Casamento não foi feito para você ser feliz!

Casamento não é bem aquilo que você anda pensando…

Thiago Holanda Dantas
vanitas
8 min readJul 31, 2019

--

Uma notícia me chamou atenção essa semana, um dos pastores do chamado movimento de pureza sexual norteamericano, Joshua Harris, anunciou sua separação. Harris foi um dos expoentes desse movimento de cultura de pureza, que surgiu nos anos 90 nos EUA e se espalhou pelo mundo. Harris escreveu o livro “Eu disse adeus ao namoro”, com milhões de cópias vendidas. Esse movimento teve grande repercussão também no Brasil com a campanha “Eu escolhi esperar”, também gerando milhões com palestras, livros e eventos. A separação de Harris é uma notícia que choca aqueles que são adeptos e também nos mostra a paranoia evangélica sobre o que acontece na cama e o que se pensa sobre o casamento. Para os defensores de tal ideologia, uma vida de pureza sexual é um passe-livre para um vida de felicidade e bem-estar.

O evangelho vendido por tais grupos, pode ser comparado ao evangelho da prosperidade, só que ao invés de prosperidade financeira, esses grupos dizem aos jovens evangélicos que o verdadeiro amor está à espera. Um resumo desse pensamento é que Deus recompensará a castidade pré-marital com um bom cônjuge cristão, com a oferta de um paraíso na Terra, com uma excelente qualidade de sexo e realização conjugal perpétua. Essa é prosperidade sexual.

É bom frisar que o movimento “Escolhi esperar” tem como missão, “Fortalecer aqueles que escolheram se preservar sexualmente até o casamento e disseminar os princípios eternos nas áreas afetiva e sexual.”[1]. Seu foco é claro, ensinar aos jovens a guardarem-se sexualmente para o matrimônio e ter uma saúde emocional. Entretanto, alguns adeptos ou aqueles que compraram a ideia da pureza sexual, deturparam esse alvo e acabaram transformando uma coisa boa como a preservação da santidade no namoro em uma paranoia. Algum grupos utilizam-se (nem todos são assim) do legalismo. O namoro é usado para controle e exclusão, se os jovens não seguem tais regras são descartados. Não podendo participar das atividades da igreja e etc.

Algumas práticas desses grupos são:

— Relacionamento em corte, ou seja, a abstinência de qualquer contatos físicos durante o namoro;

— Pastores controladores que manipulam seus fiéis para que namorem e se casem com quem eles queiram;

— Supervalorização do sexo, o que gera doenças psicossomáticas, que fazem com que a mulher sinta muita dor no ato sexual(vaginismo) ou que o rapaz não consiga ter uma ereção pela pressão do momento tão esperado e muitos outros problemas dessa ordem.

Aquilo que deveria ser o céu, acaba se tornando o inferno na terra.

Ao invés de aprender a honrar a Deus com seus corpos, para que possam desfrutar de uma sexualidade saudável no casamento. Tais movimentos fazem o oposto e acabam vendendo uma falsa ideia de causa/efeito. Ou seja, se você fizer isso, você receberá aquilo. Sendo assim, se você permanecer virgem agora, então você será abençoado com um casamento feliz e filhos maravilhosos.

Infelizmente, casamento não tem uma fórmula mágica, mas, com tais movimentos e mensagens, jovens que foram enganados com falsas promessas de um casamento feliz, acabam se frustrando e culpando Deus, como se Ele fosse o culpado pelo fracasso no relacionamento e pelo eterno “esperar em Deus”.

O produto dessa paranoia são mulheres sexualmente frustradas por ter que suportar casamentos abusivos, porque essa era sua “recompensa”. Homens tendo de lidar com infidelidade e o divórcio. Solteiros que esperam e esperam, e percebem que talvez a recompensa pela virgindade prolongada nunca chegará.

Esse é o preço por uma falsa expectativa do que seja casamento. Jordan Peterson, psicólogo renomado canadense, pensa algo totalmente diferente do que seja o casamento. Para Peterson casamento é um lugar onde duas pessoas se enxergam como imperfeitas, que tentam ser melhores a cada dia. Esse ambiente deve ser baseado na verdade, pois são dois seres caídos tentando batalhar juntos, apesar de seus traumas e falhas:

O que você faz quando se casa? Você pega alguém que é tão inútil e horrível quanto você, e então se prende a ela. E então você diz: — nós não vamos fugir, não importa o que aconteça … Se você pode fugir, você não pode dizer a verdade um ao outro … Se você tem alguém por perto que não pode fugir, então você pode dizer a verdade. Se você puder sair, não precisa contar a verdade um para o outro. É tão simples quanto isso, porque você pode simplesmente sair. E então você não tem ninguém para dizer a verdade.[2]

O casamento não se torna um reino dourado, onde terei melhor sexo e felicidade até que a morte termine com esse conto de fadas, mas sim, um local onde dois seres humanos caídos podem se ajudar mutualmente a melhorar a cada dia.

