década atrás os acadêmicos já discutiam esse problema. Uma tragédia anunciada e que agora alguns políticos pretendem resolver com a criação de pontuais escolas militares, que no máximo conseguirão dobrar o irrelevante número de alunos beneficiados, que hoje não representa nem 0,01% da realidade brasileira.

Alunos batendo continência representa o fim da liberdade de pensamento, a solução para que ninguém se lembre de que o Brasil investe muito mal em Educação.

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