Dom Quixote e nossas lutas contra gigantes imaginários

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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3 min readOct 17, 2021

- O destino vai guiando as nossas coisas melhor do que pudéramos desejar; pois vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta ou pouco mais desaforados gigantes, com os quais penso travar batalha e tirar de todos a vida, com cujos despojos começaremos a enriquecer, pois esta é boa guerra, e é grande serviço de Deus varrer tão má semente da face da terra.

- Que gigantes? — disse Sancho Pança.

- Aqueles que ali vês — respondeu seu amo -, de longos braços, que alguns chegam a tê-los de quase duas léguas.

- Veja vossa mercê — respondeu Sancho — que aqueles que ali aparecem não são gigantes, e sim moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as asas, que, empurradas pelo vento, fazem rodar a pedra do moinho.

ILUSÃO | Miguel de Cervantes

Somos todos Dom Quixotes correndo e batalhando contra moinhos de vento, pensando se tratar de gigantes. Ou talvez, tipos de Davi lutando contra filisteus imaginários, diariamente. Mas não é essa vida? Criar gigantes para ter a honra de contar nossas batalhas aos nossos conhecidos? Nos gabar de ter derrubado gigantes de três metros; monstros voadores, que quase arrancaram nossas cabeças; ou correr atrás de bestas de ferro que, na velocidade do vento, conseguimos montar?

Ninguém precisa saber que ganhamos um argumento contra o chefe, ou matamos uma barata voadora, ou vencemos a luta para correr atrás de um lotação. Qual a graça? Isso que Dom Quixote nos ensina — As batalhas são nossas e a vemos da forma que quisermos, elas podem ser pequenas para qualquer outra pessoa, mas para nós são épicas. Assim, Moinhos viram gigantes intransponíveis e vencê-los se torna uma tarefa árdua. Por isso, Dom Quixote está certo e os gigantes são, na realidade, moinhos de ventos que a todo tempo estão a balançar seus braços tentando nos vencer.

Gigantes existem! Eles são nossas batalhas diárias que lutamos e somos derrotados. Deste modo, Cervantes faz com que enxerguemos Dom Quixote, não como um louco, mas um homem que cria suas próprias lutas e pensa estar vencendo todas elas. Portanto, o conto não se trata de um cavaleiro que perdeu o juízo, investindo contra imensas pás de um moinho achando que são gigantes. Mas, se trata de alguém que criou uma realidade, para dar sentido a suas aparentes lutas sem propósito. Até cria sua donzela, uma prostituta chamada de Dulcineia, para que ele tenha a quem salvar.

Porém, o mais importante é, enquanto achamos que Moinhos de Vento são gigantes, encontrar um Sancho, que nos ouça e nos faça encarar a vida como ela é: Uma eterna luta contra moinhos de vento travestidos de gigantes, cabe a nós enfrentá-los ou não. Por essa razão, os Sanchos de nossas vidas, são tão importantes, pois, nos ajudam a ver que, muitas vezes, nossos gigantes, são meros moinhos e que muitas de nossas batalhas não devem ser lutadas, pois são inúteis. Por isso que, numa terra de gigantes, ter companheiros de batalha que nos acompanhem em nossas lutas (e loucuras) e nos chamem para a vida real é o faz valer a pena enfrentar essa vida cheia de desafios que devemos encarar todos os dias.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2