1984 faz-nos enxergar 2020 — Resenha crítica do livro 1984

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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15 min readJun 17, 2020

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Guerra é paz,
Liberdade é escravidão,
Ignorância é força.

1984 é um romance distópico, que se passa na antiga Grã-Bretanha, agora chamada de “Pista de Pouso Número 1”, que tem o ingsoc (socialismo ingles) como o partido que controla Oceania, uma superpotência totalitária, que vive em uma constante guerra, muitas vezes imaginária, com as outras superpotências a Eurásia e a Lestásia. Essa guerra é usada para manter o senso de eterna vigilância e da manutenção do poder pelo medo do inimigo externo. O partido é comandado pelo “Big Brother”, o Grande Irmão, que tem inspiração em Joseph Stalin. Ele (que na realidade ninguém sabe se existe) tem o controle absoluto de todos os aspectos da vida dos cidadãos, que são monitorados em suas casas pelas Teletelas, outra palavra da novilíngua, que é um dispositivo similar a um televisor bidirecional, que permitia o grande irmão, ou quem quer que estivesse no controle, ver e permitir aos cidadãos assistirem a propaganda do partido a todo momento. Mesmo quando nenhum programa estava sendo exibido, a tela em descanso, mostra a figura onipresente do Grande Irmão.

O herói do romance é Winston Smith, um membro inferior do partido totalitário Ingsoc na linguagem artificial criada pelo governo, a novilíngua. Winston é funcionário do Ministério da Verdade, onde se manipula toda a informação: notícias, entretenimento, educação e artes. Dentro do ministério, Winston trabalha no Departamento de Registros fazendo pequenas “retificações” nos arquivos históricos para que tudo o que o Partido diga se torne verdade. O protagonista começa a sentir-se frustrado com a opressão e o rígido controle do Partido, que proíbe o livre pensamento e toda e qualquer expressão de individualidade. Sua rebelião contra o partido começa por manter um diário com seus pensamentos secretos, o que é uma crimideia, ou crime do pensamento, que é um crime mortal. Encorajado pelo amor a Julia,sua namorada, eles iniciam uma luta por liberdade e justiça, para isso, entram em contato com um burocrata do alto escalão do Partido, O’Brien, que se apresenta como um subversivo, membro da Confraria que é uma organização secreta que deseja derrubar o partido.

O controle chega até os pensamentos dos cidadãos, que é realizado através da vigilância constante por microfones, câmeras e telas e pela manipulação da linguagem. A novílingua é o controle mais efetivo, pois tenta eliminar completamente o pensamento subversivo e consequentemente, toda rebelião política. O Ingsoc começa a apagar de seu vocabulário todas as palavras que pudessem ser usadas contra o partido, a novilingua se torna uma linguagem de controle que restringe o vocabulário e por conseguinte, o pensamento — o que verdadeiramente o partido desejava era limitar a liberdade de expressão e de pensamento através do controle das palavras que interferissem nas mentes de seus cidadãos. Sendo assim, tudo que pudesse produzir algum tipo de pensamento divergente da narrativa do partido foi classificado como crimideia. O partido consegue controlar o que as pessoas leem, falam, dizem e fazem com a ameaça de que, se desobedecerem, serão enviadas para a temida Sala 101, onde seus maiores medos seriam revelados e usados contra eles.

É a polícia do pensamento(thoughtpolice), um tipo de agência secreta como a Gestapo ou a NKVD, que investiga e pune os pensamentos pessoais e políticos não aprovados pelo governo.É ela, com ajuda de O’Brien, que não era membro da Confraria, mas um espião do partido que fingiu ser um membro da resistência para enganar e fazer com Winston cometesse um ato de rebelião. Prende, tortura e faz lavagem cerebral no herói, pelo ato de revoltar-se contra o estado, junto com Julia.

Mesmo que o enredo pareça ser simples, e poucos lembrem das personagens, o brilhantismo da obra está na análise de Orwell sobre a política de seu tempo. Ele conseguiu vislumbrar os desdobramentos do autoritarismo no mundo e na sociedade inglesa. Sua obra virou lugar comum para observar como os regimes totalitários agem, reescrevendo o passado e criando novas palavras; sua sede de poder pelo poder e o controle total. Mas por que uma história contada a mais de 70 anos, sobre um futuro alarmante pode ainda causar calafrios em seus leitores?

