Samba, alegria e carnaval: O ópio do Brasil

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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3 min readMar 26, 2021

Um desabafo diante da peste

Desfile do Cacique de Ramos, na Avenida Rio Branco, no carnaval de 1987 | Foto de arquivo/Agência O GLOBO

…A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira…( A felicidade |Jobim e De Moraes)

A maior droga consumida pela brasileiro, não é ilícita, não pense em cocaína, maconha ou crack. Ela é vendida em cada esquina, abertamente. Nossa droga é a alegria desmedida, um otimismo, num certo sentido, trágico, dionisíaco, que faz-nos embebedar de alegria, mesmos nos piores momentos de nossas vidas.

O Brasileiro morre por suas ilusões, somos utópicos por natureza. Não temos um passado a nos atormentar que possa ser levando em conta, somos sempre o país do futuro, um sempre vir-à-ser, sem início ou fim. Somos um eterno projeto de país.

O carnaval exemplifica nossa existência. Basta termos quatro dias de rei ou de rainha, celebrado na avenida, para que todo sacrificio do ano tenha sido válido. Panis et cervisiae é nosso lema. Basta samba, cerveja e final de semana, para que toda luta, dentro de um ônibus ou trem lotado, tenha valido à pena. Temos um espírito de Sísifo que está sempre carregando pedras para cima do morro, sem propósito algum, pois elas sempre caem em nossas cabeças. Camus diz de Sísifo, que é possível vê-lo feliz. Sim, Sísifo é feliz, mas não está na Grécia, ele habita nas ruas do Rio ou de Salvador. Alegrando-se na tragicidade da existência. Bebendo sua amargura e tristeza, até o sol raiar.

Você deve perguntar o porque da minha amargura. Não é amargura, é constatação. Sou eu, eu sou assim. Sou brasileiro e essa esperança trágica corre em minhas veias. A esperança de dias melhores que faz-nos encarar mais um dia, apesar dos corpos que pilham cada vez mais e mais. Ser irremediavelmente otimista é o mal brasileiro, como cantam os Paralamas, temos “a arte de viver da fé”, porém, “não se sabe fé em que”.

Quantas Marias estão nesse Brasil com uma “estranha mania de ter fé na vida”? Marias que choram por seus filhos mortos. Mas que força é essa, de Marias e Josés, que está para além das circunstâncias, que maqueia a realidade? Essa é a esperança trágica, que faz acreditar em dias melhores apesar de estar tudo ruim ao redor. No final, nossa alegria é nosso ópio

Até o carnaval se foi esse ano, essa única alegria brasileira nos foi roubada pela peste. Agora, o que nos falta para abandonarmos a ilusão do carnaval e abraçar as cinzas da quarta-feira? É do cinza, do luto, da dor e do sofrimento, que precisamos, nesse momento, para transformar nossa realidade.

Termino, com os versos de Gil, adulterados e misturados com os salmos, que tem a única mensagem que confio e de onde parte a força que resta…

…Andá com fé eu vou Que a fé não[…] faiá…

Olho para os montes
E pergunto
De onde virá o meu socorro? O meu socorro vem
do Senhor que fez os Céus e a Terra.(sl.121.1–2)

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2