A Criação de Adão, de 1508 a 1512, Michelangelo. Capela Sistina

VDM / Ação Comercial Criativa

Luis Marcelo Mendes
VDM / Profissionais *Beta
9 min readAug 23, 2016

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O negócio é o seguinte. É muito comum os profissionais criativos declararem que não são bons vendedores.

Assim como é comum desenvolverem uma cisma, desconfiança ou falta de afinidade com as pessoas que lidam com o lado comercial. Como se uma coisa caminhasse em direção contrária a outra.

O designer americano Mike Monteiro, autor do livro Design is a Job, tem uma opinião dura sobre os criativos (em carreira solo, em sociedades ou contratados de uma empresa) com restrições em relação à ideia de venda:

Arranje outra coisa pra fazer. Sério. Metade desse trabalho é a venda de si mesmo e das suas ideias. Se você não se sente confortável com isso, está no negócio errado. Esse é um trabalho de vendas. De convencer as pessoas a contratarem você e de aceitarem a solução que você desenvolveu para o projeto.

Acredito que há uma grande diferença entre vendedores em geral e as operações de negócios de profissionais ou empresas de serviços criativos: aqui não se tira pedido. Não se vende layout a metro e nem site a quilo. Portanto, quem faz negócios que envolvam criatividade deve ser, também, um criativo.

Essa é a essência do que eu chamo de Ação Comercial Criativa, capaz de ter o entendimento profundo do problema do cliente e de proposição de soluções que sejam adequadas às necessidades. A razão de ser do seu trabalho reside na solução de problemas e a Ação Comercial Criativa cria as condições para que isso aconteça.

Portanto, no primeiro contato com o cliente, o comercial criativo (ou criativo comercial) deve mostrar-se capaz de entender a questão a ser resolvida, definir um interlocutor, estabelecer o ritmo do cronograma, esclarecer os papéis de cada um, sondar a verba disponível de investimento e identificar as referências do que está na mente do cliente.

E tudo isso começa no briefing.

Briefing é onde a mágica acontece

Um dos momentos mais importantes do seu projeto é quando uma oportunidade comercial promove o primeiro contato com um cliente. É ali que a mágica acontece. Um momento precioso, em que a solução de um projeto complicado pode vir logo à tona ou onde o alarme VDM pode soar forte indicando uma roubada vindo pela proa. Esse primeiro contato é a pedra fundamental da Ação Comercial Criativa.

Embora haja consenso teórico em relação à importância do briefing, na prática, todos os dias as pessoas passam briefings ruins, incompletos e superficiais — que são aceitos sem questionamento pelos criativos como se fosse a coisa mais natural do mundo.

A vontade suprema de fazer o projeto supera o desejo de elaborar uma especificação bem detalhada e acordada do que será realizado, do tempo mínimo para o trabalho acontecer e dos recursos físicos e humanos necessários.

Muitas vezes caímos no erro de começar animadamente um projeto com tudo entendido e nada combinado.

O designer e consultor de empresas norte-americano Peter L. Phillips é um dos defensores globais do valor do briefing em projetos criativos que, segundo ele, é um processo válido tanto para a pequeno escritório de duas pessoas quanto para uma corporação de 120 mil funcionários.

Peter L Phillips

Um dado importante para fazer a mágica acontecer é você dar dicas que o seu trabalho criativo tem uma metodologia e deve atingir um determinado resultado ­ — portanto não está baseado na ação de musas que nos inspiram ao cair da tarde. Clientes passam a ter uma contribuição melhor no processo criativo quando entendem que os serviços criativos são disciplinas estratégicas de resolução de problemas — e não uma “arte”.

Mais ainda, que ele não está alheio a esse processo. A correta formulação do problema é o melhor caminho para se atingir a solução: assim, a responsabilidade pelo briefing deve ser compartilhada entre você e seu cliente.

