WeWork: gato por lebre?

Bruno Peroni
VC sem ego
Published in
5 min readOct 31, 2019

É sempre bom ter alguma ressalva em períodos de bonança no mercado de venture capital. Nessas horas, pode ser uma boa atentar para os movimentos dos mercados públicos, da bolsa de valores, que tem apontado para a importância de fundamentos econômicos sólidos de um negócio como critério importante de investimento.

Nessas arenas de negociação, investidores tem demonstrado menos disposição para a ousadia, com preferência para modelos de negócio testados pelo tempo. É o que vemos nas últimas movimentações do mercado de IPO.

Essa semana, tivemos mais um evento que deveria servir para ligar o alerta de investidores mais eufóricos: a Endeavour, empresa de eventos ao vivo e representação artística cancelou uma oferta pública inicial de ações que arrecadaria mais de US$ 600 milhões nos EUA, antes de ser posteriormente reduzida.

Outros IPOS recentes também tem se revelado como verdadeiras decepções para muita gente. Lift, Uber e Pinterest viram o preço de suas ações caírem logo após as IPOs. Porém, nenhum desses casos me parece mais representativo que o caso do WeWork, que foi o assunto da semana passada.

Durante algum tempo, a empresa foi vista como queridinha no mercado de investimentos, ainda que não faltassem alertas de especialistas mais céticos em relação a um modelo de negócios que apresentava bem menos inovação do que fazia parecer.

Em maio, o SoftBank, maior fundo de VC do mundo financiado pelos sauditas, investiu pesadamente na companhia, elevando-a a uma cifra de valuation de US$ 47 bilhões.

Entretanto, no último dia 30, a WeWork anunciou o cancelamento do seu IPO, “até que chegue o momento certo”. E isso depois de baixar o valuation para US$ 20 bilhões.

De onde vejo, penso que a desconfiança dos investidores em relação ao empreendimento fazem muito sentido.

WeWork: gato por lebre?

Sobre o modelo de negócios do WeWork

Com um faturamento de US$ 1,8 bilhões em 2018, 200% maior que o de 2017, a empresa registrou prejuízo de 1,9 bilhão de dólares no mesmo ano, o dobro do que foi perdido em 2017. Nos primeiros seis meses de 2019, a WeWork já perdeu US$ 904,6 milhões e teve faturamento de US$ 1,5 bilhões.

Basicamente, a WeWork começou como uma companhia de “coworking”, que alocava espaço e instalações de escritórios para freelances individuais ou trabalhadores remotos que desejavam uma alternativa ao home office. Mas o WeWork também pode criar rapidamente um escritório satélite inteiro para uma companhia que deseje abrir uma filial em outro lugar ou uma startup que não deseje dispender muito em infraestrutura.

Na medida em que os escritórios possuem uma série de vantagens compartilhadas, como café, sala de reunião, impressoras, espaços para eventos, entre outras, o custo agregado por metro quadrado para cada empregado é menor do que a manutenção de um escritório próprio. Para quem tem perspectiva de crescimento, mas não tanta segurança em relação ao tempo que isso vai durar, também se apresenta como boa alternativa de negócio.

O modelo de negócio se baseia numa ideia antiga. Trata-se, em suma, de assinar arrendamentos de longo prazo no espaço do escritório e, em seguida, relocá-los em acordos de curto prazo. Isso funciona porque, em praticamente qualquer situação, o custo diário de aluguel de curto prazo de qualquer coisa é maior que o custo diário de um aluguel de longo prazo. A despeito dos serviços de valor agregado que oferece, a lucratividade do negócio advém dessa incompatibilidade de duração.

O que a ideia tem de interessante, tem também de frágil. Assim como acontece com bancos que se utilizam de expedientes parecidos, o gap de duração representa um risco sério em períodos de crise. Ou seja, na hora que advir uma queda inevitável no mercado imobiliário, o valor que os clientes estão dispostos a pagar por arrendamentos de curto prazo cairá, mas o WeWork não terá espaço para renegociar o arrendamento de longo prazo.

É verdade que a WeWork tem declarado a intenção de seguir um modelo mais tradicional para garantir sua sustentabilidade, adquirindo prédios de escritórios em várias cidades do mundo.

Outras apostas da companhia incluem a aquisição da Conductor, empresa de otimização e marketing de mecanismo de buscas, a aquisição da MeetUp.com, plataforma on-line utilizada para organizar encontros na vida real de pessoas interessadas nos mesmos assuntos e até uma esquisita pré-escola denominada WeGrow.

Essa proliferação de empreendimentos, em uma empresa que tem amargado prejuízos, pode ser sinal que até seus executivos parecem compartilhar de certo ceticismo sobre a viabilidade da principal proposta da WeWork.

Ou seja, o negócio está crescendo, mas está em um mercado de margem baixa e que possui diversos riscos que não parecem colocados na conta.

Para quem quiser se aprofundar, vale a pena ler essa reportagem da Business Insider que descreve muito bem a história, em detalhes.

Como avaliar startups

De certa maneira, novos modelos de negócios são difíceis de avaliar. Startups de tecnologia estão quentes e tomando cada vez mais espaço em novas vidas, provocando uma verdadeira febre nos investidores. Em um mercado de late stage onde temos muita liquidez buscando um pouco mais de retorno, com alternativas cada vez mais escassas nos mercados tradicionais, isso pode estar gerando uma distorção de percepção e expectativas, o que podemos chamar de uma bolha.

Em suma, está na hora de pararmos de avaliar toda e qualquer startup como se fosse uma empresa de software com amplo potencial de crescimento.

Isso não significa, obviamente que seja sempre mau negócio investir em empresas com margem bruta mais baixa. Mas que isso esteja claro desde o princípio e traduzido no seu valuation. As empresas com margens mais altas geralmente são menos dependentes do mercado porque podem gerar caixa internamente de maneira mais fácil.

O que essa “bolha” irá nos ensinar?

Na minha visão, algumas coisas: teremos vários ajustes de valuation que irão machucar investidores; veremos empresas ficando privadas por ainda mais tempo, até que tenham um modelo de negócio defensável nos mercados públicos; e teremos mais empresas olhando para os fundamentos econômicos.

De todo modo, só o tempo dirá se esses prognósticos estão corretos.

Enquanto isso, é sempre bom ficar ligado nos detalhes. Comprar gato por lebre nunca é um bom negócio, principalmente no mundo do VC.

Clique aqui para receber todos os meus artigos direto no seu e-mail.

Se você gostou, por favor bata palmas ali do lado. Quanto mais palmas melhor! Obrigado! 👏👏👏

--

--

Bruno Peroni
VC sem ego

Venture Capital, Inovação e Startups; VC @ Astella ; Host @ A Virada Podcast