Estamos perdendo a capacidade de comunicação e seu celular pode ser o culpado.

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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8 min readMay 20, 2022

A comunicação virtual tem se tornado uma característica marcante de nossas interações diárias. Esse novo elemento, o uso da comunicação instantânea, parece estar a nos distrair da interação cara a cara. Atualmente, possuímos a capacidade de nos comunicar com qualquer pessoa no mundo, mesmo as mais distantes. Entretanto, vivemos o paradoxo da falta de comunicação e da perda de intimidade entre pessoas que deveriam ser mais próximas. Como isso pode ocorrer? Por quê, com a evolução da comunicação instantânea, as pessoas não estão se comunicando melhor? Vamos tentar observar, com o auxílio de alguns estudos recentes, como o uso indiscriminado da tecnologia, principalmente as redes sociais, produz efeitos negativos na comunicação, na sociabilidade, na saúde psicológica e na intimidade.

O INÍCIO DO PROBLEMA: PERDA DE COMUNICAÇÃO DE QUALIDADE

Lengacher (2015) realizou uma pesquisa sobre o impacto da tecnologia na comunicação interpessoal e, junto com outros pesquisadores, chegou à conclusão de que o aumento do uso de dispositivos móveis para comunicação virtual (como smartphones) está diminuindo a comunicação presencial e a intimidade. Isso ocorre porque a tecnologia móvel diminui a interação social e a comunicação face a face, pois oferece estimulantes online mais poderosos e que requerem menos habilidades sociais, como interação e sociabilidade pessoal, para produzir resultados semelhantes na opinião dos entrevistados.

Algumas conclusões do estudo demonstram como as redes sociais têm afetado a comunicação face a face. Por exemplo, foi descoberto que quanto menos se usa o Facebook a relação entre extroversão e habilidades sociais empáticas aumentam e o oposto também ocorre, quando mais se usa o aplicativo essas habilidades declinam. Isso pode ocorrer pela substituição de relacionamentos da vida real por relacionamentos virtuais. Outros estudos citados por Lengacher, parecem corroborar com essa conclusão. Os pesquisadores Fortunati, Taiplae, e Luca (2012) chegaram ao resultado de que o uso da internet parece ter um “efeito de deslocamento” nas interações fisicamente próximas. Entretanto, o resultado que é mais relevante para nossos apontamentos acerca da perda da comunicação, se dá por Martha Munoz, o qual descobriu que o uso do computador não oferece as pistas não verbais e ambientais presentes na comunicação face a face. Como resultado disso, perde-se a habilidade social e a interação online é escolhida ao invés da interação presencial. Além disso, ela descobriu que, ao estudar dois grupos de pessoas, o grupo mais propício à comunicação online foi visto com menos habilidades sociais do que os outros favoráveis às interações face a face (Munoz, 2013).

Com esses apontamentos, vemos que pouco a pouco, a habilidade social está se perdendo e com ela, a comunicação com intimidade. Para uma geração cada vez mais temerosa de interações presenciais, parece que a escolha da comunicação mediada por meios eletrônicos tem a (falsa) sensação de controle e intimidade. Outros pesquisadores que entrevistaram alguns jovens, dentre esses, muitos disseram acreditar que o uso do celular aumenta a inclusão social, permitindo que eles permaneçam em contato com os amigos o tempo todo. Sentem-se valorizados e amados quando são contatados eletronicamente. Mas, o que ocorre opostamente é preocupante. Quando não são lembrados virtualmente por seus amigos, a sensação de indiferença é sentida (Fidalgo, Telleria, et al. 2013). Podemos entender que os jovens têm suas identidades atreladas ao mundo virtual e não serem notados pode ter efeitos na sua saúde mental.