Orwell consegue pintar o pano de fundo, ele faz o que Emmanuel Goldstein, o traidor do estado, uma clara alusão a Trotsky, faz na escrita de “Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico” para Winston e Julia. Mostra como os mecanismos do autoritarismo funcionam. Ao escrever a obra, Orwell foi influenciado e inspirado pelos regimes totalitários da época, como a Alemanha nazista de Hitler e a União Soviética de Stalin. Ambos os regimes viam seus líderes como semideuses infalíveis, demandavam a destruição de toda a individualidade em favor das necessidades do Partido, exigiam lealdade absoluta de seus cidadãos, manipulavam todas as informações e apagavam da história os antigos aliados que se levantaram contra o regime e a violência era sempre usada para todo e qualquer que ousasse fazer o mesmo.

Dorian Linsky, biografo de Orwell, traça as referências biográficas de 1984, com o primeiro encontro de Orwell com o totalitarismo nas trincheiras da Catalunha em 1936[1]. Orwell serviu como voluntário do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista), uma facção dissidente do Partido Comunista Espanhol, de linha trotskista. Lutando pela libertação da Espanha do regime fascista de Franco, na Guerra Civil Espanhola. Ali, pode ver a rede de desinformações dos fascistas e dos comunistas.​ Agentes da União Soviética criaram uma mentira elaborada para desacreditar os trotskistas no governo espanhol como espiões fascistas. Os fascistas, por outro lado, criaram a narrativa de serem cristãos patriotas tentando salvar a Espanha da ameaça Russa, exagerando o número dos soldados russos envolvidos no conflito:

Lembro-me de ter dito uma vez a Arthur Koestler: “A história parou em 1936”, na qual ele assentiu com compreensão imediata. Nós dois estávamos pensando no totalitarismo em geral, mas mais particularmente na Guerra Civil Espanhola. No começo da vida, eu havia notado que nenhum evento é relatado corretamente em um jornal, mas na Espanha, pela primeira vez, vi reportagens de jornais que não tinham nenhuma relação com os fatos, nem mesmo a relação implícita no cotidiano. Mentira. Vi grandes batalhas relatadas onde não houve brigas e silêncio completo onde centenas de homens foram mortos. Vi tropas que lutaram bravamente denunciadas como covardes e traidores, e outras que nunca haviam visto um tiro ser saudado como heróis de vitórias imaginárias, e vi jornais em Londres revendendo essas mentiras e intelectuais ansiosos construindo superestruturas emocionais sobre eventos que nunca haviam ocorrido. aconteceu. Vi, de fato, a história sendo escrita não em termos do que aconteceu, mas do que deveria ter acontecido de acordo com várias “linhas do partido”.[2]

George Orwell segurando um filhote de cachorro em pé com camaradas durante a Guerra Civil Espanhola, em 1937. Ernest Hemingway pode ser visto em segundo plano

O que Orwell experienciou na Espanha, foi a grande influência para escrever sua obra-prima. A constatação de que a história parou em 1936, fez com que 1984 nascesse. Foi ali, entre as linhas de combate, que trotskistas viraram fascistas, fascistas em cristãos, amigos em inimigos, tudo dependendo do sabor e do humor do partido. Orwell voltou da Espanha desiludido quanto ao comunismo de Moscou, e como a intelligentsia progressista britânica distorcia os fatos de suas ações[3]. Por isso, não foi novidade alguma para ele, quando nazistas e soviéticos firmaram um pacto de não agressão em agosto de 1939, que foi quebrado pela invasão alemã às posições Russas na Polônia em 1941, fez Stalin unir-se aos esforços de guerra junto aos aliados, e com o término do conflito com os alemães, a Rússia voltou a ser considerada um inimigo do Ocidente. Esse jogo político soviético influenciou o conceito de duplipensar, que Orwell assim define:

Duplipensar quer dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas.”(…) Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois, quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do esquecimento por tempo suficiente à sua utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega — tudo isso é indispensável. Mesmo no emprego da palavra duplipensar é necessário duplipensar. Pois, usando-se a palavra admite-se que se está mexendo na realidade; é preciso um novo ato de duplipensar para apagar essa percepção e assim por diante, indefinidamente, a mentira sempre um passo além da realidade. Em última análise, foi por meio do duplipensar que o Partido conseguiu — e, tanto quanto sabemos, continuará, milhares de anos — deter o curso da história.[4]

O duplipensar orwelliano tem influência na dialética marxista usada pelo governo soviético, que consegue unir qualquer pensamento por mais diverso que seja, colocando-o em contradição e o superando para encontrar uma unidade nessa contradição. Levebfre explica a dialética: “é a ciência que mostra como as contradições podem ser concretamente idênticas, como passam uma na outra, mostrando também por que a razão não deve tomar essas contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como coisas vivas, móveis, lutando uma contra a outra em e através de sua luta.”[5] No caso soviético e do ingsoc, o partido se torna a junção dos contrários. Como nesse trecho do discurso de Stalin:

