Veículos elétricos e seus impactos no sistema elétrico brasileiro

Laura Clobochar Pereira
Venturus
Published in
8 min readFeb 15, 2019

Por Frederico Gonçalves

O mercado mundial de veículos movidos a energia elétrica está em expansão e deve avançar ainda mais nos próximos anos. O número de veículos elétricos no mundo ultrapassou a marca de 2 milhões de unidades no ano de 2016, um aumento de 60% em relação ao ano anterior, segundo a International Energy Agency. Embora ainda representem uma pequena porcentagem da frota mundial, a projeção da consultoria Morgan Stanley é de que, em 2030, automóveis elétricos componham cerca de 16% da frota de veículos.

A expectativa em torno desse crescimento está relacionada, em grande medida, a mudanças regulatórias que vem sendo adotadas ao redor do mundo para reduzir as emissões de partículas poluentes relacionadas ao aquecimento global e ao efeito estufa. A fumaça emitida por veículos com motores de combustão interna é a principal causa da poluição em grandes centros urbanos e responde por um quinto de toda a emissão de dióxido de carbono, um dos principais gases do efeito estufa.

O Acordo de Paris, um tratado internacional de combate ao aquecimento global firmado em 2015, estabeleceu metas para redução de gases do efeito estufa. Alinhados a essas metas, países como Reino Unido e França anunciaram recentemente que veículos de combustão interna não serão mais produzidos a partir de 2040. Alemanha, Holanda e Índia também anunciaram que devem proibir a comercialização de veículos de combustão a partir de 2030.

Em países que dependem fortemente de energia termoelétrica, a redução da poluição promovida pelos veículos elétricos pode ser comprometida, ao menos em parte, pelo aumento da poluição gerada na produção de energia elétrica. No Brasil, temos um cenário bastante favorável nesse sentido, já que nossa matriz energética é baseada em energia limpa e renovável, predominantemente de fontes hidrelétricas.

Além da redução da poluição, já que motores elétricos não emitem gases, a mobilidade elétrica promete trazer outros benefícios, como a redução da dependência a derivados de petróleo e, talvez o que chame mais a atenção, a redução dos gastos dos consumidores com abastecimento. Segundo resultados divulgados pelo Emotive, um projeto de pesquisa da CPFL Energia, o custo por quilômetro rodado de um carro a combustão é de R$ 0.31, enquanto o de um veículo elétrico é de R$ 0.11, ou seja, algo em torno de três vezes menor.

O Brasil também está atento a essas transformações e aos benefícios que a introdução dos veículos elétricos pode trazer ao país. É claro que, além dos benefícios, haverá também desafios para viabilizar essa nova tecnologia. Dentre esses desafios estão os impactos que os veículos elétricos podem trazer ao sistema de energia elétrica.

Veículos elétricos puros e híbridos

Os veículos elétricos podem ser classificados em veículos elétricos puros (que são os veículos que possuem apenas motores elétricos) e veículos elétricos híbridos (que são veículos que possuem tanto motores elétricos como motores de combustão interna convencionais).

Os veículos elétricos puros armazenam energia em bancos de baterias que devem ser recarregadas através da rede elétrica. Os veículos elétricos híbridos, por outro lado, podem ser abastecidos com combustíveis convencionais (como gasolina e diesel). Nesses veículos, a energia cinética gerada pelo motor na combustão é utilizada para recarregar o banco de baterias que alimenta a tração elétrica. Os veículos elétricos híbridos plugin possuem, também, a possibilidade de recarga das baterias diretamente através da rede elétrica.

A recarga das baterias de um veículo elétrico (seja ele puro ou híbrido plugin) pode ser feita em eletropostos de abastecimento ou mesmo em residências. Os eletropostos normalmente utilizam um sistema de carregamento que permite a recarga rápida. Esse tipo de recarga permite o abastecimento de 80% da carga das baterias em 30 minutos. Já a recarga convencional, que poderá ser realizada por pessoas diretamente em suas residências, pode levar mais de 8 horas.

