Como as áreas de tecnologia e a saúde podem caminhar juntas?

Laura Clobochar Pereira
Venturus
Published in
11 min readFeb 12, 2019

Por Livia Fagali de Barros

A tecnologia aplicada à medicina tem revolucionado os processos de diagnóstico e o tratamento de doenças. Além da inclusão de aparelhos eletrônicos e aplicativos digitais, o uso de tecnologias alternativas na medicina é uma das transformações que procuram melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Com o objetivo de melhorar e prolongar a vida dos pacientes e contribuir para o trabalho de profissionais da saúde, a medicina diagnóstica associada ao avanço da tecnologia evoluiu bastante nos últimos anos. Exames, procedimentos e resultados tornaram-se mais simples, rápidos e seguros, reduzindo a ocorrência de procedimentos invasivos e agilizando exames e resultados.

1 ) Disrupção

A “inovação disruptiva” pode ser entendida como descontinuidade, uma ruptura com os padrões, modelos e tecnologias já estabelecidos no mercado.

O uso de tecnologia como aliada no campo de cuidados com saúde pode ser considerada como uma “inovação disruptiva” por alguns motivos, como:

  • Fornecer um sistema de cuidados de saúde com baixo custo é um desafio complexo em nível global;
  • “Inovação disruptiva” transformou as indústrias de automóveis e computadores, de forma que seus produtos tornaram-se acessíveis a várias classes financeiras da população. Potencialmente, o mesmo movimento pode ocorrer no sistema de cuidados de saúde;
  • Uma inovação disruptiva pode direcionar uma indústria inteira a uma direção completamente nova. Inicialmente, um produto disruptivo pode não ser tão bem aceito quanto produtos já existentes, mas pode mostrar-se mais econômico e ser melhorado constantemente;
  • Para que ocorra essa disrupção, são necessários novos modelos de negócio, tecnologias e redes de valores. Para sistemas de cuidados de saúde, o primeiro e indispensável passo é a atenção aos modelos de negócios. Este campo demanda mais modelos econômicos de negócio, que entreguem alta qualidade paralelamente;
  • Uma medicina baseada em tecnologia deve substituir a medicina mais intuitiva/empírica que, embora seja baseada na experiência do profissional e capacidade de reconhecer padrões de sintomas, está sujeita a erros, esquecimentos ou falta de informação.;
  • Uma medicina integrada pode diminuir os custos para os envolvidos, se fornecedores puderem diminuir custos e manter a qualidade.

2) Custos

Em 2016, houve um recorde com custos de saúde, na ordem de 11,05% (o maior valor registrado desde 2001). Esse aumento não foi acompanhando pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que girou em torno de 6,29%, como aponta IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ou seja, o custo com saúde não foi acompanhado pelos salários dos brasileiros.

Ainda neste contexto, há indícios de que os gastos direcionados à saúde continuem subindo. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2010, o custo com tratamento de doenças atingiu 9% do Produto Interno Bruto (PIB) e, em 2016, ultrapassou os 10%.

De acordo com uma predição do Ministério do Planejamento, em 2050, o PIB do Brasil será de R$ 50,6 trilhões. Além disso, o gasto com saúde tem possibilidade de consumir cerca de 20% de todas as riquezas brasileiras, de acordo com estimativa da OCDE. Assim, caso nenhuma ação seja tomada em relação à prevenção de doenças, poderão ser consumidos no mínimo R$ 10 trilhões do PIB em saúde.

3) Exemplos de tecnologias que podem ser aplicadas na área da saúde:

a) Big data

De uma forma simplificada, o conceito de Big data pode ser entendido como um conjunto de informações extraídas de um grande volume de dados. Através do uso da tecnologia Big Data Analytics, é possível identificar similaridades dentro de um grupo de indivíduos ou em uma localidade — por exemplo, a ocorrência de determinado tipo de enfermidade e sua correlação com uma característica genética, faixa etária e gênero.

Sendo assim, através da utilização da tecnologia Big data, é possível realizar o processamento de dados estruturados e não — estruturados. Outro aspecto bastante importante é que esse tecnologia, além de analisar os dados existentes, pode responder perguntas que ainda não foram idealizadas, ao sinalizar novos caminhos, possibilidades e descobrir novos padrões nos dados analisados.

Com o uso dessa tecnologia na área da saúde é possível pensar na melhora de possíveis diagnósticos de um paciente e até na diminuição de custos de pesquisa graças à disseminação de conhecimento.

Uma análise bem feita de dados administrativos pode ser o diferencial para a melhoria do processo de triagem e admissão, a distribuição de funcionários ou a alocação de leitos, por exemplo.

b) Blockchain

De acordo com o artigo Blockchain: liberdade com confiança:

“Blockchain é uma tecnologia que permite que dados íntegros sejam compartilhados em um sistema puramente distribuído.

O termo blockchain também pode ser empregado para nomear a estrutura de dados utilizada nessa tecnologia, ou o algoritmo responsável por manipular esse mecanismo de dados, ou como um termo genérico, que se refere aos sistemas totalmente distribuídos que utilizam a blockchain.

Chama-se de sistema puramente distribuído aquele que é composto por partes totalmente independentes sem nenhum elemento central. Um exemplo desse sistema seria um grupo de amigos que trocam entre si seus livros favoritos. Um sistema centralizado, por sua vez, seria exemplificado por um sebo ou uma biblioteca que intermedia as trocas das obras. Contudo, a situação se torna mais complexa quando há a intenção de realizar trocas independentes entre pessoas desconhecidas ou caso o livro de empréstimos da biblioteca for danificado ou adulterado.

Utilizando a blockchain, é possível realizar transações seguras entre os interessados em um ambiente de baixa confiança sem a necessidade de se expor ao risco e aos custos de um intermediador.”

Sendo assim, trata-se de uma tecnologia que pode trazer mais segurança, confiabilidade e transparência às mais distintas áreas de um negócio. Consiste em outra tecnologia para armazenar as grandes quantidades de dados gerada como dados sensíveis de pacientes como resultados de exames, dados administrativos dos estabelecimentos de saúde que impactam diretamente em custos, qualidade e valor.

Como os custos com a saúde, atendimentos e administração podem ser positivamente impactados com a tecnologia blockchain?

Com o uso da tecnologia blockchain, pode-se ter uma centralização e otimização dos dados relacionados às despesas administrativas. Além disso, é possível pensar em formas mais efetivas para cadastro e manutenção de dados pessoais, evitando duplicidades em situações como: dados sensíveis dos pacientes, dados relativos a estudos e imagens de exames e resultados laboratoriais. A duplicidade gera gastos financeiros e de tempo dos profissionais, o que também reflete em mais repasse de gastos para o paciente.

Como a qualidade da saúde, atendimentos e administração podem ser positivamente impactados com a tecnologia blockchain?

A tecnologia blockchain pode impactar positivamente a qualidade da saúde, atendimentos dos pacientes e administração dos estabelecimentos de saúde através de segurança e integridade, fornecendo formas eficazes de compartilhamento e acesso da informação, impactando positivamente a redução de custos com essas operações.

Em contrapartida, há alguns pontos que precisam ser analisados antes da adoção da tecnologia blockchain:

  • Custos para implantação do sistema e hardware: é necessário que todos os estabelecimentos tenham os hardwares e uma rede de interligação robustos para adicionar os blocos de informações;
  • Definição de escopo e alcance: pode ser difícil mensurar esses aspectos em um início de implantação de sistema;
  • Barreiras técnicas: Por exemplo, é necessário ter um sistema de comunicação de dados robusto em hospitais, clínicas e laboratórios;
  • Custos de gerenciamento: relacionados aos hardwares e rede robusta já citados, consideram também o treinamento dos profissionais envolvidos na manutenção e input de dados no sistema;
  • Questões relativas à legislação e privacidade e treinamento dos profissionais que irão lidar com esses dados sensíveis.

c) Internet das coisas (IoT)

Umas das alternativas de uso da tecnologia de “internet das coisas” é como recurso contra a perda de insumos.

Pode ser aplicada, por exemplo, no combate ao desperdício de vacinas. É estimado que até 50% do total de vacinas produzidas mundialmente sejam perdidas por ano, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas). Entre as causas citadas encontram-se: falhas de energia, refrigeradores inadequados, deficiência e escassez de monitoramento contínuo das temperaturas e condições de armazenamento e falta de treinamento de profissionais da saúde.

A conservação adequada e o monitoramento de temperaturas, que muitas vezes ficam em segundo plano nos investimentos governamentais, são itens imprescindíveis dentro deste contexto. Com toda a tecnologia disponível e em desenvolvimento atualmente, é possível minimizar ou sanar essas causas.

Ainda dentro desta abrangente área de “Internet das Coisas”, tem-se os dispositivos móveis, também conhecidos como “wearables. Esses aparelhos fornecem informações aos pacientes, como dados sobre a qualidade do sono, quantidade de calorias gastas por dia, número de passos, frequência cardíaca, temperatura e pressão arterial.

Pacientes hipertensos, por exemplo, podem ser beneficiados pelos chamados smartwatches. Os dispositivos são conectados diretamente a um aplicativo instalado em um celular ou tablet e são capazes de medir a pressão arterial, nível de oxigenação, batimentos cardíacos e outros indicadores. Assim, esses índices podem ser acompanhados em tempo real por médicos e profissionais de saúde.

É importante também citar os dispositivos que monitoram grandezas como CO2, Nitrogênio, Temperatura, Umidade, Eletricidade, Oxigênio e estão cada vez mais presentes em ambientes hospitalares. Um hospital com setor de UTI, por exemplo, possui uma série de gases, equipamentos e materiais coletados, ou seja, itens que precisam de controle para garantir a qualidade e a segurança do paciente e colaboradores dentro do ambiente.

Outros exemplos de uso de IoT em cuidados com saúde ainda em desenvolvimento:

  • Neogia: tecnologia combinada utilizando IoT e inteligência artificial para monitorar ocorrências de apnéia — condição bastante perigosa, que consiste em paradas periódicas de respiração durante o sono e, secundariamente, geração de sintomas como hipertensão, cardiopatias, acidentes cerebrais, diabetes e sonolência — através de um smartwatch. Através de sua aplicação, será possível montar um perfil do paciente que sugira métodos de melhoria no padrão de sono.
  • Bloomlife: consiste em um dispositivo capaz de monitorar a barriga durante a gravidez e medir contrações através da obtenção da atividade elétrica dos músculos uterinos. Essa informação é enviada ao smartphone e, com algum conhecimento, é possível identificar se é o caso de um “falso alarme” (por exemplo, contrações de Braxton Hicks) ou o início de trabalho de parto real.

4) Um olhar para o Profissional de saúde

Através de recursos proporcionados pelo uso de tecnologia focada em gestão e eficiência como a digitalização de processos ou de um sistema que faça a gestão das finanças e da administração de uma clínica em geral , profissionais da saúde ganham tempo e energia, de forma que podem focar seu desenvolvimento profissional e o cuidado de seus pacientes.

Seguem algumas possibilidades:

a) Prontuário Eletrônico

Com esse tipo de sistema, é possível centralizar as informações de um paciente em um único local. Combinado com um sistema em nuvem, a obtenção desses dados torna-se muito mais rápida e possível de ser realizada de qualquer local com acesso à Internet, o que pode ser crucial em casos de emergência.

Esse modo de gestão das informações em nuvem pode causar uma estranheza de início, porém, pode-se considerar que, com esse sistema, diminui-se o acúmulo de informações em uma máquina física, que é sujeita a restrição de recursos e possíveis riscos.

Além disso, os dados são armazenadas com mais segurança e confiabilidade, não sendo mais sujeitos aos riscos do armazenamento em papel ou à falta de comunicação entre pessoas.

Outro aspecto a ser considerado é que, com esse acesso a dados centralizados, o profissional pode rapidamente saber se há algum procedimento ou medicação altamente contra — indicado para seu paciente, bem como um procedimento que tenha sido indicado previamente e não realizado. De outra forma, essas informações não chegariam até o profissional e, contextualizado em uma situação de emergência, as informações podem ser cruciais na manutenção da vida do paciente.

b) Tecnologia para procedimentos cirúrgicos

Recentemente, a Anvisa aprovou um software que coleta e armazena dados vitais de pacientes em cirurgia, em tempo real. Este software, chamado Centricity Anesthesia, permite que o anestesista concentre-se totalmente no paciente e garanta um melhor atendimento. Para informações mais detalhadas, consulte este link.

A cirurgia robótica também tem evoluído rapidamente, tornando procedimentos cirúrgicos mais eficazes e reduzindo possíveis riscos. De acordo com o site RetinaLink, hospitais americanos já utilizam a Realidade Aumentada e a tecnologia de imagens 3D na realização de cirurgias. Especialmente em regiões delicadas, como cérebro e olhos, essa ferramenta torna o trabalho dos médicos e a experiência dos pacientes menos desconfortável, evitando que apenas microscópios sejam utilizados.

