Sal e Luz: A relevância cristã na sociedade

Valmir Nascimento
Cultura e Teologia
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4 min readFeb 20, 2018

A metáfora ‘sal da terra’ e ‘luz do mundo’ empregada por Jesus é das mais contundentes e significativas do Novo Testamento, fornecendo aos discípulos inspiração e responsabilidade para o cumprimento da missio Dei1 no mundo. A ilustração empregada pelo Mestre foi decisiva para pavimentar o testemunho cristão no curso da história e ainda permanece igualmente válida para a igreja contemporânea, instigando-a ao cumprindo da missão que lhe foi confiada.

Para compreendermos a essência das palavras de Jesus, é importante destacar as palavras de Roy Zuck e Darrel Bock, a respeito do Evangelho de Mateus: ‘[…] o assunto das missões é um ponto de transição apropriado para mudar da discussão sobre Deus e sua obra para os discípulos e seu trabalho, já que o tópico diz respeito ao objeto, ao sujeito e à motivação que reúnem Deus, seu povo e os que precisam de salvação’2 . Assim, as missões ‘são uma questão de suprema importância para Mateus, fato esse demonstrado pelo lugar que ocupam no ponto culminante de seu Evangelho’3 .

As palavras registradas em Mateus 28.19, ‘[…] ide, ensinai todas as nações’ é uma ordem que assume lugar central à medida que o Evangelho de Mateus se aproxima do fim, cujo contexto ‘tem o efeito de transformar esse comissionamento em um decreto que se perpetua, já que Jesus estipula que o processo de fazer discípulos deve incluir ensiná-los ‘a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado (v.20)’4 . Dentro dessa perspectiva, ‘a principal ordem entre os mandados de Jesus que devem ser ensinados e obedecidos diz respeito às missões’5 . Mais:

Mateus não espera o fim do evangelho para enfatizar o tema das missões no ensinamento de Jesus. Na verdade, o primeiro chamado de Jesus para seus discípulos é uma convocação para que se juntem a Ele na obra de fazer mais discípulos: “Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens” (4.19). Dessa forma, as primeiras e as últimas palavras de Jesus para os discípulos se tornam uma ordem para ampliar e entender o grupo de comunhão6.

De fato, ao passo que descortinamos as narrativas do evangelho, vislumbramos não somente a preocupação de Cristo com o ministério que apontava para a cruz, mas também o seu investimento no chamado e formação de discípulos, de maneira tal que pudessem pôr em prática a estratégia de Deus neste mundo. Nas palavras de Robert Coleman: ‘O objetivo inicial do plano de Jesus era o de arregimentar pessoas que fossem capazes de testemunhar a respeito de sua vida e manter sua obra em andamento depois que retornasse ao Pai’ 7.

Não é de surpreender, portanto, que a eloquente e inconteste afirmação de Jesus para os seus discípulos sobre a qual estamos abordando, está situada logo após as bem-aventuranças, sugerindo com isso que para ser sal e luz neste mundo o discípulo deve primeiramente compreender as características e o comportamento que dele se espera. As beatitudes servem como preâmbulo constitucional da missão cristã na terra e estabelece valores que devem dirigir o encargo sociocultural dos crentes, sem os quais não temos condições de testemunhar efetivamente no presente tempo. Isso diz respeito a caráter e integridade, que devem fazer notar o sabor e a transparência da vida autenticamente cristã.

Noutras palavras, Jesus anuncia antecipadamente as qualidades daqueles que hão ser sal da terra e luz do mundo: os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores e os que sofrem perseguição. Assim o é porque, enquanto a metáfora diz respeito à diferença que os cristãos devem fazer no mundo, as bem-aventuranças destacam as diferenças que os cristãos devem ter em relação aos padrões do mundo. O expositor bíblico Warren Wirsbe disse com propriedade que as bem-aventuranças ‘[…] mostram uma perspectiva radicalmente diferente daquela do mundo ao nosso redor. O mundo estimula o orgulho e não a humildade. O mundo incentiva o pecado, especialmente se for possível escapar impunes. O mundo está em guerra com Deus, enquanto Deus deseja se reconciliar com seus inimigos e recebê-los como filhos’ 8.

Portanto, a perícope de Mateus 5.13–15 tem como pano de fundo a missão de Deus para os seus discípulos, e compõe um encargo bem específico, um comissionamento dentro da Grande Comissão (Mt 28.10–20). Partilham desse entendimento Roy Zuck e Darrel Bock, para quem tal passagem é um ‘comissionamento em miniatura’ 9, não por ser de menor importância, mas por estar associada ao mandato bíblico de proclamar a salvação e fazer discípulos.

Conclusão

Jesus inicia o seu discurso de maneira direta, sem rodeios ou meias palavras: “Vós sois o sal da terra” (v.13). Franz Zeinlinger refere que esta partícula é uma ‘determinação do ser’. Não há margem aqui para conjecturas. O Mestre diz de maneira explícita que os discípulos são o sal da terra, no sentido de obrigação, de dever ser. Por certo, tais palavras contrastam com uma cultura marcada pelas aparências e hipocrisias, presente até mesmo no campo religioso, em que as pessoas simulam comportamentos e virtudes para parecer ser alguma coisa. O comando divino não é para que o povo de Deus pareça ser sal, e sim que seja sal, de fato e de direito!

*Este subsídio foi adaptado de NASCIMENTO, Valmir. Seguidores de Cristo: Testemunhando numa Sociedade em Ruínas. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, pp. 11–16.

1 Expressão latina que significa a missão de Deus.
2 ZUCK, R. B. (Ed). Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2016, p. 43.
3 ZUCK, 2016, p. 43.
4 ZUCK, 2016, p. 43.
5 ZUCK, 2016, p. 43.
6 ZUCK, 2016, p. 44.
7 COLEMAN, R. E. Plano Mestre de Evangelismo. São Paulo: Mundo Cristão, 2016, p. 16
8 WIRSBE, W. W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento1. Santo André/SP: Editora Geográfica, 2007, p. 24.
9 ZUCK, 2016, p. 44.

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Valmir Nascimento
Cultura e Teologia

Doutorando em Filosofia, Mestre em Teologia, Graduado em Direito. Escritor, professor e conferencista. Conselheiro do Inst. Bras. Direito e Religião.