Os eletropostos de abastecimento rápido já estão sendo instalados na rede pública de abastecimento, shoppings e empresas. Algumas vias do Brasil, como a Rodovia Presidente Dutra e a Rodovia dos Bandeirantes, já contam com eletropostos de abastecimento rápido.

Além do consequente aumento da demanda de energia para a recarga das baterias, as características de reabastecimento dos veículos elétricos (consideravelmente mais lenta que o abastecimento de combustíveis convencionais) deverá definir o modo como as pessoas irão realizar a recarga de seus veículos e, consequentemente, de que forma essa demanda irá impactar a rede elétrica.

Impactos no sistema elétrico brasileiro

Contrariando a opinião de alguns especialistas, resultados de pesquisas recentes apontam que o sistema elétrico brasileiro está preparado para absorver o crescimento da demanda por energia elétrica vinda da expansão do número de veículos elétricos em operação no país.

Estudos da CPFL Energia preveem que até 2030 os veículos elétricos no Brasil devem representar algo em torno de 3.8% da frota total (foram incluídos tanto veículos elétricos puros quanto híbridos plugin). Segundo a CPFL, considerando uma participação dos veículos elétricos entre 4% e 10% da frota, o acréscimo no consumo de energia ficaria entre 0.6% e 1.6%. Os estudos da CPFL mostram que essa carga adicional poderia ser absorvida pela capacidade do sistema elétrico atual.

A pesquisa da CPFL indica, ainda, que os impactos nas redes de distribuição de energia também seriam pequenos. Nos testes realizados pela CPFL, para uma penetração de até 5% dos veículos elétricos na frota total, 80% das redes de distribuição não apresentaram nenhum problema. Ou seja, essas redes de distribuição não precisariam de novos investimentos para atender a essa nova demanda.

Aumento da demanda em horários de pico

O horário de pico (ou horário de ponta) de consumo de energia elétrica ocorre entre 18h e 21h. Nesse período, o consumo de energia elétrica é maior do que no restante do dia, pois temos mais cargas elétricas funcionando simultaneamente. Além das fábricas, que continuam operando, nesse período temos um maior uso de energia nas residências e na iluminação pública.

O acréscimo de demanda de energia causado pela inserção dos veículos elétricos pode trazer risco de sobrecarga do sistema elétrico nos horários de pico. Isto é, imagine um cenário em que todas ou boa parte das pessoas que possuem veículos elétricos, ao retornarem para casa após o expediente, colocam seus carros para recarregar. Esse cenário não é improvável, em especial se levarmos em consideração que a recarga completa das baterias de um veículo elétrico pode levar várias horas.

Para evitar os elevados custos de planejar a infraestrutura de energia para atender à demanda do horário de pico, as concessionárias podem fazer uso de tarifas diferenciadas para incentivar usuários a consumirem energia fora desse período. No Brasil, a chamada Tarifa Branca já promove o consumo de energia fora dos horários de pico através de tarifas mais baratas. Atualmente, a opção pela tarifa branca está disponível para consumidores com média de consumo mensal superior a 500 kWh, mas a opção será estendida para os demais consumidores.

Smart Charging

O uso de tarifas diferenciadas fora dos horários de pico permite que as operadoras tenham algum controle sobre a distribuição da demanda de energia, ajudando a estabelecer uma carga mais uniforme ao longo do dia. Esse cenário fica ainda mais interessante quando esse gerenciamento da demanda é executado automaticamente pela rede elétrica.

Os Smart Grids (redes inteligentes), que tem se tornado comuns ao redor do mundo e já estão em teste em algumas cidades do Brasil, fazem uso de um medidor inteligente. Esse medidor registra o consumo de energia elétrica e envia os dados diretamente para a concessionária através de uma infraestrutura de comunicação. A mesma infraestrutura de comunicação pode ser utilizada para que a concessionária envie dados para os consumidores. Esses dados podem conter informações úteis para o usuário, como, por exemplo, o gasto corrente de energia. Esse canal de comunicação também pode ser usado para enviar informações de controle que promovam ações para o aumento de eficiência energética.

