O inferno da aprovação dos outros no mundo virtual

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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5 min readMay 30, 2018

Vivemos em um mundo de superexposição, conectados as redes a todo instante, isso coloca-nos diante do dilema, “postar ou não postar”? A todo o momento uma carga de informações invade nossas telas e ao mesmo tempo, criamos conteúdos, emitimos opiniões, tiramos fotos e postamos para que alguém veja o produto de nossa vida, demonstrar o quão bem-sucedidos somos ou quão felizes nossas vidas estão. Ou talvez qualquer momento que seja importante ou não. Uma viagem ou um simples almoço pode virar um grande evento virtual, basta que o outro o aprove para que uma simples refeição seja alçada ao status de um banquete, apenas pelo numero de likes recebidos.

Nesses dias o outro virou o validador da felicidade, aquele no qual busca-se aprovação, não que nunca tenha sido desta maneira, desde crianças queremos a aprovação de nossos pais e amigos para sermos aceitos por eles, a nova questão é que procuramos aprovação de completos estranhos, para que qualquer evento seja bom ou ruim, se por acaso uma reunião com amigos não recebeu muitos likes, ela não foi boa o suficiente, sendo assim, toda a experiência virtual tornou-se uma busca por aceitação de um outro, que pode nem existir, sendo um bot, ou robô, que valida toda a experiência nesse ambiente.

Rene Girard, fala sobre o desejo mimético, ou seja, o desejo será sempre copiado do outro que o aprova ou não, sendo assim, triangular, contendo, nas palavras de Girard, sujeito desejante, o objeto desejado e o modelo-mediador, esse último é o que valida ou não o desejo. Para Girard, nunca desejamos algo por si só, mas necessitamos do modelo, que media, valida e do qual copiamos o desejo, para que esse seja completo.(Girard,2011,p.9–10) seguindo esse conceito, tornamo-nos um bando de crianças que choram por atenção, a cada postagem feita,

Fico espantando que estamos todos no Twitter e Facebook. Por “nós” eu quero dizer adultos. Somos adultos, certo? Mas emocionalmente, nós somos uma cultura de crianças de sete anos de idade. Alguma vez você já teve aquele momento em que você está atualizando seu status e você percebe que cada atualização de status é apenas uma variação de um único pedido: Será que alguém por favor pode me notar?[…] Você posta e você espera. O primeiro “like” aparece. Sim. Todos os comentários são lidos como: “Estamos te vendo, Marc. ” Nós te amamos, Marc “ Nós nos importamos que você está ai, Marc.” Twitter e Facebook são os meus tecno-pais, saciando a criança em mim… Mas eles não estão além de abusar de mim. (Maron,2013,p.161)

Mas quem é o outro, que busco validação? Ele é alguém que realmente merece esse destaque? Sartre diz que o inferno são os outros, sua frase tem o sentido de que o outro é um limitador de liberdade, eu não posso me tornar o outro, não posso saber seus pensamentos, nem saber suas intenções. O outro é um eterno mistério. Entretanto, nesse mundo conectado, o outro não tem espaço para ser o outro, ele é visto a todo instante, não há espaço, nem lacuna, para que o outro seja mistério, pois tudo que era oculto foi agora desvelado, e está exposto a todo instante.

A exposição ao invés de criar transparência, revela um ser nu, sem camadas, apenas uma imagem. Byung-Chul Han chama essa sociedade da transparência, uma sociedade que demanda estar sob os holofotes 24 horas por dia, entretanto essa transparência e proximidade não trazem consigo mais realidade, pois ”a falta de distância não é a proximidade; ao contrario, ela a aniquila. A proximidade é rica de espaço, enquanto que a falta de distância a aniquila.”(Han,2017.p.37), como um quadro que para ser apreciado deve-se tomar distância, pois se tiver muito próximo, o que é visto são um monte de borrões de tinta. Assim são os seres virtuais, que não tem profundidade, nem distanciamento, nem nada a dizer, pois falam a todo instante e estão conectados initerruptamente, é impossível dizer algo de relevante quando se fala a todo o momento, pois não se tem tempo para o vazio, e é nesse vazio onde se cria a profundidade. Han prossegue, falando sobre a necessidade de distanciamento,

”Frente ao pathos da transparência que domina a sociedade atual, seria necessário exercitar o pathos da distância. Vergonha e distancia não podem ser integradas no circulo veloz do capital, da informação e da comunicação, para que não sejam eliminados, em nome da transparência, os lugares de refúgio discretos, tornando-se iluminados e saqueados. Com isso, o mundo se torna mais desavergonhado e desnudo”(Han.p.15)

A instantaneidade do outro e sua exposição, se torna pornográfica, uma relação “desejo-olho”, o que é a conexão sem contato real, amizade sem discussão, conversa sem troca, sexo sem cheiro, um contato estéreo, sem bactérias, quase pasteurizado. O outro se torna não mais um ser humano, mas algoritmos e um validador de opiniões pessoais.

Numa sociedade positiva, onde negativos não são aceitos, tal qual fotos tiradas sem negativos, somente positivo. Assim, uma foto que não revela a realidade, pois não tem data, nem história, mas somente a projeção positiva da vida. Não pode ter nenhum tipo de negatividade para não servir como empecilho para a troca de informações e a revelação da fantasia criada. Como um sorriso amarelo que pode ser photoshopado e virar o mais belo dos sorrisos, mesmo que no instante da foto o sorriso falso revelasse a realidade do momento. O importante foi a impressão passada.

Distância, silêncio e um lugar de refugio, são necessários para sair desse ambiente que nos draga para essa mentalidade de aceitação cega da aprovação do outro, para que a felicidade não seja condicionada pelos likes recebidos, para que não nos percamos no mar de informação é necessário uma bussola para a realidade, como o personagem de Leonardo diCaprio no filme A Origem, que trazia consigo um peão, que ele utilizava para não perder-se no mundo dos sonhos. Quando na dúvida se sonhava ou não, ele o girava, sabendo que no sonho ele girava indefinidamente e na realidade ele parava, também sabia seu peso, tamanho e gravidade. Assim também nós, devemos ter objetos e pessoas reais que nos façam voltar à realidade, pessoas que serão a âncora que não permitira que nos percamos no mar da aceitação alheia.

BIBLIOGRAFIA:

GIRARD, René. Anorexia e desejo mimético. São Paulo: É realizações, 2011

HAN, Byung-Chul. Sociedade da Trânsparencia. Petrópolis: Vozes, 2017

MARON, Marc. Attemping Normal. Nova Iorque:Spiegel&Grau,2013

SARTRE, J.P, Huis Clos. Paris: Gallimard, 1970.

Pintura: Abstract painting — Hell Are The Others — mixed media

Originally published at thiagohdantas.tumblr.com.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2