Análise de investimento — Taggli

Bruno Peroni
VC sem ego
Published in
8 min readJul 3, 2017

Neste post vou analisar a empresa Taggli, com rodada de investimento disponível na plataforma EqSeed. Clique aqui para acessar a página da oferta.

Descrição da empresa:

Marketplace de pequenos varejistas focado em produtos de lifestyle.

Descrição da oportunidade:

Boa parte do e-commerce no Brasil é dominado por grandes marcas e poucas categorias: eletrodomésticos, telefonia, eletrônicos e informática representam 65% do volume financeiro de compras online segundo o último relatório Webshoppers de 2016.

E todos sabem que o e-commerce no país tem muito espaço para crescer. Apesar de 2015 para 2016 o número de consumidores online subiu 22%, chegando a quase 48 milhões de pessoas, ¾ da população não comprou nenhuma vez online em 2016.

Mesmo assim, existem milhares de pequenos varejistas que ainda não usam o digital ao seu favor, pois muitos são artistas que se transformaram em empresários e não têm conhecimento nem recursos para gerenciar as mídias sociais, website e e-commerce próprio.

Os marketplaces surgiram para resolver esse problema, fornecendo uma plataforma de compra e vendas para os pequenos. No Brasil, o argentino Mercado Livre é o maior espaço de compra e venda para estes pequenos players, dando infraestrutura, pagamentos e audiência e em troca pegando um pedaço das vendas. Mas o Mercado Livre é muito focado nas principais categorias.

A Taggli acredita que a demanda crescente por produtos “lifestyle” e com mais caráter e diferenciação ainda não chegou com força no online e quer empoderar vendedores desse tipo por meio do seu marketplace.

A empresa surgiu em 2015, mas a plataforma só foi para o ar no segundo semestre de 2016. Antes disso, a equipe estava focada em cadastrar vendedores interessantes para montar o seu inventário único de produtos. A empresa possui mais de 2 mil produtos disponíveis à venda de 100 vendedores e diz ter 9 mil sessões por mês. A empresa realizou 106 transações no marketplace desde o final do ano passado, gerando aproximadamente R$16 mil em vendas.

Para mim, faltou uma informação de quantos usuários únicos por mês estão tendo essas sessões. O número de usuários ativos é uma métrica muito mais importante do que as sessões, pois mostra quantas pessoas estão realmente engajadas. Fiz esta pergunta para a empresa mas não obtive resposta.

Produto e inovação:

O produto é um marketplace focado em vendedores de “lifestyle”, com diversas categorias. Pessoalmente, acho essa definição de lifestyle bastante complicada.

Algumas das categorias do site são: moda, bebê, decoração, beleza e saúde, kids, pets e gastronomia.

Resumindo: lifestyle não é uma boa segmentação.

É mistura demais! Para mim fica difícil de pensar em uma segmentação para um público lifestyle de todas essas categorias. Fica difícil mandar um e-mail ou uma notificação para os usuários com promoções, com tantas categorias disponíveis. Será que se eu compro produtos cool de pet quero receber promoções de camisetas ou de peças de decoração? Para mim o diferencial do lado do cliente, que é ser lifestyle, não é bom o suficiente. Uma melhor segmentação seria "produtos cool" ou algo assim.

Home da Taggli.com que ilustra um pouco dessa confusão de categorias

A loja é bonita e rápida. A integração com o Instagram também é uma ótima sacada, já que boa parte dessas pequenas marcas usa o serviço como vitrine. A plataforma é superior à maioria dos concorrentes. Certamente é um dos diferenciais da empresa e potencialmente um ativo que a empresa construiu. Embora esteja no roadmap, a empresa ainda não possui um aplicativo próprio.

O modelo de negócio da Taggli é o padrão dos marketplaces. A empresa fica com uma comissão 15% a 20% dos pedidos feitos pela plataforma. A empresa também apresenta a oportunidade de criar planos mensais para lojas muito ativas e também opções de publicidade no futuro.

Para os vendedores, eu acredito que as duas propostas de valor principais são: audiência e conveniência. De um lado, vender em um marketplace dá acesso a novos clientes para os vendedores aumentarem sua própria audiência. E, de outro lado, fornece uma ferramenta segura e fácil para que os vendedores possam vender e se promover para suas redes. Dessa forma, os vendedores podem focar no que fazem bem, que é criarem.

E para o cliente final, marketplaces como esse são e-commerces, mas com uma melhor curadoria e personalidade.

Mercado:

Olhando a landing page (abaixo) focada em converter vendedores, a Taggli parece se vender mais como uma ferramenta de e-commerce do que como um marketplace. Ou seja, a Taggli quer que os vendedores utilizem a ferramenta como seu principal canal de vendas e não promete necessariamente trazer uma audiência nova para seus vendedores.

Página "Quero Vender"

Se são uma ferramenta, por que focar no pseudo-segmento lifestyle? Pela apresentação da empresa disponível na página da captação me parece que nem eles sabem onde querem chegar.

Querem ser uma Elo7 (23 milhões de visitas mensais) de produtos cool ou a Shopify brasileira?

Marketplaces são negócios difíceis. Já trabalhei com centenas de empreendedores com ideias desse tipo e pouquíssimos dão certo. Com um ticket médio atual de R$150, a Taggli fica, em média, com R$30 de cada venda. Com esse valor tem que pagar: aquisição de clientes, tecnologia, suporte e meios de pagamento. E ainda sobrar. É bem difícil fechar a conta. Por isso, marketplaces dependem necessariamente de network effects e para isso possuem um nicho bem claro e constroem uma comunidade ao redor desse nicho.

Esse é caso da Enjoei, grande case de sucesso desse tipo no Brasil e inspiração da Taggli.

