Ces Michelin
Vernos
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4 min readApr 4, 2020

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Respira. Um conto sobre tempos de ansiedade.

Photo by Noah Silliman on Unsplash

Algo me tirou o sono hoje, às 4 horas, em meio a madrugada. Tirar talvez não esteja totalmente certo, havia sim uma falta de ar, mas havia um calor a mais. Não era só comigo, a Natty buscava por algum alívio na garrafa de água, ao meu lado.

_Está quente. - ela disse, torcendo o nariz após um gole. _O quarto está quente, estou com falta de ar. - ela também.

Abri a sacada do apê. Um tempinho para contemplar a rua, assustadoramente silenciosa, imóvel tal qual o vento essa noite. Há muito as madrugadas não me assustam, me acalmam. Hoje não está funcionando. E um cachorro na vizinhança começa a latir, são 4h10 e sei lá porque eu acho que o cachorro está implicando comigo na sacada. Penso que ele vai acordar a vizinhança toda por minha causa, então volto pra dentro de casa, onde eu mais tenho estado ultimamente. Muitos de nós.

_Eu ainda tô com falta de ar. - a Natty está mais aflita que eu. Então preciso ficar bem para ajudá-la: penso. Mas só pensar não adianta, nosso corpo não reage aos nossos comandos às vezes, por mais sentido que esses comandos façam.

_Calma, você está assim porque comemos algo pesado antes de dormir, vai passar. - eu acredito nisso, até porque li uma matéria dizendo que os hábitos não andam saudáveis esses dias, com consumo excessivo de álcool e junkie food. Também pudera, buscamos formas de aliviar a pressão e mesmo essas não sendo as melhores formas, acredito que as pessoas vão encontrar o equilíbrio. Estamos assustados com tudo que acontece no mundo agora.

_Sabe, quando me falta o ar assim, eu penso nas pessoas que estão sofrendo no mundo com essa doença. É muito triste. - a Natty sente sinceramente dores por algumas dores do mundo. Eu admiro isso nela, apesar de tentar consolá-la e dizer que não é bem assim, mas ela complementa:

_Eu sei que é uma fase, mas a gente não controla os nossos pensamentos o tempo todo. - admiro a clareza dela também. É exatamente a luta que estou encarando agora, tentando me manter tranquilo para ajudar enquanto uma vertigem me ameaça, como se minha cabeça estivesse com mal contato e pudesse desligar a qualquer momento.

Ansiedade é um troço chato porque tenta dar sentido a coisas sem cabimento e nos confronta com uma simulação da realidade de um jeito perverso e subversivo. E eu tô falando de uma pequena amostra, eu sei.

Busco um link na web, afinal ansiedade não é algo novo. Pelo contrário, é o mal do nosso tempo, ainda que haja um competidor invisível lá fora, a ansiedade não arreda o pé, ela aproveita a oportunidade.

De cara, a web me fala que eu tô falhando na missão da quarentena para não ficar ansioso: não faço exercícios, ando estressado com o trabalho, não como direito, prestando atenção nas notícias…

_Vou fazer um chá. - eu anuncio determinado, recomendação do link do também. Natty se anima um pouquinho e resolve lavar parte da louça acumulada da janta (sessão de terapia). Eu coloco um som, novo play do Pearl Jam, baixinho pro cachorro do vizinho não implicar comigo de novo. Entre conversas sobre a vida ter uma trilha sonora e Divertidamente da Pixar, abro a janela da lavanderia e o vento enfim circula... Respira.

Já são quase cinco e meia quando sentamos para tomar o chá de camomila com maracujá. Se é pra relaxar, bora trocar a trilha sonora para Anne with an E. Eu resolvo escrever, a Natty se distrair com um game. Pequenos estalos na sala vem da Maranta, uma planta alta que temos em casa e que não mede esforços para nos lembrar que ela é viva.

Na rua, o cachorro volta a latir. Ele não está implicando com ninguém. Talvez ele tenha também uma sensação estranha, alguma agonia, falta de ar ou algo parecido. Talvez ele só queira companhia nessa madrugada, simples assim.

Aos poucos, o “fim do mundo” vai ficando distante, os pensamentos dissonantes parecem absorvidos na suavidade das notas da música ao fundo e eu me pego pensando que precisamos ter calma e solidariedade.

Calma para lembrar que tudo passa no seu tempo. A vida é onda e às vezes ela te derruba, te dá um caldo ou só passa lhe acariciando. Mas é da sua essência vir e passar. E tudo é assim.

Solidariedade para lembrar que não estamos sós na jornada. Eu não consigo ver daqui se essa noite você observou a rua em busca de algo, quais eram as suas percepções e aflições. Aqui em casa nós estamos mais tranquilos. E sei lá, talvez eu te contar isso, te ajude a encarar sua próxima onda.

Dez pras seis, o Sol começa a dar o ar da graça. Vida e tempo que segue, há sempre um novo dia porvir para renovar a esperança. Respira, age e espera passar. Mas respira!

_Vamos dormir mais um pouco.

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Ces Michelin
Vernos
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Escrevo textos e ideias soltas, despretensiosas. Quem sabe, podem fazer sentido para ti em algum momento.