Somos um veio criativo da Natureza

Ces Michelin
Vernos
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6 min readMar 23, 2018

Buscar definir natural e artificial é irrelevante. O que importa são as consequências das nossas atitudes como criativos socioambientais.

NASA

Tudo é novidade! Nós acabamos de chegar no planeta.

Num Universo com 14 bilhões de anos, a Terra tomou sua forma atual há aproximadamente 4,5 bilhões, abrigando nossos antepassados há apenas 100 mil anos. Tudo que concebemos como Natureza ou “natural”, é fruto do nosso relacionamento com o Universo nessa breve lacuna de tempo na história do Cosmos.

O planeta não é um projeto de design pronto e adaptado à presença do ser humano. E desde muito cedo nessa relação, os pioneiros da nossa espécie que desenvolveram características intelectuais, compreenderam serem capazes de modificar o ambiente. Porém hoje, ao olharmos pro passado, ponderamos que nossa vida era mais integrada com a Natureza, sem explorá-la nem expo-la a riscos que hoje tornam-se problemas que comprometem nossa própria existência.

Evoluímos de forma tão intensa no controle do planeta que hoje, inseridos num mundo altamente tecnológico, podemos nos perceber como inimigos da natureza e criadores de artificialidades efêmeras. As corporações tomaram pra si o termo “natural” para vender produtos de impacto no mínimo duvidoso, numa competição que normalmente enaltece o menos nocivo à saúde e ao ambiente. Ao mesmo tempo, o consumidor alheio ao engodo, é o mesmo que segue desinformado sobre as necessidades latentes do planeta, descolando-se da capacidade de resolver os problemas, mas ávido por questionar e rejeitar intervenções sociais, biológicas e socioambientais que pareçam muito ousadas. Quem é o homem perto da Natureza? — diria um questionador no Twitter.

Porém, o que concebemos como natural seria mesmo uma unidade imutável e avessa a nossa interação? Uma projeção religiosa de algo superior e logo uma entidade que afrontamos ao brincarmos de deuses com a era digital, robótica e biotecnológica?

Bem, num passado não muito distante, qual terá sido o impacto da criação da agricultura nas reflexões éticas dos antigos homo-sapiens em sua relação com a Natureza? Socialmente as consequências da agricultura são grandiosas, permitindo que deixássemos de ser nômades coletores, dando origem às primeiras cidades. Mas, se refletirmos de forma pragmática, quão impactante foi essa artificialização da forma natural de a vida se desenvolver? Imensos campos de plantações gerando vida numa forma e ambiente que não foram escolhidos naturalmente.

Indo um pouco mais atrás na nossa história, com o domínio do fogo, o ato de cozinhar foi um marco em nossa trajetória, permitindo que o ser humano fosse o único animal a não mais comer apenas alimentos crus, num aprimoramento que nos permitiu gastar menos energia e tempo na digestão, possibilitando maior desenvolvimento do nosso cérebro. No contexto evolutivo, esse momento é destacado como decisivo no livro Sapiens, uma breve história da humanidade, best-seller do Professor Yuval Noah Harari; que reflete de forma brilhante sobre as consequências evolutivas que nos trouxeram até nosso momento atual de complexo desenvolvimento biológico. E procura sinalizar respostas à pergunta: para onde vamos?

Sapiens, um breve história da humanidade

Bom, desde sempre portanto, somos seres naturais promovendo ações artificiais na Natureza. Nossas modificações no planeta hoje, refletem essa característica original do ser humano e podemos compreender que na relação entre natureza e tecnologia, elas não são necessariamente antagonistas. A Natureza não é uma entidade julgando nossos atos e nos castigando por termos deixado o caminho natural em detrimento do tecnológico.

A única entidade capaz de nos julgar e eventualmente punir, com a extinção por exemplo, chama-se consequência.

No passado em que compreendíamos a Natureza como imutável ou autossuficiente inclusive para nos prover, deixamos rolar, eventualmente orando ao invisível para que tivéssemos melhor sorte em nossa relação com o natural. Hoje, somos capazes de criar nosso sustento e preservação, mas diante de problemas grandiosos que nós mesmos geramos, deixamos rolar novamente, orando aos novos deuses no vale do silício para que tenham as ideias salvadoras.

