Como os fundos de investimento em participação ganham dinheiro?

Bruno Peroni
VC sem ego
Published in
6 min readApr 21, 2017

Algo bastante importante para entender como os investidores pensam é entender como os investidores ganham dinheiro.

Para começar, vou explicar como funcionam os fundos de investimento em participação, os VCs no Brasil, regulados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários, entidade que regula o funcionamento de fundos no Brasil).

Imagem da cartilha de Fundos de Investimentos do SEBRAE Nacional, da qual fui autor. Disponível neste site.

Parece complicado né? Vou explicar o papel de cada um desses atores.

Gestoras de fundos: quase sempre, quando falamos "fundo" estamos geralmente falando de uma gestora, como a Inseed, Monashees ou Triaxis. Gestoras de fundos são empresas especializadas em gerir os recursos de seus cotistas, ou seja, por operar os fundos, escolher investimentos, monitorar e ajudar o crescimento das empresas investidas e apoiar o processo de saída. Uma gestora pode gerir mais de um fundo ao mesmo tempo e é quem "empreende" o fundo, ou seja, define um tamanho de investimento, vai atrás dos cotistas, define uma tese de investimento (quantas empresas investidas, quais setores, qual ticket de investimento por empresa, etc.). Importante lembrar que fundos de investimento geralmente possuem uma duração pré-estabelecida de 10 anos, entre captação, investimento, acompanhamento e saída.

Cotistas: estes são os investidores dos investidores. É deles o dinheiro que é investido nas empresas. Antes das gestoras irem atrás de bons empreendedores, elas mesmo têm que passar de 1 a 2 anos captando recursos. Cotistas de VC são geralmente fundos de pensão, family offices, bancos de desenvolvimentos (como BNDES e BRDE) e instituições de fomento (como FINEP, CAF, etc.). Pessoas físicas raramente têm acesso a esse tipo de fundo, diferentemente dos fundos de investimento em ações, restritos apenas e investidores institucionais e grandes investidores.

Segue abaixo um gráfico que mostra quem são os cotistas dos fundos de VC e PE no Brasil, também chamados de LP (limited partners). No gráfico abaixo, podemos ver que mais da metade dos investidores são fundos de pensão. Mas se fizéssemos um corte apenas em VCs, o dinheiro de fomento representaria mais de 50%.

Percentual do capital comprometido por tipo de investidor — 2015 Fonte: ABVCAP e KPMG (2016).

As gestoras geralmente também têm que investir alguma coisa, para estarem alinhadas com seus cotistas. Geralmente uma gestora investe 1–3% do valor total do fundo. Parece pouco né?

Administradoras: é quem cuida do funcionamento do fundo, presta contas aos cotistas e à CVM e gerencia o dinheiro. É uma exigência legal e um papel administrativo. É um ator que não tem um papel muito ativo com os empreendedores mas principalmente com os cotistas.

Mas como as gestoras ganham dinheiro?

Para prestar esse serviço de gestão aos cotistas, as gestoras cobram duas taxas: administração e performance.

A taxa de administração do fundo fica na faixa de 2% ao ano. Essa taxa cobre os custos da gestora com salários e outros custos fixos. A taxa de administração representa 15–20% de um fundo ao longo do tempo.

Um exemplo: se uma gestora capta um fundo de R$100 milhões, ela vai receber aproximadamente R$2 milhões por ano para suas operações. Essa taxa independe do sucesso financeiro do fundo.

A taxa de performance é um incentivo às gestoras fazerem os seus cotistas ganharem mais dinheiro. É como elas realmente ganham dinheiro. É uma taxa que incide sobre o lucro do fundo e fica na faixa de 20%.

Voltemos ao exemplo: aquele fundo de R$100 milhões, após 10 anos de muito trabalho, retorna R$300 milhões brutos (3x o capital investido). O fundo teve um lucro de R$200 milhões, sendo que a gestora fica com R$40 milhões de taxa de performance (20% x R$200 milhões), e os R$260 milhões restantes voltam aos cotistas.

