Eliminando o papel — A indústria paperless

Sylvio Alves
Venturus
Published in
6 min readFeb 14, 2019

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Pode ter certeza: o uso do papel impresso está diminuindo do nosso cotidiano — e também das indústrias.

As indústrias de manufatura já reconhecem os ganhos alcançados pela eliminação do papel e digitalização do sistema. Considerando-se a natureza do chão de fábrica e do número de pessoas que precisam colaborar e compartilhar informações, a ideia de uma manufatura paperless extende os benefícios para várias áreas da indústria, trazendo transformações fundamentais nas operações.

A indústria paperless tem se popularizado durante os últimos anos. A inserção de dados manuais em computadores ou planilhas no processo fabril podem resultar em falhas como imprecisão e latência, os quais podem comprometer a qualidade de um produto. As empresas de grande porte e de tecnologia já evitam o uso de papel nas linhas de produção, obtendo melhores índices de qualidade, eficiência em inovação e rápida atualização dos procedimentos dos processos. No entanto, muitas delas ainda usam o papel e podem perder espaço de mercado ao tornarem-se menos competitivas, já que isso é uma tendência entre as indústrias.

O grande desafio então é fazer a transição do modelo atual para o paperless. No entanto, não é fácil refazer um processo estável que já está funcionando há anos. Seria um erro pensar que simplesmente converter documentos em arquivos PDF é a solução para operar em modo paperless. Trocar o papel por uma tela de computador não define o modo de operação de manufatura sem papel. Transformar tudo em digital é só o início da solução completa.

Há ganhos em diversos aspectos através da eliminação de papel na indústria:

Redução de custos

A diminuição ou eliminação do uso do papel é a base do contexto. Mas na prática os efeitos são ainda maiores do que parece ser. Numa multinacional de manufatura, imagine a quantidade de papel que se acumula entre ordens de trabalho, relatórios, instruções de máquinas etc., sem ainda considerar o fato de ter que lidar com a estocagem desse conteúdo. Ganha-se de forma significativa com a redução de gastos da compra de papel, espaço de armazenamento, custos de eliminação e indiretamente com a gestão de documentos. Por falar em gestão de documentos, entenda que colaboradores precisam imprimir e distribuir instruções de trabalho por toda a fábrica de forma contínua e dinâmica. Além de sobrecarregar colaboradores com tarefas de baixo retorno, aumenta o risco de erro devido à frequente atualização da versão de documentos.

Flexibilidadade e rapidez

A dinâmica da manufatura depende da demanda de clientes, disponibilidade de material e de máquinas. Ações podem ser tomadas de forma rápida num ambiente sistematizado, seja atualizando os procedimentos de trabalho, regras de operação ou compra de material. As informações obtidas em tempo real permitem acelerar as tomadas de decisão, dado que diminui a latência do processo após a eliminação de relatórios em papel. Isso também é extendido quando pensamos que a mesma informação fabril pode ser disponibilizada remotamente para engenheiros e stakeholders.

Analisando o cenário atual, onde os processos tendem a se tornar mais enxutos e com novas regulamentações, a rapidez nas tomadas de decisão se transformam em redução de custos ou de prejuízos. Considere um cenário onde um produto sofre recall. A rápida análise de dados minimiza o prejuízo através da localização dos lotes com falhas, da busca pela causa raíz e da correção do processo/qualidade.

Eficiência e produtividade

As informações do chão de fábrica utilizadas no planejamento de produção não dependem da finalização das ordens de trabalho em andamento. Os relatórios de produção são imediatos e automatizados. Qualquer informação adicional pode ser encontrada no banco de dados e sem a necessidade de procurar em pilhas de papel. O tempo poupado nestas situações pode ser usado em atividades de maior valor agregado. A performance de um operador é otimizada pelo tempo gasto nas etapas de fabricação, testes e montagem de produtos, e não pelo tempo procurando informação de processo em documentos.