Mais um notável avanço pode ser visto através da utilização de tecnologias 3D. Bem próximo ao Venturus , temos o CTI Renato Archer (Centro de Tecnologia da Informação), com o programa do governo ProMED (Programa de PD&I de Aplicações de Tecnologias 3D na Medicina/Saúde), cujo objetivo é auxiliar no planejamento de cirurgias complexas. Através de tecnologias 3D, é possível criar réplicas das regiões lesionadas, os “biomodelos”, que podem ser utilizadas em ensaios cirúrgicos, como marcações, cortes, moldagem e fixação de próteses.

Em associação com os biomodelos, a tecnologia 3D também possibilita a criação de artefatos cirúrgicos personalizados, tais como moldes de próteses para a região craniana e ferramental. Entretanto, para que seja possível ter todos estes recursos, é sumariamente necessário o desenvolvimento e aperfeiçoamento de modelos digitais.

Há dois grupos de pesquisa associados ao ProMED:

  • InVesalius: grupo de desenvolvimento do software livre para visualização de tratamento de imagens médicas. Este grupo, em julho de 2017, possuía usuários em 143 países;
  • Bioengenharia: grupo que estuda a simulação mecânica de sistemas biológicos para que os modelos de próteses e órteses incorporem elevado grau de personalização, com o intuito de permitir que as próteses se adaptem aos paciente e não o contrário.

Também há as seguintes linhas de pesquisa com forte aplicação de tecnologia:

  • Modelagem de estruturas tridimensionais para crescimento de tecidos e órgãos, chamados de scaffolds biológicos;
  • Simulação computacional dos processos envolvidos em crescimento de órgãos;
  • Impressão 3D de novos biomateriais.

5) Um olhar para o Paciente

a) Realização de exames

Outro avanço que pode ser verificado é referente à realização de exames que, no passado, eram baseados em procedimentos mais invasivos, agressivos e dolorosos e que, atualmente, podem ser realizados através de ressonância magnética, tomografia computadorizada ou PET-CT (Tomografia por Emissão de Pósitrons ou, conforme a sigla em inglês, Positron Emission Tomography).

Tal avanço também proporcionou a melhora na precisão e tempo de retorno dos diagnósticos, aumentando a chance de sucesso na escolha e resultado de tratamentos. Por exemplo, através de exames específicos, médicos podem mapear a localização e tamanho exatos de tumores “pequenos” e de células cancerígenas, o que facilita a tomada da decisão quanto ao tipo e velocidade de tratamento a ser adotado.

b) Telemedicina — Atendimento remoto

Ainda em fase inicial, a telemedicina é a fusão de tecnologias e aplicações que permitem a realização de ações médicas à distância — seja atenção ao paciente ou a outros profissionais da área.

Com a evolução dos meios de comunicação, é natural que o contato entre médicos e pacientes seja feito à distância, sendo igualmente eficaz e benéfico. Além disso, a telemedicina pode ser usada para aprimorar estudos científicos ou, ainda, emitir laudos e resultados. A telemedicina traz, junto com os avanços tecnológicos, a possibilidade (e a esperança) de uma saúde mais acessível e democrática, uma vez que pode positivamente afetar a vida de pessoas que vivem em áreas remotas ou com menos recursos médicos.

Conclusão:

Uma das finalidades da tecnologia é gerar experiência para os seus usuários, independente da área de atuação.

Por um lado, a tecnologia adotada e o software implantado devem auxiliar equipes e responsáveis a gerir materiais sensíveis com alto custo (para o bolso e para a vida), tais como medicamentos, os mais variados tipos de exames, vacinas, análises clínicas, bolsas de sangue e alimentos.

Por outro lado, devem gerar e lidar com dados extremamente sensíveis e valiosos, que vão desde o sistema administrativo e financeiro desses ambientes até o mais importante e delicado de todos, os dados do paciente, de forma segura, efetiva, confiável e principalmente responsável.

Realmente, há muitas ideias e iniciativas novas na intersecção entre saúde e tecnologia. Fica um ponto de reflexão: não apenas o que é novo, disruptivos e diferente é necessário, mas, também, uma real atualização e melhora em produtos e serviços já existentes, através de um processo gradual e constante. E não é por isso que o trabalho será menor ou menos empolgante!

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