Adorarás ao Senhor teu Deus: Antídoto para idolatria política.

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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8 min readNov 23, 2021
O culto à razão — Le culte de la Raison — Fête de la Raison. Le décadi 20 Brumaire de l’an 2eme de la République française une et indivisible, la Fête de la Raison a été Célébrée dans la Cidevant église de Notre-Dame.

Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele prestarás culto. (Dt. 6:13)

As várias vezes que Deus, através de seus profetas, manda que seus servos o adorem, pode parecer algum tipo de narcisismo divino, uma necessidade de ser bajulado a todo o instante, mas por trás dessa ordem está a maneira mais poderosa de não adorarmos qualquer outra coisa e, quando isso ocorre, grande é nossa ruina.

Disse certa vez, o polemista católico Chesterton, que “Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer coisa”. Dostoieviski, o grande escritor russo, também constatou que, “há um vazio do tamanho de Deus”. Pascal, o filósofo, disse coisa semelhante, “há no homem um buraco na forma de Deus”, ou seja, somente Deus pode preencher o vazio do ser humano. Agostinho, um dos mais famosos filósofos cristãos, disse: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”.

Essas três constatações, de pensadores cristãos, deixa claro que não existe nenhum vácuo de adoração no coração humano, pois, o coração, a todo instante, busca o que e a quem adorar. Assim, o centro de equilíbrio humano não é seu coração inquieto, seu interior ou seus sentimentos, nem mesmo qualquer outra coisa criada, pois, nenhuma delas, tem a capacidade de preencher a necessidade de adoração e preenchimento da existência. Em suma, o que está posto por todos eles, é que há uma vazio na existência que somente Deus pode preencher. Além disso, há uma bussola, dentro de que cada ser humano, que aponta para essa direção, i.e., para Deus que é o único que pode aquietar esse interior violento.

Foi João Calvino, sob influência agostiniana, que constatou a existência dentro de cada um de nós, de um senso para o divino, o qual ele chamou de sensus divinitatis, o genebrino explica:

existe na mente humana e, na verdade, por instinto natural, algum senso de Divindade [sensus divinitatis], consideramos indiscutível, uma vez que o próprio Deus, para impedir qualquer homem de fingir ignorância, dotou todos os homens com alguma ideia de sua Divindade […]Esta não é uma doutrina que primeiro se aprende na escola, mas uma doutrina segundo a qual cada homem é, desde o ventre, seu próprio mestre; algo que a própria natureza não permite que o indivíduo esqueça.

Todas esses pensadores cristãos, há muito tempo, atestam a impossibilidade de derrubar um Deus, sem por imediatamente outro no lugar. Nietzsche, que não tinha nada de cristão, e tentou derrubar muitos deuses, fez uma brilhante constatação quando afirmou que “há mais ídolos, do que realidades, no mundo”, ou seja, o mundo é repleto de deuses para serem adorados e escravizarem os pobres mortais, entretanto, diante de tamanhas confirmações, o ser humano ainda acha ser possível escapar desse destino. Queria oferecer um dos melhores exemplos, na minha opinião, dessa impossibilidade de deixar de adorar e tentar esvaziar o coração humano de deuses, isso ocorreu na revolução francesa(1789-1799).

Os iluministas e revolucionários, achavam que o grande problema da França e de toda a raça humana, estava na religião, logo, se derrubassem a velha ordem com o Velho Regime, juntamente com sua religião, estariam livres para criar um mundo sem Deus, assim, livre de suas amarrar, prontos para criar um mundo igualitário e de fraternidade entre todos os homens (Liberté, égalité, fraternité). A famosa frase atribuída a Meslier, “A humanidade só será feliz quando o último padre for enforcado com as tripas do último rei”, exemplifica esse ódio pela religião e a ilusão, de que se ela for destruída, daria lugar a um novo mundo.

Entretanto, logo após a revolução ter sido iniciada, um “Culto à Razão” foi estabelecido. A vitória da razão sobre o cristianismo, deveria ficar explicito para todo o mundo, como a nova ordem, que seria seguida pela República Francesa criada. Mas, ao invés dos ideias de igualdade, liberdade e fraternidade, o que foi promovido, foram milhares de mortes e deixou bem claro o fator irracional da revolução.

