Nighthawks, 1942, de Edward Hopper. Art Institute Chicago

VDM / A regra não é clara

Luis Marcelo Mendes
VDM / Profissionais *Beta
3 min readAug 23, 2016

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Apesar da necessidade de uma cultura comum, são raras as forças que impulsionam os projetos criativos nessa direção.

A academia, por exemplo, poderia ter um papel mais decisivo nesse sentido. Temos diversas faculdades que desempenham um papel importante de formação pela perspectiva instrumental, mas passam ao largo das questões de relacionamento que vão pautar a vida do profissional criativo.

E, por outro lado, não existe faculdade de cliente. Uma boa parte das pessoas que contratam os serviços criativos como um folder, uma revista ou um website tem pouco conhecimento de design, comunicação ou de tecnologia. Assim como não são todos os gestores que recebem treinamento corporativo para gerenciar projetos criativos. A prática costuma ser o curso de formação mais comum para clientes.

Não é de se estranhar que falte a muitos deles uma compreensão clara do que você faz, de como faz e, sobretudo, qual é o papel dele num projeto –além de autorizar o pagamento. A formação de uma cultura comum é um caminho para estabelecer as regras do jogo dos projetos criativos.

Michel Lent Schwartzman, Lent/AG

O tema não é novo. Um dos maiores craques da internet no Brasil, o pioneiro Michel Lent, escreveu em 2002 o seminal texto Cliente ordinário, uma referência fundamental sobre a necessidade de criação dessa cultura comum para projetos criativos. E, ainda hoje, a discussão proposta por Lent há mais de uma década continua igualmente urgente e necessária.

No texto, ele sustenta que como no caso dos serviços criativos ainda não há cultura suficiente:

“É fundamental que algum dos lados dite as regras e as práticas desta transação comercial. Porque sem regras só restam o bom-senso ou a desordem”.

Lent faz ainda uma oportuna comparação entre os serviços criativos e os restaurantes, esclarecendo que a nossa relação de consumo com os restaurantes, pelo menos nos modelos ocidentais, já está consolidada depois de algumas centenas de anos de prática comercial. Existe uma série de regras, estabelecidas pelos donos e aceitas socialmente como bom senso. Todos estão cientes delas. Portanto, se ao chegar ao restaurante, você diz: “Mesa para dois”, será direcionado às respectivas opções. Está certo que você não se sentará numa mesa para oito a não ser que esteja esperando outros seis convidados.

No caso de projetos criativos, é fundamental que os profissionais tomem as rédeas de formação dessa cultura projetual. Como podemos reclamar dos clientes se essas regras não são definidas e nem apresentadas claramente pelos profissionais criativos?

E esses por sua vez se colocam numa posição fragilizada diante do cliente que está pagando — portanto o profissional criativo está a seu serviço e não lhe prestando um serviço.

Tal comportamento é resultado de práticas (ou vícios) de mercado que vão sendo repassadas como padrão, embora atualmente inadequadas dentro de uma perspectiva de interdependência criativa.

Em 2009, a empresa de animação americana Scofield Editorial, criou o vídeo The Vendor — Client Relationship in the Real World, que mostra como as tensões das relações comerciais entre criativos e seus clientes ganham um tom absurdo quando transpostas literalmente a serviços oferecidos a consumidores, como uma locadora de vídeo, um cabeleireiro e, claro, um restaurante onde um cliente discute o valor do filé com o garçom depois que a conta é entregue — comparativamente muito elevado em relação a um taco, “afinal é tudo carne de vaca”.

Segundo o diretor Brian Boak, “boa parte dos diálogos do filme veio de conversas reais com clientes ao longo dos anos”.

O valor do processo criativo somente será percebido por todos quando houver compreensão do que está sendo contratado e como esse trabalho será desenvolvido. É um exercício de formulação e compartilhamento de conceitos com quem você vai trabalhar.

Porquê, nesse terreno, a regra não é clara.

Você encontra a versão impressa do FATOR VDM à venda no site da Ímã Editorial.

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