Opinião Pública

Kauê Batista Scarim
Wiki FAC
7 min readNov 20, 2015

--

Resumo:

Opinião Pública pode ser definida como a expressão de posições e julgamentos sociais resultantes do debate público sobre um tema ou temas diversos, mas de forma ampla, considerando a pluralidade e a espontaneidade das populações. Enquanto categoria histórica, é um conceito que transita entre diversas áreas das ciências humanas e sobre o qual não há consenso teórico. As posições e opiniões manifestadas pela sociedade, de forma espontânea ou não, devem ser compreendidas como resultante complexa de um processo do sistema de forças sociais e políticas, levando em consideração a posição desprivilegiada da sociedade em relação às instituições e à comunicação de massas.

Verbete:

Opinião Pública é um conceito tão contemporâneo quanto antigo. Suas raízes nominais são anteriores à própria democracia, remetendo à vox populi, vox Dei (“voz do povo, voz de Deus”) romana e à “opinião popular” grega. O processo humano de julgamento inerente ao conceito de “opinião”, mas manifestado coletivamente pela sociedade, foi alvo de muitas referências de estudiosos e governantes ao longo da história (MATEUS, 2009).

Porém, é no campo da filosofia e da sociologia que o conceito como é entendido hoje — e principalmente como é absorvido pelo campo de estudos da comunicação — começa a tomar forma, apenas a partir do Século XVIII, com as profundas mudanças na vida social promovidas pela Revolução Industrial, o capitalismo e o fortalecimento de democracias burguesas, a partir das revoluções do fim do século — em especial na França, influenciada por Rousseau e seu “desejo geral”, chamando a população a se rebelar contra a tirania (MATEUS, 2009).

Trataremos aqui apenas das principais vertentes do pensamento da opinião pública, bem como as mais importantes para os estudos da comunicação, entendendo que sua teoria tem muitas outras variáveis e que, também, está em constante debate e transformação.

A sociedade cada vez mais complexa surgida ao fim da Idade Moderna foi a primeira a separar, historicamente, a esfera pública da privada, diminuindo o peso do Estado no controle sobre o suprimento das necessidades da população e estabelecendo os direitos individuais e coletivos, como a liberdade de imprensa e de expressão — o principal marco dessa nova ordem social é sem dúvida a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento resultante do processo da Revolução Francesa.

O liberalismo econômico e de Estado é, assim, a primeira corrente de pensamento que delimita o espaço da esfera pública como um campo mediador entre sociedade e Estado. O filósofo alemão Jürgen Habermas, grande estudioso do conceito, define a esfera pública como uma categoria histórica — ou seja, não pode ser transportadas de forma automática a outras realidades e contextos — da sociedade burguesa, delimitada pela realidade, à época recém-chegada, de homens acostumados à leitura, do surgimento da imprensa e do fortalecimento das trocas comerciais, que, para o autor, tornam-se fatores essenciais para que “os sujeitos sejam capazes de construir e manifestar sua opinião sobre assuntos de interesse geral” (LOSEKANN, 2009).

Assim, o conceito de opinião pública se torna essencial em Habermas, como condição para que um homem possa fazer parte da esfera pública e atuar em sentido de interesses comuns, de forma a fazer pressão sobre os entes políticos — em uma função essencial das democracias burguesas. É claro que, segundo o autor, isso só acontece porque o “homem” da sociedade burguesa era bastante delimitado e com interesses claros, especialmente o da manutenção da propriedade (LOSEKANN, 2009).

Em seus estudos, a opinião pública aparece como a capacidade que todo homem tem de julgar e questionar questões de interesse público, em um processo de racionalização inerente ao ser humano. Ela é resultante do processo de formação da esfera pública, que pode ser descrita, em suas palavras, “como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas” (HABERMAS, 1984).

Os pontos de contato da teoria da opinião pública com o campo da comunicação são claros. Não bastasse a própria concomitância histórica com o surgimento dos meios de comunicação de massa, o debate sobre a opinião pública é essencialmente um debate sobre as suas formas de construção e manifestação — e, assim, sobre os papéis da comunicação neste processo.

É na perspectiva crítica da comunicação que estão as bases fundamentais para o entendimento atual de opinião pública. O jornalista e escritor estadunidense Walter Lippmann, com seu livro A Opinião Pública (Public Opinion, 1922), é considerado o precursor do debate no campo da comunicação. O autor questiona a legitimidade da opinião pública na sociedade de massas, que entende ser formada, separadamente, pelo “mundo exterior e as imagens em nossas cabeças”, título do primeiro capítulo do livro, em uma metáfora com a Caverna de Platão.

Para Lippmann, a sociedade de massas impossibilita o conhecimento direto da realidade pela população, que vê apenas as suas “sombras” produzidas pelos veículos de comunicação. Assim, sempre que não vê alguma situação com os próprios olhos, e sim pelos mass media, a percepção estaria comprometida pela formação das “imagens em nossas cabeças”, mediadas por elementos como estereótipos, a limitação do potencial de comunicação dos meios técnicos, a formação dos interesses comuns por interesses particulares, dentre outros.

Assim, para o autor, há uma clara separação entre os conceitos de “opinião” — que, “rudemente”, seria os aspectos do mundo que têm a ver com o comportamento de outros seres humanos com algum cruzamento com o nosso — e o de “opinião pública” — as imagens formadas nas cabeças desses seres humanos sobre os mais diversos assuntos, inclusive si próprios, suas necessidades e propósitos.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu vai além na crítica. Baseando-se na análise de pesquisas de opinião, é taxativo em artigo de 1973: “a opinião pública não existe”. No texto, o autor formata uma contribuição teórica do conceito a partir da reunião elementos constitutivos das pesquisas feitas pelos institutos especializados, em geral tratadas como simples verdade no senso comum.

Bourdieu contesta o que chama de “três postulados implícitos” das pesquisas, que seriam as hipóteses de que a produção de opinião está ao alcance de todos; que todas as opiniões têm valor; e que há um consenso sobre os problemas, já que são colocadas as mesmas questões para todas as pessoas. Para ele, esses postulados implicam em “toda uma série de distorções observadas mesmo quando todas as condições do rigor metodológico são preenchidas na coleta e na análise dos dados” (BOURDIEU, 1973, pg. 1).

O autor afirma que, por princípio, toda pesquisa obedece a uma demanda de tipo particular, já que as problemáticas são “profundamente ligadas à conjuntura” e que só se tornam tema de pesquisas quando são problema político. Isso, para Bourdieu, faz com que se prove o quanto os institutos estão distantes das demandas reais.

O sociólogo conclui que, por ser subordinada a um interesse político, as pesquisas de opinião se tornam um instrumento da ação política, de forma a “impor a ilusão de que existe uma opinião pública que é a soma puramente aditiva de opiniões individuais”. Na prática, então, quando se vai para as capas de jornais, os números resultantes das pesquisas são dissimuladores do fato de que a opinião, em determinado momento histórico, é resultante de um sistema de forças sociais e políticas, e, assim, destinado a legitimar a força de quem exerce.

O também francês Michel Maffesoli, por sua vez, propõe uma diferenciação entre a opinião pública e a opinião publicada — segundo ele, uma confusão da contemporaneidade. “A publicada é realmente uma opinião, mas pretende ser um saber, expertise ou até mesmo ciência, enquanto que a pública tem consciência da sua fragilidade, da sua versatilidade, logo da sua humanidade” (2010).

Para Maffesoli, a opinião publicada “martela” ideias convencionais, lugares comuns e “outras tagarelices baseadas e bons sentimentos”. O autor faz a crítica estabelecendo que ela “convém à midiocracia acomodada” de hoje e a compara com a figura dos silenciadores das cortes bizantinas, cuja missão era calar os perturbadores da ordem para fazer reinar o pensamento único estabelecido.

Para além dos teóricos, é clara a atualidade dos debates conceituais sobre a opinião pública. Das pesquisas de opinião, que seguem sempre movimentando embates políticos ano após ano — são, afinal, opinião pública ou opinião publicada? –, à internet e suas redes sociais ajudando a construir um novo formato de arena pública onde as discussões se desenvolvem em velocidade recorde e de forma descentralizada, nunca o debate foi tão presente na vida da população.

Saiba mais:

FIGUEIREDO, Rubens; CERVELLINI, Sílvia. Contribuições para o conceito de opinião pública. Revista Opinião Pública, vol. III, nº3, Campinas — SP. 1995.

A opinião pública e a publicada. Observatório da Imprensa, 11/08/2009. Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/a-opiniao-publica-e-a-publicada/

CRUZ, Cassiana Maris Lima. A Comunicação Organizacional e a Formação da Opinião Pública. Intercom, XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2007.

Rede de intrigas (Network, 1976). Direção: Sidney Lumet. 121 minutos. Estados Unidos.

Referências:

BOURDIEU, Pierre. A opinião pública não existe. Les Tempes Modernes, nº 318, 1973.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro. Edições Tempo Brasileiro. 1984.

LIPPMANN, Walter. A Opinião Pública. Vozes, 1992.

LOSEKANN, Cristiana. A esfera pública Habermasiana, seus principais críticos e as possibilidades do uso deste conceito no contexto brasileiro. Pensamento Plural, Pelotas — RS. 2009.

MAFFESOLI, Michel. Apocalipse: Opinião pública e opinião publicada. Sulina, 2010.

MATEUS, Samuel. A Estrela (De)Cadente: uma breve história da opinião pública. Estudos em Comunicação. 2008.

Autor: Kauê Batista F. L. Scarim

Este verbete foi produzido na matéria Teorias da Comunicação Organizacional do curso de Comunicação Organizacional da FAC/UnB

--

--