O bom assessor
Quando o discurso acabou, o presidente estava animado. Andava de um lado para o outro e trocava sorrisos com seus assessores, cujo trabalho é justamente esse: sorrir.
Sorrir na hora certa, é importante fazer a distinção. Sorrir quando algo alegra o presidente e enterrar o sorriso num rosto de poucos amigos, desconfortável ou irritado, se algo não agradar. Seu trabalho é multiplicar os sentimentos do presidente para que ele acredite que alguém se importa.
― Como estamos? ― o presidente pergunta com pompa, do alto da sua tribuna fictícia.
― Como estamos? ― o assessor repete preocupado, pois não sabe do que ele está falando.
― O que estão dizendo? ― ele se irrita.
― Ah, sim ― o assessor consulta sua pequena tela portátil. ― Nada ainda, senhor.
― Nada? ― ele procura algum significado que o agrade. ― Devem estar chocados. Eu provoco muito impacto.
― Muito impacto ― o assessor sorri, porque é hora de sorrir.
― E quantas pessoas já viram o discurso?
O assessor consulta novamente a pequena tela. Pensa em responder, mas volta o rosto para baixo e confere mais uma vez.
― Não muitas.
― Menos que o último?
― Por enquanto, senhor. ― abre um sorriso comedido, que pede paciência.
― Está certo. É cedo ainda. ― o presidente olha a hora e percebe que não está tão cedo assim. ― Mas quantos já viram? Exatamente.
― Exatamente? ― o assessor treme. Por um segundo pensou que havia evitado o problema, mas ele o persegue. ― É difícil ter certeza, os números às vezes demoram para atualizar.
― Só me diga o que está aí na tela!
― Nenhum ― responde de susto e se arrepende pela forma como fez.
― Nenhum? ― o presidente tenta entender, mas não faz sentido.
― Eles podem estar vendo novela, senhor ― com um sorriso conciliador, tenta remediar a situação.
― Passa novela a essa hora?
― Em algum lugar, tenho certeza que sim.
― Em algum lugar? Não diga bobagens! ― o presidente se exalta. ― O que aconteceu?
― Eu vou verificar com os técnicos, senhor.
― Sim! Os técnicos! ― ele se senta nervoso em sua grande poltrona.
O assessor desaparece pelo corredor. Sozinho o presidente consulta ele mesmo a sua pequena tela. Seu assessor tem razão, ninguém viu o discurso. Ninguém.
Quando o assessor volta, o presidente não esconde a sua ansiedade.
― E então?
― Nada.
― Nada o quê?
― Não encontraram nada.
― E isso significa o quê?
― Que está tudo certo.
― Tudo o quê?
― Tudo que compete aos técnicos, senhor. ― o assessor sorri cordial.
― Eu não quero saber dos técnicos! Que ideia estúpida. Eu quero o culpado!
― Ainda não descobrimos, senhor. Mas estamos trabalhando nisso. ― se esforça para demonstrar confiança.
O presidente não parece satisfeito. Balança a cabeça nervoso e caminha pela sala.
― Deve ser a oposição.
― É a cara da oposição, senhor.
― E aquele ministro? ― o presidente se exalta ao lembrar.
― O ministro?
― Sim. O que chama muita atenção.
― Ele continua, senhor.
― Chamando atenção?
― Sim, senhor.
― Droga ― ele lamenta em voz alta. ― Preciso demiti-lo.
O assessor pensa nessas palavras e percebe que faz sentido.
― Isso pode funcionar, senhor.
― O quê? ― o presidente retruca.
― Demissões chamam muita atenção.
Os olhos do presidente brilham e a palavra encontra caminho pela sua boca num murmúrio que ele sequer percebe.
― Atenção.
