O fim da noticia

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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5 min readSep 5, 2018

Será que resta alguma esperança para a mídia tradicional?

Credito: Shutterstock

N o ano de 2016, pós-verdade foi escolhida como verbete do ano, no dicionario Oxford, o termo foi cunhado nas eleições à presidência da república norte-americana e no brexit, a saída do Reino Unido da união européia. O verbete tem seu significado como: “relacionado a ou denotando circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”[1], ou seja, emoções e opiniões pessoais tem o mesmo peso do fato em si, o importante é o quanto este fato irá ser compartilhado e influenciar a opinião popular. O que se vê a partir disso é uma área cinzenta entre verdade e mentira, fato e fantasia, não sendo possível descrever o que é um acontecimento e apenas invenção.

Esse fenômeno se deu algum tempo antes, na instauração da pós-modernidade, como observado pelo filosofo francês Jean-François Lyotard (1924–1998). Ele descreve o período como aquele no qual todas as grandes narrativas entraram em crise e os indivíduos podem criar as suas próprias, sendo a última grande dessas narrativas o marxismo, que ruiu juntamente com o muro de Berlim, não mais restando uma luta de classes e proletários engajados ansiando pela revolução, mas somente incredulidade e descrença com todo tipo de verdade, “O pós-moderno, enquanto condição da cultura nesta era, caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadiscurso filosófico-metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes.”[2]

Nesse cenário surge a pós-verdade e o descredito dos grandes meios de comunicação pela população em geral, que ganham corpo com a proliferação de fake News, que tanto podem ser noticias falsas ou noticias que não favorecem a narrativa criada. Sheryl Attikison, autora de The Smear (sem tradução no brasil), descreve três pontos que levaram ao descredito dos meios de comunicação em geral[3]:

Primeiramente, a dificuldade de se discernir o que é de fato noticia e opinião pessoal, pois editoriais foram inclusos como fato, não meras opiniões, o que antes era condenado, agora é encorajado,o que dificulta saber o que é a noticia real ou falsa.

Segundo, jornalistas que deveriam tratar a noticia com imparcialidade, pelo menos com o mínimo possível, preferem escolher um lado e atacá-lo.

Tomemos como exemplo, se um entrevistado é da mesma linha ideológica do jornalista, será tratado com todas as justificativas possíveis se por acaso suas opiniões forem exageradas ou ofensivas, entretanto, se o alvo for de outra linha, a qualquer pequena incoerência será atacado com artilharia pesada, para ser denegrido e linchado.

E em último lugar, jornalistas que em favor de uma entrevista exclusiva, submetem-se à pautas pré-aprovadas, a famosa entrevista “chapa branca”.

Onde ganha-se promoção “gratuita” para o entrevistado e fama ao entrevistador. Veremos a seguir um exemplo dessa gratuidade, como o caso recente de manipulação de noticia feito pelo jornalista Lauro Jardim d’O Globo, no caso JBS, que instaurou o caos no Brasil, levando a uma queda acentuada da bolsa de valores. Seu artigo tinha o seguinte titulo: “dono da jbs grava temer dando aval para compra de silencio de cunha”[4]. Essa bomba reverberada no principal telejornal da rede, fez com que os irmãos Batista e alguns outros “felizardos”, lucrassem milhões e quase levou a renuncia do presidente da república Michel Temer[5]. Após a liberação das gravações, viu-se que não era nada do que foi anunciado, restando somente o prejuízo a nação e o estado de insatisfação crescente com a presidência. Casos como esse são tratados como leves equívocos, ou não são nem mencionados, por outro lado, paginas ditas conservadoras, estão sendo derrubadas pelo Facebook por supostos discursos de ódio, disseminação de fake news e outras acusações não provadas.[6]

Infelizmente, esse é o triste cenário do jornalismo atual, grandes jornais que não mais se preocupam com a noticia, o que põe em cheque a isonomia, a busca pelos fatos e a liberdade de expressão que são características do jornalismo, colocando também em perigo a democracia, pois o jornalismo até o inicio do século 19, era tido como o “quarto poder” sendo

…recurso no meio de sociedades democráticas: um órgão responsável por fiscalizar os abusos dos três poderes originais (Legislativo, Executivo e Judiciário). Esse poder, representado pela imprensa, teria como dever denunciar violações dos direitos nos regimes democráticos (…) nos quais as leis são votadas “democraticamente” e os governos são eleitos pelo sufrágio universal.[7]

Um trabalho jornalístico como feito pelo Boston Globe, que expôs os abusos de milhares de crianças por padres da igreja católica norte-americana[8], que ficou famoso após ganhar as telas e o Oscar com o filme Spotlight(2015), esse tipo de matéria investigativa, acaba comprometida pelos jogos de interesse e manipulação de notícias. As verdadeiras informações e o papel de supervisor da democracia pela imprensa estão afetados.

Exemplos como esse de investigação jornalistica tornaram-se raros, pois com o final das metanarrativas,

cada qual é entregue a si mesmo. Desta decomposição dos grandes relatos segue-se o que alguns analisam como a dissolução do vínculo social e a passagem das coletividades sociais ao estado de uma massa composta de átomos individuais[9]

Ou seja, esse descredito da mídia, se dá pela dissolução das grandes histórias que tentavam contar a verdade, restando pequenos relatos particulares que não precisam estar ligados a verdade ou falsidade, pois a realidade está entrelaçada a opinião e a mentira. Restando somente uma guerra de desinformação e acusações de fake news feitas por qualquer sujeito que sentindo-se acusado injustamente a dispara, levando muitos a concordar ou descordar, sendo o importante o quanto será propalado sua versão dos fatos.

A frase de Goebbels, ministro da propaganda nazista, nunca fez tanto sentido “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. A atuação da grande mídia sem a busca dos fatos, cai em ocaso e por isso tenta encontrar de alguma maneira seus dias áureos, entretanto, parece que estão em um horizonte cinza, como a nevoa que encobre fatos e descobre mentiras.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2