Por isso que tweets, postagens e mensagens instantâneas, são escolhidos em detrimento da comunicação presencial, pois, além da facilidade, eles fornecem a falsa segurança de poder parar e pensar antes que uma resposta possa ser dada. Também oferecem a oportunidade de manter uma conversa contínua e não se expor como uma interação presencial seria necessária. Além da capacidade de ocultar a verdade e de utilizar os emoticons para melhorar os significados das frases. Portanto, acreditam possuir todo o material necessário para iniciar e manter uma conversa. Mas esse não é um mundo perfeito, pois o preço a ser pago, mesmo que inconscientemente, é a superficialidade da relação. Uma vez que, a mesma facilidade e velocidade usada para se comunicar, revela a pobreza da interpretação e interação. A má interpretação é um fantasma que assombra a interação virtual. Sarcasmos, ironias, duplo-sentidos, e qualquer nuance na linguagem, são lidos de forma literal perdendo-se toda a construção linguística de milênios, pacientemente evoluídas pela raça humana. No final, você é o que você posta.

Sendo assim, há um preço a ser pago pela velocidade trazida pela tecnologia móvel com a diminuição das habilidades e interações sociais, acarretando problemas para a saúde mental do indivíduo e para a sociedade.

Um exemplo disso é a crise de divórcios. Só em 2021, o segundo ano da pandemia, tivemos 80.573 divórcios no Brasil, número recorde desde 2007, quando os dados começaram a ser levantados. Cada vez mais pessoas resolvem se separar por não terem mais comunicação. Vivem sob o mesmo teto, mas não compartilham a vida. Somente compartilham posts, fotos e uma vida virtual perfeita. Não mencionando os casos de violência doméstica, abusos e tantas outras violências ocorridas dentro de casa. Fora o aumento nos casos de depressão e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) entre crianças e adolescente, como diz Humberto Müller, para a Câmara dos deputados: “4% dos adolescentes brasileiros apresentam sinais depressivos e 1 a cada 4 crianças já apresentou indícios da doença”, dados de 2021.

O PROBLEMA: ESTAMOS PERDENDO A CAPACIDADE DE LER ROSTOS

Como estamos defendendo aqui, e é importante repetir: adolescentes e jovens adultos, obviamente, este fenômeno, está se espalhando para outras faixas etárias, perderam a capacidade de se comunicar e ter intimidade, e isso pode ser devido ao uso indiscriminado das redes sociais e comunicação móvel. Como aponta Newport (2019), um dos motivos é que não há mais tempo para ficar sozinho. Estamos numa “Privação da Solidão”, ou seja, um estado no qual se passa quase zero tempo sozinho com seus próprios pensamentos e livre da entrada de outras mentes. Por essa razão, é preciso de tempo sozinho, sem estar conectado a todo instante, para termos relacionamentos mais saudáveis. Sem esses momentos de solitude, sem a companhia dos próprios pensamentos, como diz Newport, “sua saúde mental sofre drasticamente”. Isso afeta os jovens principalmente, mas toda a sociedade tem sofrido com a perda da “capacidade de processar e compreender suas emoções, refletir sobre quem são e o que realmente importa, construir relacionamentos fortes e até mesmo permitir que seus cérebros tenham tempo para desligar seus circuitos sociais essenciais, que não devem ser usados constantemente”. Ou seja, “os seres humanos precisam se desconectar das redes para se reconectarem à sua humanidade”.

A internet foi o canal para trazer, como denomina o psicólogo Thomas Fuchs(2021), emoções fictícias ou “fantasmas”. Essa interação virtual produz cada vez mais emoções irreais pois elas são “direcionadas não ao outro real, mas a si mesmo”. O problema da comunicação virtual é ter como característica, “a projeção de sentimentos sobre o outro”. Em outras palavras, os usuários acabam por se preocupar com seus próprios sentimentos e como responde a eles, e não com o outro que está se propondo a interagir. Mas, como observa Fuchs, “o que realmente falta é a interafetividade, ou seja, o feedback direto do contato corporificado, baseado em pistas emocionais e gestos expressivos pelos quais nos percebemos empaticamente”. O que Fuchs está dizendo é que não precisamos de mais interações virtuais, mas de interações face a face. Precisamos voltar a observar a face das pessoas e ler as respostas que essas interações pessoais trazem, sem elas nos encontramos em um abismo sentimental, somente recebendo nossos próprios sentimentos refletidos no outro criado e, assim, a comunicação profunda acaba.

