Somos feitos de pó de estrelas

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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8 min readDec 7, 2019

Pensamentos sobre fé e ciência no episódio “Moondust”do seriado “The Crown”

— Contém spoilers —

: Buzz Aldrin caminha sob a lua, 30 de Julho, 1969 | Credito:Wikimedia Commons

“Somos feitos de pó de estrelas”, frase famosa de Carl Sagan em um episódio de seu programa Cosmos. Ela ficou famosa por resumir o fato de que os átomos de carbono, nitrogênio e oxigênio em nosso corpo, assim como os átomos de todos os outros elementos, são os mesmos elementos das estrelas, criadas há mais de 4,5 bilhões de anos atrás.Tudo é feito de pó de estrelas. Essa constatação de que somos somente pó e nada mais é o tema desse episódio que gira em torno do primeiro voo lunar e da crise de meia idade (e de fé), do Principe Phillip.

Principe Philip | Imagem: Netflix

O ano é 1969 e a familia real está assistindo ao lançamento da Apollo 11 e subsequente pouso na lua. O Principe Philip(Tobias Menzies) é o mais empolgado com o acontecimento e fica obcecado pelas façanhas de Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins, por isso, passa horas a fio assistindo TV, o que provoca um descontentamento com sua própria vida.

Depois de voltar de um compromisso oficial, Philip assume o controle do avião que o levava de volta para casa e tenta, como uma criança, alcançar a lua, colocando a si mesmo e seu co-piloto em perigo. O descontentamento cresce cada vez mais dentro de Phillip.

Enquanto isso, chega um novo bispo interno do Castelo de Windsor, o Decano Robin Woods (Tim McMullan), chega com planos de criar uma academia religiosa para “crescimento pessoal e espiritual”, ele deseja tratar de bispos com cansaço e crises de fé. Essa proposta é tratada com desdem por Phillip, mas mesmo assim, aceita um convite para participar da primeira reunião.

Um dos pastores começa falando sobre o grande avanço da ciência “Quanto maiores as conquistas da ciência, mais mistérios são explicados, mais perguntas são respondidas, menor a necessidade de um deus fornecer respostas.”

Woods interrompe dizendo:

-Eu lembro de Keats.
“O que há em ti, lua, para mover meu coração com tanta força?” Agora sabemos.

-O que é a lua.
-Nada.
-Apenas poeira.

Dessa afirmação que no céu não há nada alem de pó. A ciência desmistificou e matou os deuses e o que restou foi pó de estrelas. No desencantamento do mundo, não sobrou muita coisa. Por isso, Woods prossegue mostrando a pequenez da ciência em revelar o que há por trás dessa imensidão de vazio:

-Não vemos Deus por trás dessas rochas e poeira espacial, simplesmente uma vastidão desconhecida.
“ Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; que é o homem para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites?(Sl.8.3–4)

O que a ciência pode observar é somente o que os olhos podem ver e até onde suas teorias alcançam. Ela é empírica, precisa de experimentos que comprovem suas teorias, sendo assim, não há Deus lá fora, só espaço, nada além disso. Por isso, tudo que é meta-físico, fora do mundo material não-comprovável, deve ser descartado e jogado para fora da vida humana.

O Decano Woods pergunta ao grupo se alguém gostaria de acrescentar algo, Phillip resolve então falar:

-Vou te dizer o que penso.
-Nunca ouvi tanta bobagem pretensiosa e tamanha pena de si mesmo.
-O que você precisa fazer é levantar a bunda, sair para o mundo e fazer alguma -coisa!
-É por isso que vocês estão tão perdidos.
-Eu acredito que há um imperativo dentro do homem, todos os homens, para deixar uma marca.
-Ação é o que nos define.
-Ação, não sofrimento.
-Todo esse sentar, pensar e conversar. Deixe-me perguntar uma coisa.
-Você acha que esses astronautas lá em cima são catatônicos como vocês? -Claro que não.
-Eles estão muito ocupados alcançando algo espetacular.
-E, como resultado, eles estão em harmonia com o mundo.
-Um com o seu Deus.
-E felizes.
-Esse é o meu conselho.
-Modelem-se em homens de ação, como Armstrong, Aldrin, Collins.
-Quero dizer, esses homens marcaram um “golaço”.
-Eles têm as respostas.

Principe Philip | Imagem: Netflix
Principe Philip | Imagem: Netflix

Phillip lembra algo de Nietzsche, da mesma forma que o Duque de Edimburgo, Nietzsche entende que homens de verdade são homens como Napoleão, César e Alexandre. Homens de ação, que estão acima do bem e do mal, fazendo seus caminhos, guiados pela vontade de potência, não sujeitos a ressentimentos e inércias. Não são pastores de meia-idade com crises existenciais, que achavam que conversando sobre fé e suas irrealizações fariam algo para aliviar sua crise. Ele precisava de homens de ação, os homens que foram à lua.

Passados alguns meses após a histórica viagem à lua, os astronautas americanos visitam o Palácio de Buckingham, e seu maior fã solicita uma audiência privada. Phillip acredita que encontrará deuses que venceram o espaço e conquistaram o espaço! Ele está nervoso com o encontro e lhe é disponível apenas 15 minutos para ter todas as respostas sobre o sentido da vida.