O sistema de carregamento dos veículos elétricos poderia fazer uso desse mecanismo de comunicação para que a concessionária pudesse gerenciar a carga do grid. Imagine um cenário em que o consumidor conecta o seu veículo elétrico a um terminal de abastecimento (que poderia estar em sua residência) e aciona uma opção de carregamento em modo econômico. Nesse modo de carregamento, o consumidor estaria autorizando a concessionária a realizar a carga do veículo no momento mais adequado e, em contrapartida, a tarifa de energia seria mais barata.

Esse conceito tem sido chamado de smart charging (ou carregamento inteligente) e pode permitir o gerenciamento da demanda de energia dos veículos elétricos por parte das concessionárias. Para os consumidores, também seria interessante, já que eles não precisariam controlar diretamente a recarga do veículo.

Armazenamento de energia

Outro desafio que as concessionárias devem enfrentar nos próximos anos é o desbalanceamento da rede causada pelo crescimento das fontes de energia distribuídas, como a solar e a eólica. Essas fontes de energia são tipicamente intermitentes, isto é, elas não são capazes de gerar energia de forma uniforme ao longo do dia. Por exemplo, as células fotovoltaicas geram energia apenas durante o dia. Dessa forma, ao final do dia, justamente no momento de pico de demanda, as concessionárias não podem contar com a geração de energia solar. Esse problema deve aumentar nos próximos anos, à medida que houver maior participação da geração distribuída no sistema elétrico.

Uma possível solução para o problema seria que as concessionárias investissem em tecnologias para armazenamento de energia, usando, por exemplo, bancos de baterias. Dessa forma, a energia gerada por essas fontes de energia intermitentes poderia ser armazenada para uso em momentos de maior demanda.

Nesse cenário, os veículos elétricos podem ser entendidos como um enorme banco de baterias para armazenamento de energia solar e eólica. Esse conceito é conhecido como V2G (Vehicle to Grid) e vem sendo estudado ao redor do mundo como uma alternativa para concessionárias trazerem mais estabilidade à rede de energia. Com essa tecnologia, os proprietários de veículos elétricos poderiam recarregar as baterias durante períodos de baixa demanda e, posteriormente, revender a energia para a rede elétrica em períodos de pico de demanda. Para os usuários, isso representaria uma oportunidade de redução ainda maior do custo de reabastecimento dos veículos elétricos.

Rota 2030

O governo brasileiro recentemente apresentou a aprovação do programa “Rota 2030”, que trará novos incentivos para viabilizar a introdução de veículos elétricos no Brasil. Além de incentivos fiscais para a importação e a fabricação de automóveis elétricos, o programa deverá promover também a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias no setor.

Empresas e concessionárias do setor de energia elétrica também devem continuar investindo em pesquisas para o melhor entendimento dos impactos dessas transformações no setor de energia elétrica, assim como para o amadurecimento de tecnologias como smart charging e vehicle to grid que ainda precisam ser desenvolvidas.

A mobilidade elétrica, ao lado de outras tendências como a geração distribuída de energia eólica e solar, é mais um dos fatores que devem mudar sensivelmente o panorama do sistema elétrico no futuro próximo, trazendo oportunidades e desafios para as empresas e concessionárias do setor.

Referências

  • International Energy Agency: Global EV Outlook 2017 (link)
  • Morgan Stanley, Batteries May Power the Future of Auto Industry (link)
  • FGV: Recarga de veículos elétricos: o que esperar quando o combustível dos nossos carros for a eletricidade? (link)
  • CPFL: Veículos elétricos trazem economia de até 84% nos gastos com combustível (link)
  • CPFL Energia propõe criação de estratégia nacional para impulsionar crescimento de mobilidade elétrica no Brasil (link)
  • CPFL Energia e Rede Graal instalam novo eletroposto para veículos elétricos na Rodovia dos Bandeirantes (link)

Saiba mais em

--

--