Saiba que essa não é uma etapa trivial, visto que não existe um modelo de briefing padrão e universal. Essa etapa requer tempo e atenção. Paciência e validação. Mas é um investimento com retorno certo.

O cliente no divã

Um briefing pode ser observado como uma visita ao terapeuta. Muitas vezes o que se caracteriza como um problema não é exatamente o problema. O que é descrito como a grande necessidade talvez seja apenas o sintoma de uma outra questão bem maior que se esconde nas entrelinhas. Se é assim com nosso inconsciente, não haveria de ser diferente com o inconsciente dos clientes, de empresas ou organizações.

Sempre lidamos com pessoas e estas são complicadas. Cada cliente tem suas questões, inseguranças, duelos de poder nas empresas, medo do desconhecido ou até mesmo um recalque de uma experiência passada.

Entenda a primeira reunião com o cliente como a mais importante. Procure estar presente nesses encontros e não delegá-los a alguém sem a necessária sensibilidade para entender o que está em jogo.

Deixe o cliente falar. Cultive o mais profundo interesse sobre como ele se posiciona no mercado. Aproveite o tempo para entender seus valores, atitudes e crenças. É muito importante saber quem ele é antes de pensar naquilo que ele precisa.

Ouça, tome notas e depois valide cada ponto. Não é para ser chato, mas para marcar o seu interesse pelo sucesso do projeto. E não saia da sala com dúvidas. É melhor checar na hora do que perguntar depois.

Encontre o interlocutor

Uma questão que deve ficar clara logo no começo do papo é o processo de aprovação do trabalho. Saber quem são as pessoas que têm poder de decisão, e procurar envolvê-las desde o início, significa ter o controle do projeto.

Algumas vezes o cliente, por algum motivo, pode não ficar na linha de frente do trabalho. Nesse caso, defina com ele um interlocutor qualificado para responder sobre o projeto. Quando você não fala com quem dá a palavra final o FATOR VDM já se eleva naturalmente. É muito fácil passar meses trabalhando num caminho que o seu interlocutor gosta mas, na hora de apresentar ao chefe dele, vem a recusa: “Não é nada disso que eu esperava.”

Por mais que o cliente não faça por mal, a situação gera retrabalho para os dois. Portanto, deve ser evitada.

Busque identificar se há políticas corporativas, impedimentos ou ideias preconcebidas por quem dá a palavra final no momento do briefing e da apresentação do conceito criativo. Esses são os momentos-chave para formalizar opiniões e reduzir os ruídos do projeto.

Defina o prazo

O prazo de um projeto é algo tão complicado de controlar quanto a temperatura do chuveiro elétrico numa casa de campo na montanha. A água é gélida. Mas ao abrir a torneira da água quente, ela fica pelando. Você passa horas nesse duelo até que, com frequência, acaba cedendo a uma temperatura mais fria ou mais quente do que o ideal.

Da mesma forma, se você parte de um prazo curto, questões triviais como a falta de entrega de um conteúdo, a demora numa revisão da área técnica, as férias do chefe que dá a palavra final no projeto e tantos outros fatores podem elevar muito a temperatura da água, fazendo você se ensaboar na água escaldante para entregar tudo na hora certa.

Isso parece ruim, é verdade. Por outro lado, não existe nada pior que um projeto sem prazo definido para acabar. Isto faz o FATOR VDM saltar instantaneamente para a zona vermelha, por três motivos: você vai ficar mentalmente preso ao projeto; o cliente sempre pode alterar alguma coisa, refazendo os passos anteriores; e o seu fluxo de caixa sofrerá a ausência do pagamento da parcela final do trabalho. A falta de um prazo pode parecer confortável, mas não lhe favorece. Procure identificar a temperatura do chuveiro no briefing, antes de entrar nele.

Combine papeis

Um bom profissional criativo sempre sai da reunião de briefing com o cliente, tendo validado quem entra com o quê no projeto — para não dar confusão.

