Pensamento extemporâneo sobre a brevidade da vida

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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4 min readMar 24, 2020

Para mim o viver é cristo e o morrer é lucro(fp.1.21)

Essa afirmação só pode ser feita quando se está consciente da brevidade da vida. O apostolo Paulo não escreveu essas palavras dentro do conforto de um palácio ou em plena saúde, mas, em uma cela, doente, sabendo que seu fim estava próximo. Sem essa noção da mortalidade,perdemos a ideia que as coisas tem valores diferente e tudo passa a ser de igual importância. Por exemplo, se sabemos que perderemos nossos pais, daremos mais valor a eles do que uma viagem que pode ser realizada a qualquer outro momento ou a escassez que nos faz escolher entre um quilo de feijão e uma barra de chocolate. É esse senso de que as coisas terão um fim, ou seja, é o porquê de sabermos que tudo perece, inclusive nós mesmos, que faz com que possamos ponderar acerca das coisas importantes da vida.

Entretanto, a maioria de nós não acha que irá morrer, mesmo que saibamos de tal fato. O livro de Genesis, conta que uma serpente enganou nossos pais Adão e Eva com uma bela trama. A Serpente era o mais sagaz dos animais (Gn.3.1), e por isso, ludibria Eva, com a dupla oferta: a imortalidade e o pleno conhecimento (Gn.3.4–6). Eva caiu, Adão foi atrás e nós caímos no mesmo engano. A proposta de “ser como deus”(Gn.3.5) é recontada e aceita por cada filho de Adão que nasce e cada vez é enredado, assim, se esquece que é “pó” e ao pó voltará(Gn.3.19). Esse falso sentimento de imortalidade e conhecimento, faz com que, uma busca pela eternidade através da ciência e do progresso humano tente ser encontrada, entretanto, a cada vez que um ser humano parte dessa terra, nos coloca espantados com a finitude. É bem verdade que Deus nos fez “um pouco menor do que os anjos e nos coroou de glória e de honra.”(Sl.8.5) e o salmista também afirma que somos deuses(Sl.82.6), mas a conclusão lógica da imortalidade se desfaz, com o seguimento que diz:“ Todavia morrereis como homens, e caireis como qualquer dos príncipes.(Sl.82:7)”. No Eclesiastes diz ainda que “Deus colocou no coração do homem a eternidade”(Ec.3.11). Que sina maldita! Somos deuses que morrem e eternos com corpos mortais! A proposta da serpente nos lançou nesse andar trágico, condenados a viver o paradoxo de imortalidade-mortal. O grito de revolta de Paulo também é nosso: “miserável homem que sou, quem me livrará desse corpo mortal?”(Rm.7.24) Mas o que fazer diante disso?

O filosofo espanhol, Miguel de Unamuno, chama a experiência humana de Sentimento trágico, por causa desse problema sem solução: Queremos prolongar a existência real de carne e osso indefinidamente. Ninguém quer não-ser. Todos querem viver do exato modo que são. Porém, a razão diz que viver eternamente é impossível, e os sentimentos dizem o contrário. Assim, as pessoas ficam presas em um impasse entre a razão, que diz que todas as coisas devem morrer e a paixão, que anseia por viver para sempre. O impasse é trágico porque não tem solução. Assim coloca Unamuno:

E querem enganar-nos com o engano dos enganos. e dizer-nos que nada se perde, que tudo se transforma, muda e evolui, que a menor parcela de matéria não se aniquila, nem se desperdiça a menor quantidade de força: e há quem pretende consolar-nos com isso! Pobre consolação! Não curo nem da minha matéria nem da minha força, porquanto elas não me pertencem senão na medida em que me pertenço, como quem diz, na medida em que sou etemo. Aquilo que a que eu aspiro não é submergir-me no grande todo, na Matéria, ou na Força, infinitas e eternas, ou em Deus. Aquilo a que eu aspiro não é ser possuído por Deus, mas possuí-lo, a fazer-me Deus, sem deixar de ser o eu que vos digo neste momento.(2007.p.45)

Para Unamuno, “o sentimento trágico da vida é um sentimento de fome de Deus” (UNAMUNO, 1996, p. 162–163), a caminhada humana sobre a terra, é uma caminhada para ser divino, mas que esbarra na mortalidade. Que cruel engano nos metemos, ao ouvir a serpente, achávamos que pelo conhecimento seríamos deuses,porém, nada disso aconteceu, só o desejo de ser divino que foi escancarado e cresceu ainda mais. Deus nos fez alma vivente(Gn.2.7), ou na tradução literal de nephesh(נֶ֫פֶשׁ), garganta vivente, e essa garganta faminta só pode ser saciada por Deus! Como coloca C.S Lewis: “devemos nos lembrar de que a alma é apenas um vazio que Deus preenche”(LEWIS,2009,p.169), é esse vazio preenchido por Deus que anelamos, por isso, não adianta continuar nos enganando com o canto da serpente, sua proposta é falsa, pois dá a impressão de podermos ser divinos por nossa própria vontade e conhecimento, mas não, continuamos pó, condenados à morte. Somente aquele que pisaria a serpente(Gn.3.15), o novo Adão, aquele que venceu a morte, é o único que pode nos livrar desse destino trágico. É Ele que nos dá a verdadeira vida, e é o qual o Ap.Paulo deposita sua existência nessa vida e na outra, por isso pode afirmar: viver é Cristo! Morrer é Lucro!

BIBLIOGRAFIA:

UNAMUNO, Miguel.Do sentimento trágico da vida. Trad. Cruz Malpique. Lisboa: Relógio d´Água, 2007.

UNAMUNO, Miguel.Do sentimento trágico da vida. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LEWIS,C.S. O problema do sofrimento.Trad. Alipio de Franca Neto.São Paulo: Vida, 2009

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2