O desemprego como ideal

Victor Allenspach
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3 min readDec 8, 2021
Jardins Suspensos, de Victor Allenspach

Quando eu era pequeno havia um programa de rádio que iniciava todos os dias com um “bom dia” para profissões incomuns, como “parafusador de porca de máquina de lavar” e “pintor de faixa de pedestre”. Era engraçado, mas mesmo naquela época isso já me incomodava.

Pense que alguém, em algum lugar, é pago para moldar pikachus de plástico. É uma profissão que poderia desaparecer da face da Terra e ninguém sentiria falta. Nem mesmo as crianças que querem pikachus de plástico se importariam, afinal, esses brinquedos simplesmente não existiriam e as crianças desviariam a atenção para alguma outra porcaria de plástico.

Sendo assim, porque um ser humano tão inteligente, tão curioso, tão criativo e sagaz, quanto qualquer outro, deve jogar fora todas essas características e dedicar a maior parte da sua vida e dos seus anos mais saudáveis, injetando plástico amarelo em um forma? Por que a sociedade exige que alguém descarte a sua vida dessa forma?

“Porque a sociedade não se importa”, alguém poderia dizer, mas isso é mentira. A sociedade se importa. A sociedade se importa tanto, que considera essencial que cada ser humano (pobre) do mundo tenha um emprego, por mais irrelevante que seja.

Em uma sociedade moldada pelo trabalho, ter um trabalho é essencial. É obrigatório. É o que te define como ser humano. Pouco importam os seus hobbies, os seus gostos, ou como você emprega o seu conhecimento e criatividade no tempo livre. Importa como você ganha dinheiro.

Todos os dias surgem máquinas que tornam o trabalho humano mais fácil, ao mesmo tempo em que condenamos milhões de pessoas a trabalhos medíocres e desnecessários, como varrer ruas e lavar pratos.

Imagine se, ao inventarem o tear mecânico, todos os trabalhadores do setor têxtil passassem a trabalhar menos? Imagine milhares de agricultores, que ao adquirir tratores, poderiam cruzar as pernas e apreciar a paisagem enquanto essas poderosas máquinas fazem o trabalho pesado.

É claro que não é isso o que acontece. Todo o benefício tirado dessas invenções, e de milhares de outras, é privatizado e capitalizado. Os proprietários dessas máquinas enriquecem ainda mais e os trabalhadores se tornam desempregados.

Não seria maravilhosa uma sociedade em que os benefícios das invenções fossem coletivos? Onde o surgimento de toda nova tecnologia e técnica fosse comemorada por todos, com a diminuição imediata do trabalho?

Mais tempo livre para mais pessoas se dedicarem ao que bem entenderem também significa mais gente dedicada a criar e inventar novas técnicas e tecnologias que libertarão ainda mais gente. Um ciclo virtuoso.

Nossa sociedade poderia ter como meta substituir todos os trabalhos medíocres por máquinas e soluções melhores. Ao invés de uma sociedade que sonha em ter empregados, uma sociedade sem empregados. Como Bob Black enfatiza em “A Abolição do Trabalho”, nós enfrentamos o desemprego, mas ele deveria ser um ideal.

Recentemente eu publiquei a série de ficção científica Dente de Leão. O primeiro livro, Jardins Suspensos, aborda justamente a tragédia de uma sociedade futura, que conquistou tantos avanços, mas que jamais superou a perpetuação do trabalho. No enredo, desempregados vão às ruas lutar por emprego. Porque é isso que as pessoas fazem. Alienadas, elas não exigem equidade e o fim de uma sociedade de castas, elas pedem empregos.

Fomos bem domesticados.

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