Newport diz que o problema não é só o uso das redes sociais, em si, mas a relação entre quanto maior for a interação através das redes sociais, menos tempo dedicado à comunicação offline, que é muito mais valiosa. Isso deixa aqueles que mais utilizam as “mídias sociais muito mais propensos a serem solitários e miseráveis”. Newport também apresenta informações sobre a perda da habilidade para saber identificar sentimentos e emoções e nas interações pessoais. Esse relato é da professora do MIT Sherry Turkle que diz: “estudantes do ensino médio que têm problemas em sentir empatia, pois não têm a prática de ler sinais faciais provenientes do diálogo”. Newport pergunta se “todos esses pequenos tuites, esses pequenos goles de conexão online, não se tornam um grande gole de diálogo real?” A professora Turkle foi direta em sua resposta: “Não. E complementa: “O diálogo cara a cara se desdobra lentamente. Ensina paciência. Atendemos ao tom e às nuances.” Por outro lado: “Quando nos comunicamos por nossos dispositivos digitais, aprendemos hábitos diferentes.”

COMO RETOMAR O DIÁLOGO?

O que fazer para retomar o diálogo? Segundo Newport, devemos saber a diferença entre conversa — a comunicação de largura de banda muito mais rica e mais alta que define encontros no mundo real entre humanos — e conexão — interações de baixa largura de banda que definem nossas vidas sociais online.

Por essa razão, Newport diz que devemos assumir uma filosofia da comunicação centrada no diálogo, que é mais difícil, mas é a única forma de interação que, em certo sentido, vale para manter um relacionamento. Pode ser um encontro cara a cara, pode ser um bate-papo por vídeo ou um telefonema. Sabendo que “tudo o que é textual ou não interativo, basicamente todas as mídias sociais, e-mails, textos e mensagens instantâneas, não conta como diálogo e deve ser categorizado como mera conexão”.

Newport pede, enfaticamente, para evitar clicar no botão “curtir” ou postar comentários nas mídias sociais, em vez disso, deve-se utilizar as mensagens de texto para rápidas interações e manter um horário para conversas mais longas, quando você estiver menos ocupado(a).

Se continuarmos a valorizar somente a comunicação virtual, por sua praticidade, conclui Fuchs que, “a interação online carece da experiência de estranheza e de intimidade crescente. […] Como resultado, a comunicação virtual tende a produzir uma pseudo-intimidade, que os envolvidos evitariam se estivessem em contato direto. O outro tornou-se mera superfície de projeção, produto da minha imaginação, aliás, objeto do meu capricho. Basta apertar um botão e a comunidade virtual desaparece, tão rapidamente quanto foi estabelecida: na verdade, eu nunca estive presente de qualquer modo”. Em outras palavras, se continuarmos nesse mesmo ritmo acabaremos não só destruindo a intimidade, mas o outro e, por fim, a sociedade.

FONTES:

FUCHS, Thomas. In Defense of the Human Being Foundational Questions of an Embodied Anthropology, 2021.

LENGACHER, Lucas. Mobile Technology: Its Effect on Communication and Interpersonal Interaction, 2015.

NEWPORT, Cal. Minimalismo Digital: Para uma vida profunda em um mundo superficial, 2019.

Fonte: Agência Câmara de Notícias e suicidios, depressão, ansiedade que tem assolado todas as esferas da sociedade.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/divorcios-no-brasil-atingem-recorde-com-80573-atos-em-2021#:~:text=O%20ano%20de%202021%2C%20o,s%C3%A9rie%20hist%C3%B3rica%20iniciada%20em%202007.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2