A apologética não é uma vacina contra o nosso pecado: sobre o caso Ravi Zacharias

Valmir Nascimento
Cultura e Teologia
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4 min readMar 4, 2021

Logo no início da minha caminhada cristã, e no anseio de compreender melhor os fundamentos da fé, um amigo me indicou o livro “Pode o homem viver sem Deus?”, de Ravi Zacharias, autor que até então eu desconhecia. Ávido por desenvolver uma apologética cristã relevante, é desnecessário dizer que o conteúdo captou a minha atenção pela forma sofisticada e abrangente com que o autor defendia o cristianismo contra as cosmovisões antiteístas (termo que aprendi com ele).

Com uma incrível habilidade de demonstrar a veracidade e a coerência da fé, contraposto ao absurdo da vida sem Deus, com citações diversas de pensadores cristãos e teóricos seculares, a leitura cativante fez crescer em mim um grande apreço por Ravi, um cristão nascido na Índia e radicado nos Estados Unidos. Logo depois disso li muitos outros de seus livros e prossegui acompanhando seu ministério (RZIM Ministries), debates públicos e palestras virtuais.

No ano passado, fiquei consternado ao saber de seu estado de saúde e a sua luta contra um câncer na coluna. Em maio, veio a notícia do seu falecimento, aos 73 anos de idade. Juntamente com milhares de outros admiradores, lamentei profundamente a morte de um dos principais pensadores públicos do cristianismo dos últimos tempos.

Lamentavelmente, todos nós fomos pegos de surpresa quando vieram à tona diversas denúncias de abusos supostamente cometidos por Ravi Zacharias. Antes mesmo da conclusão da investigação, realizada por uma empresa de autoria independente contratada pelo ministério fundado por Ravi, a instituição reconhecia que as denúncias eram de fato verdadeiras. Neste ano, acabando de vez com qualquer dúvida, o RZIM apresentou o relatório final das investigações, juntamente com um pedido de desculpas, concluindo que o falecido apologista cristão se envolveu em “sexting, toque indesejado, abuso espiritual e estupro” durante sua vida.

A notícia é triste e lamentável, para os cristãos em geral e particularmente para os admiradores do ministério e dos livros de Ravi Zacharias. Embora muitos dos seus admiradores achem mais sensato se calar diante dessa trágica notícia, como sugere um comentário no vídeo que produzi sobre o assunto (link do vídeo), como cristãos temos um sério compromisso em falar sobre esse tema, não de maneira farisaica e com o propósito de expor a sua imagem, mas com um coração entristecido e humilde, com a intenção de extrair algumas lições desse ocorrido.

Primeiro, o escândalo envolvendo Ravi Zacharias nos ensina que intelectuais e eruditos cristãos possuem a mesma condição do homem caído, e que igualmente podem sucumbir em uma vida de pecado. A intelectualidade, por si só, não é suficiente para manter a integridade e uma vida longe do erro. A razão e a erudição não nos tornam pessoas melhores, e nem a educação é capaz de nos santificar. Todas essas coisas, por mais importantes que sejam, sem a graça e o temor de Deus, não passam de meros enfeites.

Em segundo lugar, isso nos mostra que a apologética não é uma vacina que nos imuniza contra o pecado. Aliás, depois de anos e anos estudando a apologética tenho aprendido que a verdadeira defesa da fé é mais testemunhal do que argumentativa; é mais um estilo de vida que revele Cristo em nós do que declarações racionais que tentem convencer o descrente.

Vale lembrar o contexto bíblico no qual 1 Pedro 3.15, o texto áureo da apologética, encontra-se escrito. Pedro diz “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. O apóstolo está falando sobre a perseguição que os crentes estavam passando naquela ocasião. Pedro não está enfatizando necessariamente o que temos a dizer perante magistrados; seu ensino, disse Stanley Horton, parece aplicar-se mais àquelas abordagens que sofremos em casa, na rua, no trabalho, no supermercado ou onde quer que tenhamos contato com os incrédulos”. Em outras palavras, devemos estar preparados para responder sobre a razão da nossa esperança quando o nosso testemunho desperta a atenção dos descrentes. Quando, mesmo em situações desfavoráveis, mantemos a calma e a tranquilidade, alguém irá nos indagar a razão pela qual procedemos dessa forma. É o momento de apresentarmos em palavras as nossas convicções.

É claro que os argumentos apologéticos possuem a sua importância, mas eles jamais suplantam o testemunho de vida. Uma apologética cristã que se resume a argumentos racionais e metafísicos não honra o seu verdadeiro propósito. Um apologista cristão que convence o descrente por meio de argumentos, mas não tem o seu próprio coração convertido e não dá testemunho de uma vida transformada, em público ou no privado, não passa de um intelectual cujo coração está longe do verdadeiro Evangelho. Esse tipo de apologista em nada se diferencia de um filósofo descrente que defende o estoicismo, por exemplo.

Em terceiro, devemos recordar que, apesar de sua conduta indigna, as verdades ditas e escritas por Ravi Zacharias permanecem válidas. Afinal, a verdade continua sendo verdade independentemente de quem a tenha dito. Toda verdade é a verdade de Deus! Nesse sentido, o seu legado intelectual e suas obras continuam contendo o mesmo valor, razão pela qual não faz sentido retirá-las de circulação, como defendem alguns.

Em quarto lugar, por fim, esse acontecimento nos faz recordar que o nosso grande exemplo de vida é o Senhor Jesus. Por mais que possamos admirar teólogos e eruditos cristãos, dando-lhes a honra devida, devemos passar tudo pelo filtro das Escrituras, pois todo homem, com ou sem instrução, continua passível de ser afetado pelo erro. Assim como os televangelistas, eruditos cristãos também pecam!

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Valmir Nascimento
Cultura e Teologia

Doutorando em Filosofia, Mestre em Teologia, Graduado em Direito. Escritor, professor e conferencista. Conselheiro do Inst. Bras. Direito e Religião.