A visão de Peterson é que o casamento é uma luta permanente entre dois bons adversários que se fortalecem e ajudam mutualmente à resolver e melhorar suas várias dificuldades e fraquezas pessoais. É uma visão radical de uma visão tradicional.

Isso é bem parecido com o que a bíblia fala sobre o casamento, onde Deus se põe como marido do povo de Israel e depois Cristo também se casa à igreja. Nos dois aspectos, casamento é parecido com um tipo de “escravidão voluntária”. Somente nesse ambiente de “estarem presos um ao outro para sempre”, é onde o amor verdadeiro e a mudança de caráter podem ser revelados. Deus amou o povo de Israel, Cristo ama sua igreja, Paulo utiliza-se da força do laço de Cristo e a igreja para demonstrar quais são os papéis do marido e da mulher no casamento:

Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;
Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.
De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela,
Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra,
Para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.
Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.
Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja;
Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos.
Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne.
Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.
Assim também vós, cada um em particular, ame a sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido. Efésios 5:22–33

Esses versículos revelam quais são os papeis de homens e mulheres no casamento, nenhum deles mencionam felicidade, mas revelam comprometimento e aliança indissolúveis. À mulher cabe uma única ordem: a sujeição, e essa sujeição, não é o mesmo que comumente se pensa que seja:

A submissão de esposas não é como a obediência que os filhos devem aos pais, nem este texto ordena que todas as mulheres se submetam a todos os homens (aos seus próprios maridos, não a todos os maridos!). Ambos os gêneros são igualmente criados à imagem de Deus (Gn 1: 26–28) e herdeiros da vida eterna (Gálatas 3: 28–29). Esta submissão é em deferência à liderança final do marido para a saúde e o trabalho harmonioso do relacionamento matrimonial.[3]

À mulher cabe estar sujeita à liderança do esposo no casamento, para que funcione da melhor maneira possível. Ao homem cabem algumas ordens, na realidade, Paulo escreve três vezes mais sobre o papel masculino que o feminino, pois suas responsabilidades são bem mais difíceis. Ao homem cabe amar(agapé) sua esposa ao ponto de se entregar totalmente à ela, e não é qualquer entrega, é da mesma forma que Cristo fez, ou seja, deu sua própria vida; deve guardá-la, protegê-la e cuidá-la através do ensino e obediência à palavra de Deus, e finalmente, amá-la como seu próprio corpo. E tudo isso, não para que alcancem o paraíso na terra ou o melhor orgasmo e filhos maravilhosos, mas sim, para que ela seja entregue limpa, bela e esplendorosa no grande dia do verdadeiro casamento entre Cristo e a igreja.

O papel do casamento biblicamente se revela um mistério de união entre dois seres diferentes, que através da união sexual, tornam-se um. Esse mistério do casamento Paulo revela como o plano oculto de Deus que se cumpriu em Cristo Jesus (Cf. Ef.1: 9; 3: 3–4, 9; e 6:19), por isso a citação sobre o casamento de Gênesis 2 (em Ef. 5:31). A união do homem a mulher, liga-se ao relacionamento entre Cristo e sua igreja.[4]

O que Paulo faz é interpretar a criação original da união entre marido e mulher, como se ela mesma fosse um modelo da união futura de Cristo com a igreja como seu “corpo” (ver v. 23). Portanto, o casamento desde o início da criação (Gênesis 1) foi criado por Deus para ser um reflexo e padronização da relação de Cristo com a igreja. Assim, os mandamentos de Paulo em relação aos papéis de maridos e esposas não refletem apenas a cultura de seus dias, mas apresentam o ideal de Deus para todos os casamentos em todos os momentos, como exemplificado pela relação entre a noiva de Cristo (a igreja) e o próprio Cristo, o filho de Deus.[5]

O que fica para todos nós é que Casamento não é para que você seja feliz, mas para que ambos possam estar preparados para o verdadeiro casamento. O mistério da união entre homem e mulher no casamento, se dará até o dia em que o verdadeiro noivo buscará sua noiva, ou seja, sua igreja. O casamento terreno é um preparo para a felicidade plena, nas bodas celestiais, por isso, o antigo noivo não entrega sua noiva cuidada com tanto zelo com tristeza, pelo contrário, com a maior das alegrias, pois marido e mulher estarão juntos d’Ele e finalmente serão felizes para sempre.

--

--

Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2