A razão, como guia da humanidade, a única que deveria ser ouvida, como Rousseau e Kant propunham, agora era adorada. O que se iniciou, logo em 1793, quando Jean-Paul Marat, um dos revolucionários, foi assassinado em 13 de julho e seu coração foi guardado num vaso para ser venerado como se fosse o próprio coração de Jesus! Esse era apenas o inicio dos defensores da razão, sendo irracionais. Aliado a Marat, Chalier e Le Peletier, também mortos no mesmo período, formaram uma nova trindade. O ímpeto religioso continuava, apesar da expulsão da Igreja da França, os corações humanos continuaram a buscar substitutos para seu desejo pelo divino. O que ocorreu depois foi somente a substituição dos heróis pela razão.

Para marcar o âmbito substitutivo da religião pela razão, o lugar escolhido não deixava dúvidas, foi a Catedral de Notre-Dame. Notre-Dame ou Nossa Senhora, foi substituída pela deusa Razão, representada por uma atriz. Louvores à deusa foram entoados, mas a realidade é que estavam adorando a si mesmos. Momoro, que participou ativamente da descristianização e foi um dos principais defensores do Culto da Razão, cedendo sua própria esposa como uma das atrizes que personificaram a razão, explicou: “Liberdade, razão e verdade são apenas seres abstratos. Eles não são deuses, para bem-dizer, eles são parte de nós mesmos”. Em outras palavras, Momoro achava que seu ritual, não era nada mais que uma abstração do Ego humano. A razão era apenas uma desculpa para adorarem ao seu próprio Ego, a velha veneração de seus próprios ventres, cheios de si, estava, agora, somente, repaginada.

Este foi apenas um pequeno exemplo, na história, da tentativa frustrada de substituição de Deus, por qualquer outra coisa, gerando caos, morte e irracionalismo. Tim Keller, em seu livro “dEUSES FALSOS”, diz que o grande problema humano, o pecado, foi substituído, muitas vezes ao longo da história, por qualquer coisa criada, e assim se torna vilão ou o mal, exterior à natureza humana. Isso foi identificado, citando Wolters, como: “o corpo e suas paixões (Platão e grande parte da filosofia grega), cultura em distinção da natureza (Rousseau e Romantismo), autoridade institucional, especialmente no Estado e da família (grande parte da psicologia profunda), a tecnologia e técnicas administrativas (Heidegger e Ellul)”.

Como vimos, o erro do iluminismo, como todos os outros anteriores e que viriam depois, foi acreditar que, destruindo os velhos deuses, o homem daria espaço para a razão, que seria universal e neutra, abandonando todas as praticas antigas religiosas. Mas, o que aconteceu na realidade, foi a adoração da razão e a sua deificação. O ser humano não deixou de adorar, somente trocou o Deus que controlaria seu coração.

Rouanet, que descreveu esses arroubos da revolução francesa, nota que o culto à razão esconde dois males do ocidente: Hiperracionalismo e o irracionalismo,

[V]erificaremos que o culto da razão contém, in nuce, as duas principais patologias do pensamento ocidental: o hiperracionalismo e o irracionalismo. O hiperracionalismo é a razão narcísica, que se julga soberana com relação a seu Outro, em qualquer de suas figuras. O irracionalismo é a razão niilista, que se deixa absorver por seu Outro e desaparece nele. São duas doenças da razão. Ruanet

A razão, sem arreios para controlá-la, se torna a voz do homem sem Deus. Sem Deus, ele tem a si mesmo como parâmetros últimos morais e acaba caindo em um hiperacionalismo, ou seja, preconiza somente a razão, entretanto, somente dar voz à razão, se revela irracional. Em outras palavras, A razão se torna irracional, pois ela não oferece as bases firmes e racionais que promete. No fim, a razão é boa serva, mas nunca é boa senhora, ou pior ainda, deusa. Novamente Rouanet, conclui que:

É por isso que o sincretismo de uma razão que é também uma divindade autoriza duas leituras. Numa, a razão adquire uma importância desmedida: ela é tão poderosa que pode ser comparada a uma deusa. Na outra, o foco é a divindade: ela é tão dominante que anexou ao sagrado a faculdade mais alta do homem. Na primeira leitura, a razão é tão despótica que não aceita nenhum limite; na segunda, é tão humilde que se anula diante do sagrado.