O nicho da Enjoei é bem claro: MODA usada para mulheres. Isso sim é um nicho.

Ultimamente, a Enjoei tem tentado explorar outros nichos mas já possui muita tração e reconhecimento nesse primeiro nicho e isso torna tudo mais fácil.

Não acredito na tese de como a Taggli irá criar network effects.

Concorrência:

A concorrência apresentada pela empresa são grandes marketplaces, plataformas de e-commerce e outros marketplaces de lifestyle.

Slides apresentados pela empresa apresentando a concorrência

Na minha visão, a análise apresentada esqueceu de dividir a concorrência do ponto de vista do cliente e do vendedor. Ficou confusa. E também acho que a Taggli deixou de apresentar de forma mais clara os concorrentes diretos, que são marketplaces nichados.

a) As plataformas de e-commerce são competidores indiretos, caso os vendedores queiram ter mais autonomia. Dentro desse mercado, existem soluções mais caras e robustas (VTEX) e soluções plug-and-play (Shopify).

b) Os grandes marketplaces são canais adicionais para pequenos vendedores exporem os seus produtos e pagarem uma comissão em troca de vendas geradas por uma audiência nova, como Mercado Livre. Ou então marcas que abrem para pequenos vendedores oferecerem produtos em seus e-commerces de modo a aumentar o inventário e aproveitar melhor o tráfego. Por exemplo: boias de piscina vendidas pela Americanas.com.

c) Os marketplaces nichados são os concorrentes diretos, pois oferecem a mesma proposta de valor da Taggli, mas em categorias específicas, com muito mais appeal para criar network effects e uma comunidade. Eles mencionam o GorilaClube e Fábrica9, focados em presentes e decoração, mas faltou a menção a outros players que na minha visão não podiam faltar, como Elo7 (artesanato), Shop2gether (moda), MeModa (moda), DressIt (moda). Existem dezenas de concorrentes para cada uma das categorias de lifestyle.

Estratégia de crescimento:

A estratégia de crescimento da empresa é baseada nos seguintes canais: conteúdo no YouTube, blogs, parceria com influenciadores e programa de afiliados. Está bem claro pela apresentação da CEO que estes canais ainda não foram validados, especialmente levando em consideração a tração apresentada até agora pela empresa.

O objetivo é usar os R$400 mil para em 12 meses chegar a 1,3 mil vendedores e a um volume de vendas mensal de R$50 mil, o que geraria uma receita de aproximadamente R$10 mil por mês. Falei que o modelo era difícil…

Time:

O time vem do mundo de consultoria/auditoria e possui bastante experiência. A CEO Isabela, fala bem, entende de negócios e é ótima vendedora. Ela conseguiu atrair dois investidores anjo no momento pré-operacional, que investiram para construir a plataforma tecnológica e pagar pela construção da base de vendedores.

O CTO parece bem experiente e deve possuir vesting na empresa. A empresa não menciona nada sobre isso e também não respondeu esta dúvida.

Além disso, a empresa possui um vendedor focado em atrair outros vendedores, dois desenvolvedores e uma pessoa responsável por conteúdo.

A experiência da CEO é com grandes varejistas e não é com gerenciar uma máquina de aquisição de clientes para e-commerce. Porque o negócio da Taggli é, de um lado, adquirir usuários de forma mais barata do que os concorrentes e mantê-los fiéis e comprando regularmente, para conseguir fazer fechar a conta dos 20% de comissão. E de outro lado, conseguir atrair os melhores vendedores e produtos.

Na minha opinião, a equipe precisa de alguém com experiência em marketing para e-commerce, algo que será fundamental para montar uma máquina eficiente de recomendação e aquisição.

Conheci outras duas empresas que possuíam CEOs com grande experiência de mercado mas que não funcionaram como CEOs de startups. O jogo é bastante diferente.

Valuation:

A empresa está buscando R$400 mil a um valuation pré-money de R$2,56 milhões, representando 13,5% de participação. É um valuation alto demais para uma empresa que recém se tornou operacional e com um nível de receita praticamente irrelevante: a empresa gerou apenas R$16 mil de vendas nos últimos meses (isso é a receita bruta e não a comissão).

Cláusulas e riscos contratuais:

Contrato padrão do EqSeed: nota conversível em participação com prazo de 4 anos para conversão e sem juros fixados. A conversão em participação pode acontecer antes disso por meio de um gatilho de faturamento de R$3,6 milhões. A EqSeed cobra uma taxa de performance de 10%.

Cap table:

Isabela, CEO: 75%

Investidores Anjo: 25%

O fato de a empresa ter 25% da sua participação na mão de sócios não-executivos não é ideal, pois após essa rodada de diluição de 13,5%, a CEO terá 63%. A empresa precisará de pelo menos mais uma rodada de VC de uns 20%, deixando-a com aproximadamente 51%, sem levar em consideração a diluição de vestings que serão fundamentais para manter um CTO e possivelmente um CMO na empresa. É super apertado.

Pontos a favor:

  • Time com boa experiência de negócios
  • Possível ativo técnico da plataforma

Pontos contra:

  • Lifestyle é um segmento pouco claro, com pouca diferenciação
  • Existe um problema de identidade na Taggli, entre ser uma plataforma para vendedores ou ser um marketplace com foco no cliente
  • Falta de membro especializado em marketing digital e e-commerce no time
  • Modelo de negócio muito difícil

Veredito:

Não vou investir. Pode ser um negócio bom para os empreendedores mas dificilmente vejo a empresa, com a proposta atual, se tornando um grande player.

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Disclosure: a análise apresentada têm como único propósito fomentar o debate com a comunidade interessada em investimentos de risco em novos negócios e não é uma recomendação de investimento. Os leitores devem, portanto, desenvolver as próprias análises e estratégias.

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Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast