Marion Crane, personagem de Janet Leigh em Psicose, de 1960.

VDM / Prazos

Luis Marcelo Mendes
VDM / Profissionais *Beta
7 min readAug 29, 2016

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Dizem que o paisagista brasileiro Roberto Burle Marx tinha uma placa sobre sua mesa que dizia: “a pressa passa e a merda fica.”

Mais do que uma frase de efeito, esse deveria ser um mantra para evitar muitos desastres em nossos trabalhos.

A dinâmica do mercado nos exige agilidade. Isso é uma coisa boa, faz com que a nossa cabeça fique afiada. Mas fechar qualquer negócio com pressa é ruim tanto para quem contrata quanto para quem é contratado.

Essa é uma situação que acontece com frequência: o telefone toca às cinco da tarde com o pedido para a entrega da proposta no dia seguinte até as dez da manhã. O tempo não somente é curto para redigir a proposta como também para pensar corretamente sobre o projeto em questão.

Você passa o scanner VDM nas cinco linhas do briefing enviado pelo cliente e a máquina começa a apitar. Quais são os itens problemáticos? Até onde vai o escopo? Quais são as instâncias de aprovação do lado do cliente? As reuniões de apresentação serão no Rio ou em Porto Alegre?

Às oito da noite você está escrevendo a proposta. Nesse momento você começa a baixar a guarda para não correr o risco de perder o trabalho. Alguns pontos são chutados. Em outros se tenta definir minimamente as áreas de risco. A proposta é enviada e, a partir daí, salve-se quem puder.

Cada um precisa fazer com que seus clientes entendam que uma proposta feita sem amadurecimento é uma arma apontada para o projeto. Pode ser que tudo dê certo e esta arma não seja disparada. Pode ser que atinja a qualidade, a consistência ou o seu lucro. Ou pode ser uma verdadeira carnificina na qual o projeto sai uma bomba, cheio de furos, atrasado, desagradando a todos e dando o maior prejuízo. Ou seja, a pressa passa e a merda fica.

Projetos criativos dão certo quando as partes envolvidas estão profundamente envolvidas com seu sucesso, quando os negócios são feitos com um tempo mínimo de amadurecimento da proposta e com termos que são bons para ambos.

Por quê tanta gente entra nesse jogo arriscado de alto FATOR VDM? Para não ficar de fora do olhar do cliente. O mesmo pedido foi feito a outros escritórios e todo mundo disse que ia mandar. Para não ficar com fama de chato, de complicado e de encrenqueiro, você aceita as condições.

Além do mais, tanto o seu negócio quanto os seus concorrentes lidam com uma grande pressão. De realizar vendas. De conquistar novos clientes. De gerar caixa para pagar o custo fixo do escritório.

A pressa é inimiga mortal dos bons negócios. Escolher com quem você vai trabalhar, planejando cuidadosamente a execução do serviço e definindo claramente os termos do negócio, é o ideal dos projetos criativos.

Quando isso não acontece, o que sobra é a convivência constante com a pressão, que pode levar o profissional ou escritório a aceitar condições claramente desfavoráveis ou mesmo concorrências especulativas. Lidar com isso e sobreviver é um grande exercício de maturidade.

Sexta, não

Existem várias coisas que atravessam a linha fina entre o amor e o ódio. Muitas delas estão atreladas a questões de prazos, como a ligação do cliente na sexta no final do expediente. Em geral acontece assim:

Sexta-feira. São18:37h. Já se passaram dos 42 minutos do segundo tempo. Só falta o apito final para o chope do pessoal que está prestes a se despedir de mais uma semana de trabalho intenso. O telefone toca.

Silêncio e terror no escritório. A telefonista atente. Passa para o atendimento. Do outro lado, o cliente.

Ele está francamente feliz que ainda conseguiu encontrar você. Tem uma demanda urgente que um diretor acabou de pedir. Pode anotar? O cliente precisa que você entregue uma ideia supercriativa e revolucionária com alto impacto e baixo custo na primeira hora da segunda.

Essa história triste acontece com incrível frequência. Alguns chegam inclusive a imaginar que clientes fazem de propósito. Que eles passam a semana com o trabalho na mão só esperando o final da tarde de sexta para ligar para você.

As horas seguintes a esse telefonema são problemáticas. Para além dos xingamentos habituais, o moral da equipe de criação cai drasticamente, cedendo espaço para a Dissolução Irremediável de Expectativa. Uns cancelam o jantar. Outros jogam o ingresso do cinema recém-comprado na lixeira junto com a esperança de uma noite agradável com o namorado.