Retorno ao ponto que, em serviços criativos, as regras não são claras. Você vai escrever um relatório anual de uma empresa e, para o cliente, “tinha ficado claro que você encomendaria a tradução para mandarim” — embora essa seja uma atividade totalmente à parte do seu elenco de serviços.

No momento em que você faz o exercício de boa vontade de encontrar um tradutor, passa a ter a responsabilidade por essa tradução. Com isso, importa-se um FATOR VDM de algo que você não está sendo pago para gerenciar.

Ou então o cliente encomenda o projeto gráfico de um livro e “tinha ficado claro que fazer a capa envolveria produzir a imagem da capa”. Como você é um designer e, ao mesmo tempo, bom fotógrafo, acaba topando.

A partir desse momento, provavelmente o trabalho pelo qual você será mais cobrado e consumirá a maior parte do seu tempo será a foto que não estava no seu orçamento. Isso nada tem a ver com a Lei de Murphy. É pura constatação VDM.

E é verdade que esse é o típico mato sem cachorro. Se você não se dispõe a ajudar seu cliente, pode ser entendido como um fornecedor pouco envolvido ou antipático. Por outro lado, se dispor a resolver problemas que não estão sob seu domínio pode transformar um bom projeto num desastre.

Portanto, antes de dar a reunião de briefing por encerrada, repasse todos os pontos. De quem é a responsabilidade da revisão, da inserção do conteúdo no site, do levantamento de orçamentos, dos custos de deslocamento para a realização de entrevistas com os índios da aldeia mais remota do alto Xingu.

Cada item do seu projeto tem armadilhas que, se não observadas, vão lhe trazer aborrecimentos, trabalho extra, desgaste com o cliente e prejuízos financeiros. VDM em estado puro.

Descubra a verba

Um dos pontos mais polêmicos e críticos de um briefing criativo é entender quanto o cliente está disposto a investir no projeto — além da sua remuneração. Existe um componente de desconfiança no mercado que trava o cliente na hora de abrir o seu budget. O que resulta, na prática, num prejuízo de trabalho à toa para ambos.

Quando não se sabe o valor limite de investimento, entramos no terreno da imaginação — daquilo que gostaríamos de fazer, se dinheiro não fosse um problema.

O profissional criativo pode passar horas concebendo uma megacampanha e levantando orçamentos com os mais variados fornecedores para atender ao briefing de um lançamento incrível e marcante de um produto quando, na prática, o cliente não tem um terço da verba necessária.

De posse da informação do limite orçamentário, o profissional criativo poderia ter investido o tempo pensando numa ação de guerrilha inovadora e de baixo custo, capaz de fazer um lançamento diferenciado. Talvez não da mesma forma que o cliente imaginava, mas com excelente aproveitamento dos recursos disponíveis.

É o que acredita Brian Boak, diretor de operações do escritório de animação Scofield Editorial, em entrevista sobre o filme The Vendor — Client Relationship in the Real World:

Trabalhamos sempre com os clientes, especialmente quando eles já chegam apresentando suas restrições orçamentárias. Preferimos adequar a produção a um orçamento do que fazer o contrário.

Identifique referências

Essa não é uma opinião unânime entre os profissionais criativos, mas acredito ser válida a busca de referências visuais, estruturais ou de funcionamento de outros trabalhos na hora do briefing.

E não entenda isso como uma castração do processo criativo. Exercícios de aproximação podem ajudar a exemplificar o que está na sua cabeça em relação a tom, ritmo, cores, formatos, espírito, personalidade. Basta tomar cuidado para caracterizar a referência como um ponto de partida e não de chegada.

As referências também pautam o que o projeto não deve ser, aquilo que não dá certo. Do que foi tentado e saiu pela culatra. E isso pode ser um feedback muito valioso para seu cliente.

Você encontra a versão impressa do FATOR VDM à venda no site da Ímã Editorial.

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