Somos a favor do definhamento do Estado e, ao mesmo tempo, defendemos o fortalecimento da ditadura, que representa a mais poderosa e poderosa de todas as formas de Estado que existiam até os dias atuais. O mais alto desenvolvimento do poder do Estado, com o objetivo de preparar as condições de definhamento do Estado: essa é a fórmula marxista. Isso é “contraditório”? Sim, é “contraditório”. Mas essa contradição é uma coisa viva e reflete totalmente a dialética marxista[6]

Essa artimanha não foi somente utilizado pelos soviéticos, os nazistas também usaram esse método de subversão da realidade:

A teoria nazista de fato nega especificamente que exista algo como “a verdade”. ( …) O objetivo implícito dessa linha de pensamento é um mundo de pesadelo em que o Líder, ou alguma grupelha dominante, controla não apenas o futuro, mas o passado. Se o Líder diz de um evento “Nunca aconteceu” — bem, nunca aconteceu. Se ele diz que dois e dois são cinco — bem, dois e dois são cinco. Essa perspectiva me assusta muito mais do que bombas.[7]

Em suma, o duplipensar é uma crítica a dialética instrumentalizada como política do Partido, o duplipensar normatiza as contradições de ideias, como novas formas de pensamento que elevam o Partido como síntese da realidade, ou seja, tudo o que o partido falar, por mais absurdo que seja, passa a ser verdade. Isso fica exemplificado na obra, pelos temas do partido como Guerra é paz, liberdade é escravidão e Ignorância é força; ou o nome dos ministérios: “o Ministério da Paz faz guerra, o Ministério da Verdade conta mentiras, o Ministério do Amor tortura e mata”[8]

Esse novo estilo de pensar sempre em posições contrárias mas aceitáveis virou a norma de hoje em dia. As notícias, postagens, notas, tudo nos coloca em contradição entre o que vemos e entre o que compreendemos. Na política essas práticas de esquecimento e de mentira são práticas corriqueiras, vemos os políticos falarem uma coisa, mas agirem de maneira contrária como se nunca houvessem dito o oposto. Isso fica mais evidente quando o presidente norteamericano tem o Fake News como frase de efeito e diz: O que você vê e o que você está lendo não é o que está acontecendo” ou o brasileiro: “isso é apenas uma gripezinha”. Por isso, 1984 sempre volta às análises políticas e vira tema das páginas dos jornais, mesmo 70 anos depois.

Como consequência, duplipensar vira normalpensar (invenção minha do termo). Acabamos acreditando e duvidando ao mesmo tempo e isso vira o normal. Uma espécie de esquizofrenia cognitiva nos acomete quando vemos na imprensa, uma passeata como democrática ou fascista dependendo de quem promove o ato, cada cobertura deve ser acreditada/desacreditada, pois passamos a duvidar do que vemos por entender que uma narrativa está sendo contada ou desmentida, com uma série de interesses escusos em jogo. Orwell compartilhava desse temor, quando escrevia sobre o conflito na Espanha, quando via a história sendo escrita e reescrita pelos jornais da época. Seu temor era saber qual história seria contada ou recontada no futuro, dependendo de quem estivesse no poder:

Esse tipo de coisa é assustadora para mim, porque muitas vezes me dá a sensação de que o próprio conceito de verdade objetiva está desaparecendo do mundo. Afinal, as chances são de que essas mentiras, ou pelo menos mentiras semelhantes, passem para a história. Como será escrita a história da guerra espanhola? Se Franco permanecer no poder, seus indicados escreverão os livros de história e (para manter o ponto escolhido) aquele exército russo que nunca existiu se tornará um fato histórico, e as crianças em idade escolar aprenderão sobre isso daqui a gerações. Mas suponha que o fascismo seja finalmente derrotado e que algum tipo de governo democrático seja restaurado na Espanha em um futuro bem próximo; mesmo assim, como a história da guerra deve ser escrita? Que tipo de registro Franco deixou para trás? Suponha que mesmo os registros mantidos no lado do governo sejam recuperáveis ​​- mesmo assim, como deve ser escrita uma história verdadeira da guerra? Pois, como já indiquei, o governo também lidou extensivamente com mentiras. Do ponto de vista antifascista, pode-se escrever uma história amplamente verídica da guerra, mas seria uma história partidária, não confiável em todos os aspectos menores. No entanto, afinal, algum tipo de história será escrita e, depois que aqueles que realmente se lembram da guerra morrerem, ela será universalmente aceita. Portanto, para todos os propósitos práticos, a mentira se tornará verdade.[9]