Tudo é muito automático, rápido, muito rápido… e seguimos, em geral, passivos aos avanços tecnológicos e ainda mais às necessidades de avanço, como outrora éramos passivos a Natureza. E ainda que os “novos deuses” possam promover soluções incríveis e serem mais acessíveis às nossas comunicações, eles são poucos e falíveis; além de nada onipresentes ou onipotentes ou oniscientes, mesmo com os casos crescentes de quebra de privacidade digital.

O futuro da relação humana com a Natureza, a meu ver, passa por dois fatores fundamentais:

  • compreendermos que nossas atitudes serão sempre naturais, mesmo quando promovemos reinterpretações do que é tido como natural e mesmo quando parecemos atribuir vida ao artificial. É muito do que prega um movimento de reinterpretação da tecnologia e sua relação com o socioambiental, o Next Nature (Próxima Natureza).

Na concepção do grupo, liderado por Koert Van Mensvoorta, tecnologia vai ser fundir com a Natureza de forma que todos estaremos inseridos num mundo onde será improvável distinguir o natural do artificial. E isso não fará a menor diferença. Veja esse vídeo no Vimeo.

Assim, seja remodelando geneticamente plantas para resistirem melhor às intempéries e pragas, seja substituindo órgãos do corpo humano por elementos sintéticos e nanorobóticos, seja terrificando Marte; as ações humanas refletem nossa característica de ser um veio criativo da Natureza e não uma afronta ao natural.

O segundo fator diz respeito a:

  • nos tornarmos protagonistas, como indivíduos, da relação com a Natureza à partir da compreensão da tecnologia e como podemos utilizá-la para impactar positivamente o planeta. Num primeiro momento o planeta e, se formos bem sucedidos, além dele no futuro.

Entendo que estamos sendo massacrados por uma avalanche de informações, parte do nosso estilo de vida frenético (e nada saudável). Mas ser protagonista, nesse contexto, diz respeito exatamente a retomar as rédeas da relação com a tecnologia e a natureza, à partir do conhecimento.

Outrora seria apenas a possibilidade de interagir com a Natureza ao plantar algo em casa ou ter um pet. Hoje, além desses atos que não saem de moda, precisamos conhecer os processos e a atitude real por trás das marcas que consumimos, compreender como podemos colaborar com a reciclagem e economia de água e energia, por exemplo. E ir além, compreendendo como podemos utilizar a tecnologia para aplacar os problemas socioambientais com soluções que hoje são acessíveis a nós se tivermos o conhecimento e nos engajarmos em propor soluções, assumindo o papel de protagonistas.

Ser protagonista, portanto, não é uma posição de destaque pessoal, mas destacar atitudes que mudam nosso estilo de vida para aquele que impacta positivamente o planeta. É a nossa atitude o fator determinante para efetivamente tomarmos as rédeas da nossa era.

Precisamos de mais conhecimento. Absorver, ainda que de forma prazerosa e despretensiosa, o que o mundo pode nos oferecer como ferramenta para sermos participativos. Engaje-se em cursos de tecnologia, biotecnologia, hacker, maker… Toda forma de conhecimento técnico que lhe permita conceber novas formas de interação com o que nos cerca. Busque cursos de design, artes plásticas, ética, filosofia, games e todos mais que nos permita ter no ser humano e em seu bem-estar o foco de qualquer ação e diálogo. (Confira essa iniciativa da britânica IDEO, desenvolvendo um método de soluções baseadas no Design centrado nas pessoas).

Somos parte de um todo que modifica o planeta diariamente, seja em larga ou nano escala. Ninguém é alheio a isso, independente de sua função social. Comece agora a pôr em prática o que vai lhe permitir, gerações a frente, ser lembrado como o homo-sapiens que compreendeu que sua função mais natural era ser um veio criativo da Natureza; a entendendo, a modificando e a redefinindo.

E num mundo que precisa ser preservado (ou melhorado), precisamos estar cientes de que temos falhado muito. Só o conhecimento é capaz de abrir espaço ao novo, à atitude inovadora e empreendedora. Abrir um veio criativo para você.

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Ces Michelin
Vernos
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Escrevo textos e ideias soltas, despretensiosas. Quem sabe, podem fazer sentido para ti em algum momento.