A razão, isolada, se torna despótica, desmedida e por fim, irracional. Nietzsche, me seu Gaia Ciência, faz criticas contundentes àqueles que achavam que bastaria derrubar a crença em Deus, para que automaticamente, a capacidade de crença iria juntamente com ela. isso seria ilusão ou ingenuidade, pois as pessoas preferem “ainda querer o nada a nada querer”. Deste modo, não há como deixar de crer, o que se pode fazer é escolher(as vezes não) qual Deus irá adorar. Isso se encaixa com aquilo que alguns pensadores propõe, uma ideia de natureza humana inerentemente religiosa. Eles denominaram, a espécie humana, como homo religiosus, não se referindo às crenças particulares religiosas das pessoas, “mas se referindo ao nosso impulso existencial em direção à transcendência, liberdade e construção de significado”. Somos seres religiosos, quer lutemos contra isso ou não, continuamos com esse ímpeto para algo além de nós.

Como na época da revolução francesa, hoje vivemos uma espécie de divinificação da política, não mais apoiada na razão divina, mas a irracionalidade é a deusa da vez. Keller, faz apontamentos sobre a idolatria politica atual. Para ele, a politica se tornou um ídolo, a partir do momento que,

o medo torna-se uma das principais características da vida. Se estabelecemos o ídolo no centro da nossa vida sobre o ídolo, nós nos tornaremos dependentes dele. Se nosso deus falso for ameaçado de alguma forma, nossa reação será o pânico total. Não diremos: “Que vergonha, como é difícil”, mas, sim “Este é o fim! Não há esperança!”

O medo se torna a grande arma do ídolo. Ele é nosso senhor e somente a ideia de que ele se vá, já põe todos seus adoradores em pânico. Keller conclui o seu pensamento, fazendo um diagnóstico, do motivo que os EUA, estavam tão polarizados politicamente e podemos traçar paralelos com a situação brasileira:

Essa pode ser a razão por que hoje tanta gente reage às tendências políticas nos EUA [Brasil] de maneira tão extremada. Se um dos dois partidos ganha uma eleição, certa porcentagem do lado perdedor fala claramente em deixar o país. Ficam ansiosos e temerosos em relação ao futuro. Depositaram em seus líderes políticos e na política o tipo de esperança que outrora havia sido depositado em Deus e na obra do evangelho. Quando seus líderes políticos ficam fora do poder, experimentam uma espécie de morte. Acreditam que, se a política deles e o seu pessoal não estiver no poder, tudo ruirá” (deuses Falsos, p. 112–113).

Jesus utilizou-se do versículo de Deuteronômio 6 para enfrentar o Diabo, no deserto. Somente através da devoção a Deus e sua palavra seremos capazes de escapar dessa insanidade política. Por isso, devemos adorar a Deus, de todo coração, alma e entendimento(Mt.22.37), todo nosso ser deve ser envolvido nessa devoção, somente assim, ficaremos livres da idolatria. Sem Ele estamos fadados à andar de ídolo a ídolo; ideologia à ideologia; partido e partido; enfim, de uma lado a outro, em busca de algo que possa preencher o vazio de um coração inquieto.

BIBLIOGRAFIA:

CALVIN, Jean. Institutes of the Christian Religion. US: Westminster/John Knox Press, 1960.

ROUANET, Paulo Sérgio. A deusa razão. Em: https://artepensamento.ims.com.br/item/a-deusa-razao/

HOMO RELIGIOSUS. Em: https://link.springer.com/referenceworkentry/10.1007%2F978-1-4614-6086-2_308

KELLER, Tim. Deuses falsos. São Paulo: Vida Nova, 2019.

NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Escala, 2008.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2