O rei não está nu! A decadência da arte e da razão contemporânea

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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7 min readSep 25, 2018

A nova roupa da imperador, é um conto infantil de Hans Christian Andersen, Depois de tantos fatos absurdos, que acontecem em nossa sociedade pós-moderna, me veio à lembrança esse conto, Ele começa assim:

Em certa ocasião, o rei queria vestir uma roupa especial,depois de muitos alfaiates tentarem em vão agradar o rei, um dia apareceu uma dupla de tecelões, dizendo que o pano que teciam, era belíssimo e tinha propriedades mágicas, só podia ser visível para quem fosse muito inteligente. O rei achou magnifico a ideia e mandou que fosse feita a roupa.

Após algum tempo, o rei envia o primeiro ministro para ver o andamento da elaboração da roupa e achou excelente, depois o conselheiro e finalmente o rei foi ver o trabalho, nenhum dos três enxergou nada, mas como não queriam ser considerados estúpidos, perder seus empregos e seu prestigio, elogiaram a vestimenta.

A roupa estava pronta! Disseram os farsantes, e o imperador dirigiu-se aos seus aposentos, despiu-se e “vestiu” a suposta roupa. Já prontamente “vestido”, o imperador saiu andando majestosamente em procissão, com toda pompa possível! As pessoas nas ruas ou nas janelas gritavam como essa roupa é maravilhosa!’, ‘Como ele está magnífico!’, ‘Que elegância!’. Ninguém ousava admitir que não conseguia ver roupa alguma. Se alguém falasse o contrario seria um idiota ou talvez perdesse a cabeça.Nenhum outro traje real, havia sido tão elogiado.

Então, num dado momento da procissão, uma criança intrigada exclamou: — Ele está nu! De um sussurro, o comentário espalhou-se com velocidade pela multidão. ‘O imperador está nu!’ Logo todos murmuravam: — Ele está nu! Finalmente, o próprio imperador achou que eles poderiam estar certos. Mas aí pensou. ‘Se eu parar agora, vou estragar a procissão e isso não pode acontecer’. Então ele continuou caminhando, mais altivamente que antes. Quanto aos cortesões, continuaram carregando a cauda do manto que não existia.

O menino foi o profeta do absurdo.Foi o único a constatar que o rei estava nu, sua voz foi destoante, de toda a multidão. Sua crítica fez com que os outros também constatassem a verdade, nua(literalmente) e crua. Dizer que o rei estava nu, só pôde ser dito por aquele que não tinha nenhum compromisso com o sistema e não estava afetado pelo pensamento viciado. O menino não precisava de cargos, de benesses advindas da mão real, nem tão pouco tinha medo de perder a cabeça. Uma criança demonstra ter mais senso critico, do que os intelectuais e a população em geral.

O que vemos hoje na arte moderna e na sociedade, é a constatação do menino, entretanto, a conclusão que se chega é distinta daquela, pois, hoje se enxerga o rei nu, mas se advoga que ele não está, “É um tecido especial, só os iniciados, podem enxergar! A população comum, está longe do nível de abstração requerido para o verdadeiro apreço da arte!”

O rei está nu! Só que há tamanha alienação,que impede que fale-se o contrário,pois a pecha de fascista, retrógrado, reacionário é atribuída a todos que pensam diferente. Uma frase atribuída a Lênin exprime perfeitamente a situação: “Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”. Aliás, Bertrand Russell, influente filósofo inglês do século XX, afirma acerca das praticas marxistas contra seus adversários,

O processo dialético garante que essa pessoa será eliminada no devido tempo, pois o progresso afinal triunfará. Essa é, pois, a razão fundamental para a violenta remoção dos elementos não conformistas. Há aqui uma forte tendência messiânica na filosofia política do Marxismo. (Russell, 2017.p.355)

Um homem nu, sendo tocado por crianças, transforma-se em arte, todos enxergam, mas estão tão comprometidos com suas ideologias, que não criticam, se calam perante a constatação de que o homem está nu! E aqui, podemos aplicar ao momento atual, existem tantas maneiras de enxergar a realidade, que o óbvio, ficou difícil de ser constatado.

Exclamar, Olhem! Tem um homem pelado andando pela cidade! Se transforma em, Olhem! Um homem no seu pleno exercício artístico! Sem nenhuma máscara! Bravo! Bravíssimo!

Camadas e camadas de falsas leituras, arrastam o homem contemporâneo para a irracionalidade. Pensar se torna proibido, o que se deve fazer é perpetuar o mesmo modo de pensamento, por mais ilógico que seja. A arte virou instrumento politico, e não a demonstração da capacidade humana de revelar o belo. Para Platão, o Belo estava firmado na noção de bondade, καλὸς κἀγαθός ( kalos k’agathos), podendo ser traduzido como “bom e belo”, mas uma melhor interpretação seria “bom e nobre”, ou “superior e excelente”, ou mesmo “o melhor que um homem pode ser”. Essa expressão referia-se a um ideal de vida e comportamento que todo grego deveria nutrir para si mesmo, mesmo não atingindo totalmente. Quanto mais elementos desse ideal fossem realizados em um indivíduo, mais completamente humano ele seria e quando menos desses ideais eram cultivados, tinha-se uma vida desumana e sem valor. Esse ideal de beleza e verdade suprema atraí-nos, essa beleza existe sem a interpretação ou interferência humana, ela existe em si mesma.