Ele esperava falar com gigantes sábios, porém, a realidade, é claro, é surpreendentemente comum. Os astronautas respondem as perguntas de Philip sobre o significado da vida, com somente os protocolos e procedimento feitos no espaço. Ao invés de profundidade e sabedoria, eles riem de uma piada boba. Ao invés de terem os segredos da ciência e da imortalidade, eles estão resfriados. Pior de tudo, quando Philip abre para eles fazerem perguntas sobre a vida no palacio, elas são tão superficiais quanto as de um adolescente.

Philip descobre que esses “deuses gigantes” são apenas “três homenzinhos” que estavam apenas fazendo seu trabalho. “Não havia muito tempo para [pensamentos sobre o significado da vida]”, informam os astronautas.

O Principe faz perguntas que os jovens astronautas não podem responder. Eles não podem dar a ele um propósito. Eles não podem dizer a ele se existe um Deus. Eles não podem falar da questão do destino humano. Eles não são filósofos ou sacerdotes, mas apenas homens que faziam suas obrigações. Não eram deuses, apenas homens, nada além disso, tão pequenos como qualquer outro.

Com seus falsos ídolos expostos, o pródigo Philip volta à Academia, humilhado diante de Woods e dos outros pastores, resolve se desculpar e abrir seu coração:

-Minha mãe morreu recentemente.
-Ela viu que algo estava errado.
-É uma boa palavra isso.
-Uma falta.
-Ela viu que algo estava faltando em seu filho mais novo.
-O único filho dela.
-Fé.
-“Como está sua fé?” ela me perguntou.
-Estou aqui para admitir que perdi.
-E sem fé, o que há? A solidão, o vazio e o anticlímax de percorrer todo o caminho até a lua para não encontrar nada, só a desolação assombrosa da escuridão fantasmagórica do silêncio.
-É isso que é falta de fé.
-Ao contrário de encontrar maravilha, êxtase, o milagre da criação divina, o desígnio e o propósito de Deus.
-O que estou tentando dizer? Estou tentando dizer que a solução para nossos problemas, acho, não está na engenhosidade do foguete, nem na ciência, nem na tecnologia, nem na bravura.
-Não, a resposta está aqui.
-Ou aqui, ou onde quer que esteja essa fé.

Philip personifica a caminhada da humanidade nos últimos séculos, que deixou para trás toda a fé em Deus, pela fé na ciência. Na esperança de encontrar o sentido da vida no raio de foguete, constatou que não há nada para além das lentes dos telescópios. Modificando as palavras de Nietzsche, olharam muito tempo para o abismo e o abismo os olhou de volta. Observando o abismo,o espaço, a solidão da “bola azul” só o nada foi descoberto. A caminhada da ciência por respostas, trazem cada vez novas perguntas. Ao invés de alívio e sentido, trazem mais desespero e inquietação ao homem, revelando que suas novas descobertas não trarão a paz ou o preenchimento do vazio que o homem tanto busca.

“No desapontamento a esperança nasce” e Philip encontrou a fé perdida quando pede socorro: “ -Agora me encontro cheio de respeito e admiração, e nenhuma pequena parte de desespero quando venho pedir ajuda. Me Ajude.”

Moondust é um dos episódios mais belos de uma série que coloca a fé como uns dos elementos chave na vida da rainha Elizabeth e nem tanto na vida do Principe Philip. Ele sempre está lutando contra o tédio de ser segundo lugar e ocupar uma posição de coadjuvante, mas nesse episodio, depois da morte de sua mãe, que tinha uma fé muito grande, parece que Philip se encontrou com sua fé, que não está firmada na lua, nem nos astronautas, mas sim nos céus e em Deus.

Alguns fatos interessantes(e reais)sobre esse episódio:

  • O príncipe Philip ganha a fé e um amigo. Ele e o decano Robin Woods tornaram-se amigos ao longo da vida. Por mais de 50 anos, a St. George’s House é um centro para a exploração da fé e da filosofia (a casa que o decano pediu no início do episódio) . Seu sucesso é uma das realizações de que o príncipe Philip tem mais orgulho.
  • A fé dos astronautas não é abordada no episódio, porém, aconteceu algo interessante no espaço. O astronauta Buzz Audrin, que não foi o primeiro homem a pisar na lua, mas foi o primeiro a tomar a ceia do Senhor no espaço. O astronauta era presbítero da Igreja Presbiteriana Webster e, antes de viajar para o espaço em 1969, obteve permissão especial para levar pão e vinho, e realizar a ceia na espaçonave.
  • O texto bíblico de Salmos 8, que no episódio é dito pelo decano Woods, era o texto planejado por Aldrin para falar em cadeia nacional, mas por causa da ativista ateia Madalyn Murray O’Hair, que havia condenado indiretamente o culto de ceia no espaço, foi cancelado. Algo parecido já havia acontecido, quando alguns meses antes, os astronautas da Apollo 8 leram o Livro do Gênesis durante uma transmissão feita no dia de Natal de 1968, quando se tornaram os primeiros seres humanos a orbitar a lua. Mais detalhes sobre essa história fascinante: https://www.history.com/news/buzz-aldrin-communion-apollo-11-nasa
A sacola e o cálice da ceia usados por Buzz Aldrin durante sua celebração lunar. | Credito: David Frohman, Presidente do Peachstate Historical Consulting, Inc.

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2