Sempre que um projeto entra nessa faixa da insensatez temporal, o alarme VDM começa a soar. Os sintomas da Dissolução Irremediável de Expectativa fazem com que a reação emocional baixe a guarda da atenção e o maior prejudicado nessa história toda sempre é o projeto.

Quando o telefone toca no final de sexta apontando o prazo para segunda, a questão principal deixa de ser a criação em si e passa a ser a entrega da criação.

O job não é mais um problema do cliente que precisa de uma solução. Ele passou a ser o seu problema: entregar algo, qualquer coisa, minimamente satisfatória para o cliente sob o risco de ser visto como não envolvido, não cooperativo ou que demonstra falta de parceria.

Um profissional criativo experiente acaba arranjando uma solução. Tem a possibilidade de passar o pepino para estagiários que estão loucos para mostrar serviço durante o fim de semana. É arriscado. Por vezes ele tem que entrar em campo no domingo à tarde para salvar a partida.

Pode-se recorrer também à reciclagem. Quem sabe uma visita ao Vale das Ideias Mortas para escavar uma ideia já criada, seja por outras pessoas ou pelo próprio escritório e descartadas por outros clientes. Quem é criativo dá um jeito. Seja ele qual for.

Mas será que é isso que o cliente necessita? Não estão ambos se enganando como na letra do sambista Nelson Sargento que diz: O nosso amor é tão bonito. Ela finge que me ama. E eu finjo que acredito?

Pra ontem

Quando uso o exemplo da sexta para segunda, podemos aplicar o mesmo raciocínio para qualquer projeto de hoje para amanhã, de hoje para hoje e, o mais comum de todos, o de hoje pra ontem — que é sempre pedido com a certeza da relatividade do tempo.

Os clientes somente pedem coisas pra ontem porque há uma concepção difundida e consolidada de que o bom profissional criativo é aquele apaixonado pelo trabalho e não faz cara feia quando surge uma demanda urgente. Seja qual for, no momento em que surgir.

Na visão do consultor de gestão e autor paulista Francisco Higa, essa é uma questão cultural:

“Muitos gestores confundem esforço necessário com alto nível de estresse e passam a considerá-lo condição para o êxito de um trabalho. Para quem admira e pratica as virtudes do estresse, planejar é uma tremenda perda de tempo.”

Nessa perspectiva, quem é “parceiro”, atende. Quem não é questiona, contesta e, pior dos pecados, diz que não é possível atender no prazo.

Quase nunca é fácil negar algo a um cliente. Mas por vezes é necessário. Quando você aceita o prazo que pode comprometer a qualidade do projeto, automaticamente eleva o FATOR VDM. É quase uma roleta russa. Pode ser que tudo dê muito certo no final. Pode ser que não.

Veja como um mesmo movimento do cliente pode gerar diversos cenários de desastre:

Undo/Redo
O chefe do seu cliente resolveu mudar “umas coisinhas” no folder na hora em que você acabou de enviar a arte final por e-mail para a gráfica. Você muda as coisinhas e manda uma novo arquivo. Mas a gráfica se enrola e imprime o seu primeiro arquivo.

On-line/Off-line
O chefe do seu cliente resolveu mudar “umas coisinhas” no folder na hora em que você acabou de enviar a arte final por e-mail para a gráfica. Só que as coisinhas não são tão coisinhas assim. Você trabalha como um cachorro, consegue terminar as alterações na madrugada e, na hora de mandar para a gráfica de novo, a internet cai. E não volta mais. Lá fora chove torrencialmente. As ruas estão todas alagadas. E a gráfica que estava aguardando não se responsabiliza mais pelo prazo da entrega.

Copy/Paste
O chefe do seu cliente resolveu mudar “umas coisinhas” no folder na última hora. Ele passa as mudanças para você falando no celular porque não dá para dirigir e escrever ao mesmo tempo. Você se vira para anotar tudo e ele te agradece muito pelo comprometimento. Você muda as coisinhas e manda para a gráfica. Quando o chefe do seu cliente vê o resultado fica furioso e diz: “Você entendeu tudo errado!”

O FATOR VDM está diretamente ligado à falta de processos ou à ausência de documentação de projeto. Portanto não tenha dúvidas: o prazo é um dos principais fatores críticos que podem levar ao fim de relações, por mais esforçado que você tenha sido para que desse tudo certo.

E não tenha dúvida. Se deu errado, a culpa será sua.

Você encontra a versão impressa do FATOR VDM à venda no site da Ímã Editorial.

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