Essa denuncia de 1942, portanto 7 anos antes da publicação de 1984 é um alerta para o que a história haveria de se tornar, e assim deve ser lido 1984, como um alerta de Orwell para as futuras gerações de que as artimanhas do totalitarismo seja de direita ou esquerda estão sempre às portas e a vigilancia deve ser constante. Ele prossegue:

Mas o que me impressionou, e me impressionou desde então, é que as atrocidades são acreditadas ou desacreditadas apenas por razões de predileção política. Todo mundo acredita nas atrocidades do inimigo e não acredita naquelas do seu lado, sem nunca se preocupar em examinar as evidências. Recentemente, elaborei uma tabela de atrocidades durante o período entre 1918 e o presente; nunca houve um ano em que atrocidades não estavam ocorrendo em algum lugar ou outro, e dificilmente houve um único caso em que a esquerda e a direita acreditassem nas mesmas histórias simultaneamente. E, mais estranho ainda, a qualquer momento a situação pode se reverter repentinamente e a história de atrocidade comprovada de ontem pode se tornar uma mentira ridícula, apenas porque o cenário político mudou.[10]

Mas como isso se aplica no hoje, em 2020, essa rede de contrainformação, comumente chamada de fake news?

Do lado direitista, os comunistas estão às portas de uma revolução globalista, e por isso, deve haver uma defesa com unhas e dentes da soberania nacional. Tem Stephen Bannon, que ajudou Donald Trump em sua campanha, mas foi logo jogado para escanteio, como grande estrategista. O maior expoente desse pensamento no Brasil é Olavo de Carvalho, o ideólogo do governo, que tem Bolsonaro e o núcleo ideológico do governo sob sua influência atacando o “Globalismo” e o “Marxismo Cultural”. Os globalistas têm a meta de dominação global através da destruição da cultura judaico-cristã e dos valores tradicionais. Esse plano está posto em curso pelas elites intelectuais e os órgãos internacionais como a ONU, a União Europeia e as ONG’s internacionais patrocinadas por magnatas como George Soros. E ainda, a China seria a grande divulgadora dessa ideologia globalista.[11]

George Packer, analisando a biografia de Orwell, pontua os exageros da esquerda norte-americana com relação a Donald Trump e como as críticas são praticamente uma cópia do cenário brasileiro, cabem como análise de nossa situação.

Do lado esquerdista, segundo Packer a coisa é mais sutil. Por um medo aparente do nazismo ou do fascismo estar à espreita, eles tentam recriar o momento histórico que precedeu a Alemanha Nazista ou a Itália de Mussolini, por isso, tem o dever de soar o alarme a qualquer sinal, por menor que seja de fascismo do presidente. Como um copo de leite, é um claro sinal de supremacia branca, andar a cavalo, é uma analogia ao periodo militar e por ai vai… O principal argumento para esse modus operandi é que se aconteceu na Alemanha, pode acontecer aqui (Brasil, EUA), eles fazem questão de apontar como as democracias são frágeis, e como parece inevitável que isso ocorra (como Marx e seu mecanismo da história), por isso, é dever alertar qualquer tipo de sinal de atentado contra a democracia. Infelizmente, os progressistas não enxergam que o problema não é o indivíduo (Trump, Bolsonaro),como argumenta Packer, mas o por quê os americanos (brasileiros) colocaram alguém desse tipo no poder, “A questão crucial não é que Trump possa abolir a democracia, mas que os americanos o colocaram em posição de tentar. A falta de liberdade hoje é voluntária. Vem de baixo para cima.”[12]

Os “direitistas” aplicam um monopensar baseado na premissa de outro livro de Orwell, A revolução dos bichos, “Quatro pernas bom, duas pernas ruim” ou seja, comunista ruim; imprensa ruim; presidente bom; falar mal do governo ruim e o oposto bom. A direita se tornou uma monomania, um pensamento xucro, marcado pelos xingamentos contra os comunistas e qualquer opositor do governo.

Já a esquerda, é mais sofisticada, e aplica o duplipensar. Ela não o aplica um 2+2=5 ou verdadeiro é falso, mas ela opera em nome de tudo que é bom, como diz Pondé, são os “do bem” com a “prerrogativa da virtude”, colocando a si mesmos como os paladinos da justiça. A conclusão é óbvia: se eles lutam pelo bem e pela justiça, quem poderá dizer o contrário? Essa pecha, faz com que se engula goela a baixo toda e qualquer contradição ou em bom novilíngua, duplipensar.