Esse ideal grego foi-se junto com a arte contemporânea, que tem como obra seminal desse abandono A fonte, mas conhecido como O urinol de Marcel Duchamp, essa obra foi primeiramente rejeitada por não haver ali nenhuma intervenção artista, entretanto, foi essa obra que o fez famoso, sendo somente um urinol comum, branco e esmaltado, comprado numa loja de construção. Porém muitos viram nisso arte. Alguns abordaram a peça sob o ângulo psicanalítico e viam nas formas do urinol uma semelhança com as formas femininas, de modo que induzia o espectador a pensar no membro masculino lançando urina sobre a forma feminina. Sua famosa frase acerca de sua “obra-prima” revela qual era o espirito verdadeiro da obra, uma crítica à loucura da arte contemporânea:

- Joguei o urinol na cara deles como um desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte por sua beleza.Marcel Duchamp

A fonte — Marcel Duchamp (1917)

Como visto acima, Duchamp quis criticar a arte, mas na verdade ele foi louvado por isso. Sua obra somente revelou que a razão ou qualquer noção do belo havia partido e era a irracionalidade da livre interpretação subjetiva da arte que seria o novo padrão. Como ilustração dessa insanidade artística, conta-se a seguinte história do embuste da arte contemporânea e da sua loucura:

Um aluno de arte conceitual viu jogado no lixo um urinol igual àquele que Duchamp sacralizou. Sabendo que seu professor amava Duchamp, removeu o urinol, para presentea-lo ao mestre, fazendo uma apropriação de segundo grau. 0 professor resolveu expor o Duchamp numa instalação. Mas tomou duas providencias. Botou dois textos contraditórios ao lado do urinol. 0 primeiro era uma denunciadora carta de Duchamp ao dadaista Hans Richter, em 1961: Joguei o urinol na cara deles como um desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte por sua beleza estética”. 0 segundo é de um filosofo da estética, George Diekie: “Na verdade, a fonte tem muitas qualidades que podem ser apreciadas — sua deslizante superfície branca, por exemplo. A rigor, tem varias qualidades que se assemelham aquelas de Brancusi e Moore.(Reyes, 1997,p.67)

O belo e a sanidade foram-se juntamente com Deus. Isso afirma Francis Schaeffer, um dos maiores pensadores cristãos do seculo XX, ele faz sua analise da morte da razão atual através de uma linha na história humana, na qual chamou linha do desespero. Essa linha é a passagem da cosmovisão teísta, para o existencialismo puro. À partir dessa divisão, entre razão e fé, o homem vive em desespero perene, pois,

“Que é esse desespero? É a resultante da perda da esperança de uma resposta unificada ao conhecimento e à vida.(…)O homem moderno abandonou totalmente a esperança de unidade e vive em desespero.” Ele prossegue, “ Os racionalistas não descobriram nenhuma espécie de unidade nem qualquer esperança de solução racional. Portanto, verificamos que Foucault leva o pensamento de Rousseau à sua confusão lógica: o polo final em liberdade autônoma é ser doido. Coisa excelente é ser doido, por isso então é ser livre.” (Schaeffer, 2014 p.51–52 ; p.78)

Por não encontrar uma resposta satisfatória através da razão, para o desespero moderno, a loucura surge como única maneira de se obter a liberdade, e isso se expressa também nas artes. Quando o homem retirou Deus da esfera pública e colocou a si próprio, ficou sem norte, o niilismo e a insanidade são seu novo padrão, tornando seu umbigo rei e seu ventre seu único servo.

O homem se encontra agora, na decadência de seus valores morais, éticos e sociais. Tudo virou uma grande falácia para perpetuação do sistema, ou da nudez do rei. Hoje em dia o rei andaria tranquilamente pelas grandes capitais mundiais, seria requisitado, seus artesão seriam celebridades, suas roupas, estariam em todos os grandes desfiles de moda. Talvez até um premio nobel, por sua contribuição a indústria fashion, por seus tecidos serem ecologicamente sustentáveis.

O rei está nu! Tenha coragem para dizer, seja como a criança, sem pressupostos que afetem sua capacidade de enxergar a realidade, e não uma pretensa leitura, pelo viés que seja. Nosso papel é mostrar à sociedade que um homem nu está andando por ai, quando todos constatam que o rei está nu, se livram do medo de criticar, e o que resta ao rei é fugir com a bunda de fora.

Salemi, Joseph, http://pennreview.com/2009/05/kalos-kai-agathos/

Schaeffer, Francis.A morte da razão.2014

Russell, Bertrand. História do pensamento ocidental. 2017

Reyes, Alejandro.Vidas de Rua. 1997

Publicado originalmente no thiagohdantas.tumblr.com, em 29/09/17 reeditado em 25/09/18

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2