Com um sorriso macabro no rosto, o presidente especula um cenário em que seu vídeo entra para a lista dos mais vistos do país. Não! Dos mais vistos em todo o mundo! Poderá recuperar a atenção que aquele ministro tem roubado, e em dobro! Poderá até ― e a ideia lhe causa um arrepio ― satisfazer o seu desejo secreto de ser um influenciador digital.
― Vamos fazer isso!
― Devo chamar a equipe? ― o assessor revela o seu sorriso excitado.
― Ande logo!
― Sim, senhor!
O assessor dispara pela sala e some no corredor outra vez. Minutos depois ele está de volta acompanhado pelo maquiador, câmera, luz e muita gente que ninguém sabe o que faz ali, mas que vestem terno e sorriem, como o assessor.
Sentado em sua imponente cadeira, o presidente estufa o peito e prepara o discurso improvisado, algo que todos o aconselham a evitar, mas que agora parece uma ótima ideia. Pode fazer uma piada, alguma indireta, sorrir com o canto da boca. Ele não resiste e sorri com o canto da boca.
As luzes se acendem, o maquiador se afasta e a maravilhosa câmera está apontada para o seu rosto. Ela é toda sua.
Exultante, pensa no que vai fazer e seus lábios se separam ansiosos por palavras polêmicas e desnecessárias, mas se contém. Algo está errado. Com um sinal, a luz apaga e o câmera se afasta do equipamento.
― O que foi, senhor? ― o assessor se apressa até o seu lado da mesa. ― Precisa do texto? De uma platéia maior?
― Não dá ― ele lamenta, irritado.
― O quê?
― Para demitir ele.
― Por quê?
― Porque depois vão dizer que a culpa foi minha.
― Mas, senhor ― o assessor tenta esconder a sua surpresa. Nunca esperou do presidente uma conclusão que fizesse sentido. ― Podem te culpar de todo jeito.
― Podem? ― o presidente arregala os olhos preocupado.
― Podem.
― Isso não está certo! ― ele levanta impaciente e caminha pela sala. ― Não podem me culpar. Eu sou o presidente!
― Sim, senhor. O senhor é o presidente. ― o assessor sorri, como o seu cargo exige.
― Mas como eu faço para não me culparem?
― O senhor… ― escolhe bem as palavras, que atravessam com dificuldade o nó apertado e preocupado na garganta ― pode se afastar do cargo.
― Me afastar? ― o presidente grita com a afronta. ― Se eu me afastar, não serei mais o presidente!
― Não, senhor.
― Por quê eu iria querer isso?
― Desculpe, senhor. Foi um conselho terrível. ― o assessor esconde qualquer resquício que havia de um sorriso.
― Mas que droga! ― o presidente caminha irritado. ― Deve ter uma solução. Alguém já deve ter feito isso antes.
Mais uma vez, as palavras do presidente inspiram o assessor, como um bom messias e seu mais fiel seguidor.
― Teve um.
― O quê?
O assessor percebe que essa é a mais polêmica de suas ideias e toma cuidado redobrado ao dizê-las.
― O senhor pode não gostar muito.
― Fale de uma vez!
― Bom, é que ― engole em seco ― as pessoas gostam de um mártir.
― Que droga é isso?
― Alguém que morre por uma causa.
― Morrer?
― Um sacrifício pela nação. ― sugere.
― Sacrifício. ― o presidente, que é messias, gosta da palavra.
― O senhor entraria para História, estou certo disso.
― Para a História? ― repete, hipnotizado.
― E não deixaria de ser presidente! ― o assessor enfatiza. ― Pense nas manchetes da grande mídia. Até a oposição teria de lamentar.
― Até a oposição?
O presidente aguarda ansioso pela resposta previsível, como música para seus ouvidos.
― Sim, senhor.
― Isso parece forte.
― Muito forte.
― Eu serei importante.
― Um mito.
― Eu quero isso!
O presidente se levanta de peito estufado e a pequena platéia aplaude a coragem e o altruísmo dessa decisão.
― 38 ou faca? ― o assessor sorri, como o cargo exige.