Os evangélicos são os pretos do Brasil

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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6 min readMar 15, 2021

DISCLAIMER [OK, antes de começar o texto, vou utilizar minha carta-trunfo(provavelmente você nunca ouviu falar nisso) de ex-morador de favela, mestiço e evangélico. Sim, vou usar meus privilegios na escala identitária para tocar em um assunto bem incômodo.]

O pentecostalismo é a religião do preto, pobre e favelado. Para constatar isso, basta entrar em uma favela ou qualquer periferia do Brasil e nota-se o sem número de pórticos, quase colados uns aos outros, com cartazes feitos-à-mão, descrevendo as mais diversas denominações pentecostais. Além de ser preta e pobre é feminina. Novamente, basta andar pelas comunidades carentes que pode-se notar as “irmãs” em peso com sua biblia na mão, indo em direção às igrejas evangélicas. Para dar números à simples constatação empírica, o Instituto Data Folha, fez uma pesquisa em Dezembro de 2019, para saber qual era a renda, cor e o gênero predominante das religiões brasileiras e, com espanto, constatou-se que “cerca de 50% dos brasileiros são católicos, 31% evangélicos e 10% afirmam não terem religião. As demais porcentagens englobam a influência do espiritismo, opção de 3% dos entrevistados, e as crenças em religiões de matriz africana, como a umbanda.” Além disso, “ 58% dos evangélicos são mulheres, entre as quais 43% se identificam como pardas e 16% como pretas.” A socióloga Maria das Dores Campos Machado em entrevista à IHU On-Line. diz que: “já assinalavam a grande atração das igrejas pentecostais junto aos segmentos sociais vulneráveis e vivendo nas periferias das grandes cidades”,

Ou seja, somos mais pretos do que as religiões afro. A fé evangélica é a a fé dos pretos, pardos, pobres e das mulheres, essa constatação causa incomodo para elites acadêmicas e católicas, em sua maioria que, achando que sua teologia da libertação, talhada por intelectuais progressistas, pudesse ser abraçada pelo pobres do Brasil. Isso nunca aconteceu e nem acontecerá, como dito por Luis Felipe Pondé, “Os ricos escolheram a teologia da libertação, enquanto os pobres optaram pelo neopentecostalismo.”

Bruna Frascolla, em seu texto, “O velho Brasil e o preconceito contra os crentes”, diz que de “acordo com a propaganda progressista, os evangélicos são misóginos e homofóbicos por contrariarem os “direitos reprodutivos” (a descriminalização do aborto) e o casamento gay.” Entretanto, “os católicos e os espíritas também militam contra o aborto, mas só os evangélicos são pintados como campeões da misoginia.” Para ela, o motivo disso é o preconceito da elite letrada e católica que não possuía em seu horizonte antigo os evangélicos, que seriam somente pobres e analfabetos. Ela, como de família tradicional letrada e católica, continua, “Um preconceito que todo mundo do meu nicho cultural deveria admitir que tem, ou já teve, é o preconceito contra crente. Se não nos questionarmos, evangélico será sempre o pobre ignorante, a faxineira, o gari, o porteiro”. Quem faz observação similar é Tiago Cavaco, pastor e escritor português, referindo-se a realidade do evangélico em Portugal. Em suas palavras, a fé evangélica é vista “como a religião dos brasileiros, das empregadas domésticas e dos trafulhas para sacar dízimos”. De fato, essa mesma realidade pode ser transportada para o Brasil, com as nossas elites, de maioria de esquerda, universitária e de berço católico, mesmo que não-praticante. Para essa elite, a fé evangélica pentecostal é coisa de porteiro e empregada domestica. Ninguém sofisticado pode abraçar uma fé tão dada a extremos corporais de dança e línguas incompreensíveis. Somente gentinha baixa intelectualmente pode ter alguma empatia por tal religião.

Victor Araújo, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), em sua tese de doutorado em Ciência Política, defendida na USP, entitulada:“A religião distrai os pobres?”, diz que quando pensou em escrever sua tese, tinha por objetivo entender “por que os mais pobres não votam, ou votam menos frequentemente do que se esperaria, em partidos e candidatos que têm como proposta criar e executar políticas de redistribuição, como o Bolsa Família ou o Programa Luz para Todos.” Ele diz, em uma frase emblemática, que revela o descolamento da academia e da esquerda em geral, que: “Não é que os pobres sejam irracionais ou não queiram votar por redistribuição, é que parte deles ranqueia a dimensão moral acima da questão da renda”.

