Em meio ao preconceito e ao futebol, Sterling aparece como uma figura de luta contra o racismo

Atacante inglês enfrenta o racismo mostrando a sua qualidade dentro e fora de campo

Rafael Bizarelo
Venzo Media
6 min readOct 14, 2019

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Raheem Sterling celebrando gol contra Montenegro em 2018 (Foto: Reprodução/Twitter)

Raheem Sterling tem melhorado cada vez mais no Manchester City. Bicampeão da Premier League, o atacante foi cotado por muitos para aparecer em premiações dos melhores jogadores da temporada 18/19, mas foi deixado de lado pela FIFA. Em campo, Sterling é fundamental para o seu time, e fora dele, é uma voz na luta contra o racismo.

Em 2018, Sterling teve confrontos com a mídia inglesa, que foi acusada de racismo pelo jogador em seu Instagram. O primeiro caso foi durante a preparação da seleção inglesa para a Copa do Mundo, quando Sterling tatuou um rifle em sua perna direita, e o The Sun colocou a imagem na capa do jornal com a manchete: “Raheem atira no próprio pé”. O jogador foi acusado pelo jornal de fazer uma campanha contra o desarmamento, e teve que se defender dizendo que a tatuagem tem um significado maior, já que ele jurou que nunca encostaria em uma arma após seu pai ter sido morto a tiros.

Também em 2018, mas em dezembro, Sterling fez outro post no Instagram, mas dessa vez defendendo Tosin Adarabioyo, zagueiro negro do Manchester City, que tinha 20 anos na época. O post mostrava duas imagens de matérias do jornal Daily Mail, sendo uma delas atacando Tosin Adarabioyo, que havia comprado uma casa de 2.25 milhões de libras, enfatizando que ele ganhava 25 mil por semana, que era jovem e que não havia estreado na Premier League ainda, e outra matéria com o título: “Jovem estrela do Manchester City, Phil Foden, compra nova casa de 2 milhões de libras para a sua mãe”. No post, Sterling deixava clara a diferença da abordagem com o negro, Adarabioyo, e com o branco, Foden, que haviam feito a mesma coisa: comprar uma casa para a mãe.

“Esse jovem negro é visto de maneira negativa. Isso ajuda a alimentar o racismo e comportamentos agressivos. Os jornais não entendem como as pessoas são racistas hoje em dia, mas tudo o que eu digo é: pensem novamente sobre publicidade justa e deem chances iguais a todos os jogadores”, escreveu Sterling.

Em campo, Sterling já sofreu muito com o racismo. Em 2018, o atacante foi ofendido por torcedores do Chelsea, que só foram punidos em julho de 2019. No mesmo mês do caso de racismo contra Sterling, houve também um outro caso em Londres, mas dessa vez no derby entre Arsenal e Tottenham, quando um torcedor dos Spurs jogou uma casca de banana na direção de Aubameyang.

A busca por igualdade e inclusão no futebol inglês é fomentada por organizações como a Kick It Out, que conta com canais de denúncia para crimes de ódio no futebol. Da temporada 17/18 para a 18/19, houve um aumento de 43% (192 para 274) nos casos de racismo. Os números apontam para um crescimento no número de crimes étnicos e raciais na Inglaterra após o referendo do Brexit. Foram 94 mil registros entre abril de 2017 e março de 2018, sendo um aumento de 17% em relação ao mesmo período um ano antes. Desses registros, 76% são de racismo ou xenofobia.

Sterling tem se mostrado participativo em 2019 na luta contra o racismo. Em abril, o jogador ironizou Leonardo Bonucci, da Juventus, que havia dito que Moise Kean, vítima de racismo após marcar um gol contra o Cagliari, tinha 50% de culpa pelas ofensas. “A culpa é 50–50, Bonucci? Tudo o que você pode fazer agora é rir”, postou Sterling nos stories de seu Instagram.