Redução de risco e segurança

Num cenário sem papel, não há riscos da concorrência de documentos com revisões diferentes ou fora de ordem. Instrução de produção, manuais, ordem de serviço e lista de materiais são disponibilizados de forma correta durante o processo, eliminando o modelo atual de manter a papelada em ordem revisada. Neste modelo de trabalho, diminui-se o risco de reprovação em auditorias e garante-se aos operadores a correta instrução do processo, que por sua vez resulta em menor índice de retrabalho e geração de sucatas.

Qual o desafio em eliminar o papel da manufatura?

A eliminação de papel pode ser visto como desafiador e trabalhoso. Muitos empresários podem enxergar a necessidade de uma manobra custosa para alcançar o objetivo lançado, mas a boa noticía é que o processo pode ser quebrado em etapas. Ao invés de aplicar grande recurso na atualização da linha produtiva de uma vez, pode-se implementar o sistema em fases, modificando a linha de produção aos poucos. A execução gradativa do projeto garante maior controle e diminuição dos riscos.

A base para o ecossistema de uma empresa sem papel consiste em ter dados capturados automaticamente através de scanners, sensores e câmeras. A inserção de telas touchscreen junto aos sistemas de automação contribuem para agilizar o processo de manufatura. Inclui-se também a inserção de monitores que exibem dados em tempo real e dados consolidados da operação. Um passo importante é garantir que dados que já foram inseridos uma vez sejam re-utilizados em qualquer parte da cadeia de produção, seja ela em departamento de manufatura, administrativo ou financeiro.

Para gerenciar o processo e garantir o fluxo de informações, um sistema de execução de manufatura (MES, do inglês Manufacturing Execution System) torna-se recomendado. Este sistema é capaz de gerenciar microscopicamente todos os dados gerados pelo processo e possibilita a integração das informações do chão de fábrica para com o sistema de gestão de produção — entre eles o ERP (Enterprise Resource Planning).

A interface com o operador também deve ser modificada. Nada mais de papel. Para isso, o tipo de conteúdo deve ser analisado. O portal de informações deve ser capaz de apresentar conteúdo interativo através de imagens em 3D, lista de materiais, controle de revisão, manual de operação e de boas práticas. A visualização de dados precisa ser configurável para permitir uma visão macro ou micro do processo, através de poucos toques na tela. Qualquer dúvida quanto à fabricação de uma peça pode ser respondida através do desenho navegável na tela touch. Permite-se também que o operador envie um feedback para a engenharia com correções ou sugestões de melhoria.

Do ponto de vista da engenharia, onde mudanças de produto e processo ocorrem frequentemente, a atualização de documentos é realizada de forma mais eficiente. Com a implementação de um sistema automatizado de atualização de procedimentos no chão de fábrica, o controle de revisão torna-se rápido e seguro. As alterações são feitas com poucos cliques e desafogam os colaboradores de terem que procurar e remover os antigos documentos. Conforme citado anteriormente, há também o benefício dos engenheiros serem avisados pelos operadores com feedbacks dos procedimentos atuais.

A integração de novos produtos torna-se mais confiável nesse ambiente. Assinaturas digitais de aprovação simplificam o pocedimento de manufatura e evitam que dados incorretos corrompam o sistema do chão de fábrica. Isso tudo gera rastreabilidade em toda a cadeia do processo.

Todo o investimento feito na melhoria da cadeia produtiva também é refletido no consumidor final. A garantia de um produto sendo fabricado com qualidade e com rápido lançamento no mercado, estreita os laços com o cliente. Isso aumenta a satisfação e melhora a retenção do consumidor.

A melhoria no processo produtivo de uma indústria gera benefícios para clientes e investidores. Eliminar papel do processo é uma das grandes oportunidades. Para isso deve existir um empenho da gerência e dos colaboradores para implementar e garantir essa mudança. Uma manufatura inteiramente paperless é muito mais do que apenas a digitalização de documentos de processo e exibição numa tela. O gerenciamento de dados de uma indústria desde as folhas de instruções até a expedição do produto é o caminho para eliminar o papel, diminuindo assim a sobrecarga de engenheiros e operadores, além de tornar o processo produtivo mais confiável. Na era da indústria 4.0, eliminar papel é apenas o primeiro passo para se tornar uma indústria inteligente.

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Sylvio Alves
Venturus

engenheiro de automação e sistemas embarcados