Por que esse modelo de negócios é problemático?

Esse modelo de negócios tem vários desafios e problemas estruturais.

  1. É muito difícil de fechar a conta

No exemplo que apresentei, os cotistas receberam de volta R$260 milhões. Descontando os impostos sobre ganho de capital, sobram aproximadamente R$215 milhões. Sim, R$45 milhões (!) vão para a Receita Federal. Existem algumas manobras fiscais para melhorar esse número mas é mais ou menos por aí.

Isso significa um retorno anual, de 11,5% a.a., ao longo de 10 anos, sem ajustar pela inflação.

Investindo hoje em um Título do Tesouro Direto pré-fixado com uma taxa anual de 10,15%, ao longo de 10 anos, também descontando impostos, o valor final é de R$175 milhões, ou seja, uma taxa de 8,79% a.a.

Para provar, segue abaixo print da calculadora do Tesouro Direto.

Tive que simular com R$10MM porque era o máximo.

R$215 milhões x R$175 milhões. Pense comigo: você acha que vale a pena correr o alto risco investindo em VC com essa diferença de retorno em uma aplicação de risco quase zero? Com certeza não.

Por isso, 3x o capital investido não é um bom resultado para VCs no Brasil. Pelo menos não para os cotistas.

E essa não é uma realidade só do Brasil. A Kauffman Foundation, maior fundação de fomento ao empreendedorismo e que foi cotista de quase 100 fundos, fez um estudo muito famoso/polêmico em 2011 intitulado "We met the enemy and he is us". A conclusão é a seguinte:

78% (of the funds we've invested) did not achieve returns sufficient to reward us for patient, expensive, long-term investing.

Ou seja, a maior parte dos fundos não traz retornos satisfatórios.

Isso força as gestoras a buscar oportunidades com potencial bilionário. Quantas vezes você ouviu a seguinte frase de investidores:

"Não podemos investir no negócio X porque ele não tem potencial de ser um negócio bilionário"

Eles são forçados a investir em negócios que explodam, nem que isso acabe por matar algumas da empresas do portfolio. Por isso, forçam os negócios investidos a crescer o máximo possível e o mais rápido possível. E a velocidade tem a ver com o próximo item.

2. Liquidez

Os fundos têm fim. Geralmente, 10 anos. E isso força as gestoras a forçar a liquidez dos negócios. As gestoras não podem esperar a maturação de um negócio até que ele se torne lucrativo. Por isso, as empresas devem ser adquiridas ou abrirem capital na bolsa, caso raro no Brasil. Ou seja, se você recebeu capital de risco no Brasil, a sua empresa será vendida, para poder pagar os cotistas ao final do fundo.

3. Alto custo

Outra conclusão do estudo da Kauffman é que as taxas de administração atrapalham muito os retornos dos fundos. E isso tem a ver com o estilo extravagante da maioria das gestoras. Grandes e luxuosos escritórios, altos salários, etc. Eu, como cotista, não gostaria de ver meu dinheiro ser desperdiçado em supérfluos.

Ou seja, é difícil fazer dinheiro em VC.

Por todos esses motivos, o mercado de VC está mudando

Diversas tendências estão acontecendo mundo afora que olham como inovar e gerar disrupção nesse modelo de negócio complicado, que permanece praticamente igual ao modelo criado nos anos 50 nos EUA.

  • Descentralização: mais gestoras estão olhando para mercados emergentes e fora do radar, onde existem oportunidades com melhores valuations e potencial de retorno.
  • Democratização: as plataformas de equity crowdfunding e outros movimentos têm ampliado o acesso de investidores menores a esse mercado restrito antigamente a GRANDES investidores.
  • Tecnologia: cada vez mais gestoras nos EUA têm usado inteligência artificial e outras tecnologias para acelerar o processo de análise de empresas, grande custo de um fundo. No Brasil, é difícil um deal acontecer em menos de 6 meses. É uma eternidade para um negócio nascente!

Quer saber mais sobre as tendências? Vou aprofundar mais no meu próximo post.

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Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast