Um Limite entre Nós — Uma resenha filosófica

Thiago Holanda Dantas
vanitas
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6 min readJul 11, 2019

Será que a vida se baseia em tentativas de impor limites à quem amamos?

Fences(2016),titulo original, que pode ser traduzido como cercas, é uma peça que foi adaptada como filme estrelado e dirigido por Denzel Washington, sendo sua terceira aventura por trás das câmeras depois de Aprendendo a viver (2002) e O grande debate (2007).

Washington é o protagonista Troy Maxton, casado com Rose(Viola Davis), ganhadora do Oscar por esse papel(na minha concepção a protagonista); seu melhor amigo, Bono ( Stephen Henderson), Gabriel(Mykelti Williamson) seu irmão, um soldado que foi ferido na cabeça em combate, deixando-o mentalmente debilitado, seus filhos, Cory (Jovan Adepo) e Lyons (Russell Hornsby). Cory é o filho do casal e Lyons o filho de seu relacionamento anterior. Essas são as personagens do filme.

A película é ambientada na década de 1950 em Pittsburg, EUA. Troy Maxson, um coletor de lixo de Pittsburgh que se esforça todos os dias para cuidar de sua esposa e seu filho Cory. Lyons o outro filho, um saxofonista sem sucesso, que sempre aparece na casa de Troy a cada pagamento. Bono é o companheiro da vida e do caminhão de lixo, e por último Gabriel, seu irmão, que como dito antes, foi ferido na guerra e agora vive seus dias afugentando os “cães do inferno” de sua imaginação com sua corneta.

O filme se passa praticamente no quintal da casa e seu enredo tem na cerca que Rose pede para que Troy construa junto com o filho a metáfora que conduz o filme. Nesse cenário que a peça-filme se desenrola e seus diálogos poderosos são encenados. Troy além de coletor de lixo, é um ex-jogador de beisebol, frustrado por não ter tido sucesso na carreira e atribui isso por ser negro. Essa estigma é carregado por ele e acaba transferindo isso ao seu filho que sonha em ser um jogador de futebol americano. Troy não permite que o filho busque o seu sonho, por não acreditar em sonhos, mas sim no pragmatismo da vida e de suas dificuldades, Troy fala ao seu filho depois de questionado se ele o amava:

— Gostar de você?. Eu saio toda manhã, eu ralo minha bunda porque eu gosto de você. Você é o maior idiota que já vi. Um homem deve cuidar de sua família, você mora em minha casa, enche sua barriga com a minha comida, coloca suas costas na minha cama, porque você é meu filho. É meu dever cuidar de você, devo minha responsabilidade a você. Eu não tenho que gostar de você. Agora fiz tudo o que tenho pra te dar, te dei sua vida! Eu e a sua mãe resolvemos isso entre nós e gostar da sua “bunda negra” não fazia parte da barganha. Agora você não enfrenta a vida se preocupando se alguém gosta de você ou não. É melhor você se certificar de que eles estão fazendo o correto com você! Você entende o que eu estou dizendo?

Essa dureza com que Troy cria seu filho, é na realidade medo de que Cory tenha seu mesmo destino:

— Eu não quero que ele seja como eu. Eu quero que ele fique o mais longe possível da minha vida.

(esq.)Cory e Troy — Fences (2016)

Essa dureza com o filho, se revela doce com a esposa, sua companheira, Troy é alegre e amoroso com Rose, mas seus momentos de doçura são quebrados quando Troy revela que tem um caso extraconjugal, o que destrói Rose e acaba com a pretensa harmonia do casal. Mas ao invés de se revelar frágil, Rose mostra o real significado de estar casado com alguém, mostra como ela investiu sua vida naquele relacionamento. Para Rose, casamento é ficar juntos não importando o que aconteça:

— Você não acha que eu nunca quis outras coisas? Você não acha que eu tinha sonhos e esperanças? E a minha vida? E quanto a mim. Você não acha que já passou pela minha cabeça querer conhecer outros homens? Que eu queria ficar em algum lugar e esquecer minhas responsabilidades? Que eu queria que alguém me fizesse rir para que eu me sentisse bem? Você não é o único que tem desejos e necessidades. Mas eu me mantive ao seu lado, Troy. Eu levei todos os meus sentimentos, meus desejos e necessidades, meus sonhos … e eu os enterrei dentro de você. Eu me plantei dentro de você e esperei florescer. E não demorei dezoito anos para descobrir que o solo era duro e rochoso e que nunca floresceria.

Rose (Viola Davis) — Fences(2016)

Rose mostra que ela não era simplesmente um móvel da cozinha, que só servia para cozinhar, lavar e satisfazer seu marido. Ela era uma mulher que colocou sua vida no casamento e Troy não soube aproveitar isso. A força de Rose se mostra novamente quando por obra do destino, a amante de Troy morre no parto e ele traz a criança para Rose criá-la,

Ok, Troy … você está certo. Eu vou cuidar do seu bebê para você … porque … como você disse … ela é inocente … e você não pode visitar os pecados do pai sobre seu filho. Uma criança sem mãe terá tempos difíceis. A partir de agora … esta criança tem uma mãe. Mas você é um homem sem mulher.

Rose assume uma responsabilidade para uma criança que não era sua, ela devota sua vida àquela criança, mas corta relações com Troy até sua morte. No final do filme ela explica ao seu filho Cory,o porque de ter continuado ao lado de Troy, mesmo depois de tudo que ele havia feito:

Eu queria uma casa em que eu pudesse cantar. E foi isso que seu pai me deu. Eu não sabia manter sua força… eu tive que desistir de pequenos pedaços meus… Foi a minha escolha. Foi a minha vida e eu não teria que viver assim. Mas foi o que a vida me ofereceu no caminho de ser mulher e eu aceitei.

Rose Maxson, fala esse diálogo na cena final do filme, o que mostra uma feminilidade reprimida e ao mesmo tempo, uma grande força feminina. Rose admite que sua vida como dona de casa e mãe não era o que esperava e foi praticamente imposta por Troy, mas em todo esse tempo, foi uma escolha sua. Rose em nenhum momento perdeu a capacidade de fazer escolhas. Soube abraçar suas dificuldades, as tristezas e a traição do marido com bravura. Preencheu o papel que a vida deu-lhe e foi fiel a ele.

Fences fala sobre as cercas que colocamos ao redor daqueles que amamos, sejam elas para aproximá-los ou afastá-los . O amigo de Troy, Bono, resume a metáfora do filme: “— Algumas pessoas constroem cercas para manter as pessoas fora … e outras pessoas constroem cercas para manter as pessoas dentro.” Embora Troy inicialmente pergunte por que Rose iria querer construir uma cerca física, Bono entende a importância simbólica. Rose queria construir uma cerca para manter o marido e o filho juntos. Ela tentava manter sua família unida dentro de casa. Troy, por outro lado, constrói cercas simbólicas de dedicação e responsabilidade, aspirações tão altas que nem ele nem seus filhos podem viver de acordo com elas. Essas cercas empurram as pessoas para longe e, no final, Troy perde sua esposa e filho por causa dos altos padrões que ele não pode alcançar.

Será que estamos construindo cercas para aproximar ou para afastar quem amamos?Será que essas cercas são mesmo necessárias?

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Thiago Holanda Dantas
vanitas

Teólogo, professor, licenciatura em filosofia, missionário e escritor de blog. instagram.com/vanitasblog . Segundo colocado da 3ª Chamada Ensaios do Radar abc2