No mês de março, a Inglaterra venceu Montenegro por 5–1 em um jogo marcado pelo racismo dos torcedores montenegrinos. Jogadores negros da seleção inglesa como o próprio Sterling, Danny Rose, do Tottenham, Hudson-Odoi, do Chelsea, que fazia a sua estreia pela seleção principal de seu país, tiveram que escutar cantos racistas dos rivais. A primeira vitória da Inglaterra sobre Montenegro da história serviu para calar os preconceituosos. A UEFA abriu um processo contra Montenegro, mas só os deixou jogar com portões fechados. Não houve uma punição severa. Em seu Twitter, Sterling publicou uma foto de sua comemoração na partida. “A melhor maneira de silenciar os críticos (e sim, eu digo os racistas)”, postou.

O caso mais recente foi na data em que este texto está sendo publicado: 14 de outubro de 2019. Antes da partida, Harry Kane, capitão da seleção inglesa, disse que os jogadores sairiam de campo se gritos racistas continuassem. O treinador, Gareth Southgate, disse que eles respeitariam o protocolo de três etapas da UEFA. A primeira etapa diz que o árbitro deve ser avisado para alertar a torcida. Com a continuidade dos insultos, o árbitro deve paralisar o jogo, e se as ofensas não pararem, a partida poderá ser suspensa.

Os cantos racistas começaram por volta da metade do primeiro tempo. Harry Kane fez o que seu treinador orientou, e cumpriu o protocolo da UEFA, chamando o árbitro Ivan Bebek, enquanto Gareth Southgate comunicou o ocorrido para o delegado do jogo. As vaias começaram a surgiu quando houve o anúncio de uma possível suspensão do jogo se os cantos continuassem. Assim, Ivelin Popov, capitão da Bulgária, pediu para os torcedores parassem, o que não aconteceu. Os cantos continuaram e foram direcionados aos jogadores negros, como Marcus Rashford, autor de um gol e Raheem Sterling, que respondeu com dois gols e uma assistência.

Em nota, a Football Association repudiou o ocorrido na Bulgária.

“A FA pode confirmar que jogadores da Inglaterra foram submetidos a abomináveis cânticos racistas enquanto jogavam pelas eliminatórias da Euro contra a Bulgária. Isso é inaceitável em qualquer nível do jogo e nosso foco imediato é apoiar os jogadores e staff envolvidos. Como nós infelizmente estamos cientes, esta não é a primeira vez que nossos jogadores são submetidos a esse nível de abuso e não há lugar para esse tipo de comportamento na sociedade, muito menos no futebol, e pediremos à UEFA para investigar com urgência.”

Como se os cantos racistas não bastassem, os búlgaros também fizeram protestos contra a UEFA e saudações nazistas no Estádio Nacional Vasil Levski.

Torcedores búlgaros fazendo uma saudação nazista (Foto: Nigel Keene/ProSports/REX)

A atitude dos búlgaros deve ser punida severamente pela UEFA. Notas de repúdio como as que são feitas em milhares de casos na Itália não bastam. Punimentos de portões fechados não bastam. Discursos dizendo que racismo é errado e que não é legal não bastam. Está mais do que claro que a UEFA não toma as ações necessárias contra os racistas que estão nos estádios da Europa. Em nota, a Kick it Out cobra punições decentes por parte da UEFA contra os búlgaros. “Estamos enojados com o abuso racista nojento dirigido à equipe masculina da Inglaterra hoje à noite por torcedores da Bulgária — incluindo imagens de TV que pareciam saudar nazistas e ruídos de macacos. (…) Se a UEFA se preocupa com o combate à discriminação (…) então as deduções de pontos e a expulsão do torneio devem seguir.”

Mais uma vez, Raheem Sterling se posicionou em suas redes sociais após sofrer com o racismo de torcedores. “Sentindo pena da Bulgária ser representada por esses idiotas em seu estádio. Enfim, 6–0 e voltamos para casa, pelo menos fizemos o nosso trabalho. Viagem segura para nossos fãs, vocês fizeram bem”, publicou em sua conta no Twitter.

A existência de um jogador negro como Sterling que se posiciona sempre contra os racistas e que defende seus companheiros negros do racismo existente na sociedade, sendo ele explícito ou não, é fundamental não só para o futebol, mas também para negros que podem ver o jogador como um símbolo em uma luta que parece não ter fim.

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