Por exemplo, uma obra de arte, um livro, um artista, um político ou qualquer outra coisa, tem seu valor estético ou é aceitável pelo mainstream progressista se a posição política do artista ou político for igual a deles. E qualquer comportamento é aceito, por mais execrável que seja, pelo mesmo motivo. Esse duplipensar orienta/desorienta os julgamentos na mídia, nas artes, na educação,na política e etc… E faz com que todos aqueles que querem estar dentro desse seleto grupo, andarem segundo a cartilha, pois podem ter sérios problemas, mesmo enxergando as contradições. O resultado é que a censura é internalizada, e o pensamento é subjugado e por fim, desaparece. Tudo isso feito sem a ajuda do governo, que não teria tal força.[13]

Pela pressão dos seguidores, e pela força dos patrulheiros sociais, com milhões de seguidores, que tem no Twitter sua expressão máxima. Leva tanto pessoas comuns quanto influenciadores digitais a terem medo de serem “expostos”, “cancelados” ou perder seguidores, se conformaram com o pensamento progressista vigente. Pisar fora da linha pode trazer ainda prejuízos financeiros, como quebra de contratos publicitários ou perda de papeis em séries ou filmes. Os justiceiros sociais da internet agem muito melhor do que a polícia do pensamento poderia agir, pois ninguém quer ficar fora do “lado do bem”.[14]

“Para ver o que está diante do nariz, é preciso uma luta constante” George Orwell.

Winston, depois da tortura e ter traído Julia, é liberto e senta-se em um Café, e na mesa, Winston escreve com o dedo na mesa “2 + 2 = 5”, isso era o sinal de que já não conseguia mais lutar contra o que o partido dizia e passa a aceitar tudo sem críticas. As contradições do partido finalmente conseguiram quebrar o espirito de Winston, não ama mais Julia, nem sua mãe e irmã, porém, quando vê a teletela com a imagem do Big Brother chora de felicidade por finalmente amá-lo.

Mesmo que Winston, aparentemente, tenha perdido a luta por liberdade, sua mensagem chegou a todos nós. Orwell escreveu sua obra movido por um sentimento de urgência, para alertar a sociedade moderna dos danos que os regimes totalitários podem trazer. Essa é a mensagem que 1984 nos deixa sobre os perigos que as democracias correm, essa urgência fez Orwell lutar contra a morte para acabá-lo, o romance foi publicado em junho de 1949, Orwell morre em janeiro de 1950, de complicações de tuberculose.

1984 foi usado como propaganda pelas forças ocidentais na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Depois, houve muitas tentativas de censurar o romance, principalmente porque ele continha material pró-comunista e referências sexuais [15]. 1984 ainda não é compreendido e mostra as últimas palavras de um homem que lutava acima de tudo, pela liberdade e pela fuga dos extremismos.

BIBLIOGRAFIA:

[1] LYNSKEY, Dorian. The Ministry of Truth: The Biography of George Orwell’s 1984

[2] ORWELL, George. LOOKING BACK ON THE SPANISH WAR. Escrito em agosto de 1942, Sections I, II, III, e VII publicado em New Road, Junho de 1943. Em: https://www.orwellfoundation.com/the-orwell-foundation/orwell/essays-and-other-works/in-front-of-your-nose/#:~:text=To%20see%20what%20is%20in,that%20one%20ever%20held%20it.

[3] Texto extraído da introdução de Ben Pimlott à edição de “1984” de 1989

[4] ORWELL,George. 1984, Companhia das Letras, 2009.

[5]Henri Lefebvre, Lógica formal/ Lógica dialética, trad. Carlos N. Coutinho, 1979, p. 192

[6]Address to the 16th Congress of the Russian Communist Party (1930) Quoted in: Alfred B. Evans, Soviet Marxism-Leninism: The Decline of an Ideology p. 39

[7]ORWELL, George. LOOKING BACK ON THE SPANISH WAR.

[8]Texto extraído da introdução de Thomas Pynchon à edição de “1984” de 2003

[9]ORWELL, George. LOOKING BACK ON THE SPANISH WAR.

[10]Ibid

[11]MAGALHÃES, David. Quem tem medo do globalismo?. Em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Soberania-Nacional/Quem-tem-medo-do-globalismo-/46/42467

[12]PACKER, George.Doublethink Is Stronger Than Orwell Imagined -What 1984 means today: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2019/07/1984-george-orwell/590638/

[13]Ibid

[14]Ibid

[15]https://www.gradesaver.com/1984

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2