A constatação de Araújo, esconde o preconceito contra os evangélicos em geral, pois, a elite pensante acha ser algo totalmente irracional, os pobres não quererem ser guiados por essa elite de ungidos,(termo de Thomas Sowell, que diz que os progressistas atuais, creem ser algum tipo de ungidos que tem o poder e a sabedoria para guiar os seres humanos a uma época de paz e prosperidade), que cuidaria deles, através de bolsas-família e distribuição material. Assim, a constatação se revela assombrosa para os USPianos, que veem suas análises através das lentes caquéticas da luta de classes, que como um passe de mágica, bastaria colocarem-se como paternalistas e sanarem as questões sociais que, automaticamente, os pobres evangélicos viriam como ovelhas atrás de seu pastor, para serem guiados para uma nova Éden alcançada pela luta de classes. Os conceitos para análise do fenômeno religioso também são preconceituosas, pois se utilizam, muitas vezes, das lentes metodológicas de Marx e Freud, ou seja, a religião como ópio do povo ou como um ilusão, que projeta um pai nos céus que alivia o abandono humano. Deste modo, o pensar a religião para o pobre é em si absurdo, pois eles, os ungidos evoluídos, dentro de suas salas e departamentos de estudos da religião, deverão libertá-los de sua alienação e ilusão. Entretanto, saber que Macedos e Malafaias da vida têm maior influência do que suas teses de gabinete, deve ser, de fato, frustrante. Deste modo, falham quando analisam esse fenômeno, pois têm todas essas dificuldades metodológicas e ainda carregam o preconceito contra o evangélico pentecostal. Sendo assim, quando um evangélico vota em alguém de direita, que é abominável para essas elites, ou que não tem em seus programas de governo a distribuição de renda, revela-se algo absurdo. Esse descolamento da realidade faz com que suas análises sejam sempre enviesadas, pois as coisas não são, assim, tão simples. Vemos tal assombro, quando a matéria do jornal da USP, que analisa os resultados de Araújo, prossegue com seus espantos, dizendo:

esse comportamento é um paradoxo. Isso porque trata-se de uma população mais pobre — 75% ganha menos de dois salários mínimos -, menos escolarizada, com menos acesso à informação e que está concentrada nas áreas periféricas das grandes cidades, onde essas igrejas estão presentes em maior número. Apesar da baixa renda, e mesmo que sejam beneficiados por políticas de redistribuição, as pautas calcadas nas questões morais se sobrepõem à renda na hora do voto, aponta o pesquisador.

Eles, de fato, não entendem os evangélicos. As pautas sociais somente serão ouvidas se as pautas morais forem respeitadas. Não adianta, como feito por Haddad e Manuela D’ávila com sua visita de última hora à missa, ou o caso do PSOL em um post para rede social, convoca os evangélicos para se juntar a sua luta por justiça social e tolerância. Obviamente, só atrairá evangélicos progressistas, que tem voz muito pouco ouvida dentro do movimento, ou por último, o candidato à prefeitura de São Paulo, do mesmo partido, que convoca evangélicos, não para ouvi-los, mas para ensiná-los em suas próprias pautas.

Os acadêmicos e progressistas, não querem escutar os evangélicos e não respeitam suas pautas. O fenômeno Bolsonaro é fruto dessa dificuldade de entender os evangélicos pelo o que são, e não vistos através de lentes teóricas que não conseguem entender esse movimento. Ele soube aproveitar desse vácuo e agora estamos sofrendo por isso. Frascolla termina seus argumentos dizendo que:

Depois, quando aparecem juízes e procuradores evangélicos que não estão nem aí para o que a USP pensa, o letrado fica boquiaberto, não entende nada, e pensa que há uma conspiração maligna de forças ocultas tramando contra a ordem e os valores estabelecidos. O crente é sempre o outro; um estranho temível, quando não se apresenta sob a forma humilde de faxineira e porteiro. Por essas e outras, tantos letrados ficam genuinamente desesperados com Bolsonaro — um católico não-praticante, sincrético com os crentes, hostil aos letrados. Ele é o signo de um Brasil incompreensível e assustador, onde as elites e os valores não são mais os mesmos, e onde a ascensão anárquica dos antigos plebeus deixa os nobres d’antanho temendo o futuro.

Os evangélicos são um espanto para essas elites e quem souber escutá-los, com suas pautas morais, como a proibição do aborto, do consumo e venda de drogas e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essas pautas são centrais para os evangélicos e fundamentais para pentecostais. Os partidos de esquerda terão que saber dialogar, pois, dentro em pouco, os evangélicos serão maioria no País e ficará cada vez mais difícil entender esse povo barulhento.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2