Vislumbres da música no cinema experimental: sobre Andy Warhol e Jonas Mekas

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Como Andy Warhol e Jonas Mekas revolucionaram a arte a partir da interseção entre cinema e música na Nova York da década de 1960.

Por Carolina Azevedo

Na depravada Nova York do final da década de 60, longe dos holofotes que iluminavam manifestações de jovens usando ácido e celebravam o flower power da Califórnia, nascia uma nova forma de criatividade, uma arte que expandia limites e reescrevia conceitos. Ali, nos apartamentos espaçosos do Village, a arte já não se dividia entre música, cinema, produto e objeto. Como em Duchamp, o banal se tornara sofisticado: o ruído agora era música; a imagem, cinema, e ambos se misturavam em uma nova forma de experimentação midiática.

Foi na famosa Factory de Andy Warhol que tudo parece ter começado. O endereço e seu dono excêntrico pareciam atrair personalidades da cultura pop em busca das mais variadas coisas, o que tornou de Warhol não apenas autor de algumas das mais icônicas capas de álbum da história, mas também empresário, produtor e inspiração para dezenas de artistas da época. De Debbie Harry a John Lennon, todos estavam na Factory, mas a presença mais memorável foi sem dúvidas a de Velvet Underground.

Com a banda de Lou Reed e John Cale acompanhada da alemã Nico, Andy Warhol fez algo nunca antes experimentado: criou um espetáculo multimídia de música, luz e cinema que refletia as ambições artísticas e (anti)políticas de uma nova geração, que rejeitava radicalmente a teoria clássica em busca de algo novo.

Esse “algo novo” se concretiza no Exploding Plastic Inevitable, experiência que combinava um show ao vivo do Velvet Underground, com horas de guitarras em drone e poesia sórdida, por trás de filmagens da própria banda projetadas sobre os músicos, acompanhadas de outros filmes do artista, que preenchiam todas as paredes do local. O experimento servia como forma de vender o produto da banda e do cineasta ao público, ao mesmo tempo em que negava as formas tradicionais de fazer isso, em manifestação de desprezo pelo excesso do capitalismo e das celebridades por ele fabricadas.

O Exploding Plastic Inevitable inaugura uma nova forma de se apreciar e utilizar audiovisual, inserindo-o no mundo da performance e das artes de encenação e apresentação, ao mesmo tempo em que incorpora o dadaísmo inerente a um momento inevitavelmente atrelado à necessidade de venda e consumo. De forma engenhosa, Andy Warhol combina diferentes mídias, com destaque para o áudio e o vídeo, para conseguir, de alguma forma, vender todas elas.

De outro lado da Nova York de 1969, outro artista do avant-garde norte-americano revolucionava o cinema à sua maneira. Jonas Mekas já vinha fazendo filmes há pelo menos uma década quando fundou em Manhattan o seu Anthology Film Archive, museu vivo que buscava ser um ambiente para que novos artistas independentes do avant-garde exibissem e guardassem suas filmagens.

Quando chegou aos Estados Unidos, em 1949, o cineasta lituano percebeu que algo acontecia no submundo das artes em Manhattan: “Quando cheguei a Nova York, decidi que seria tolice ir a qualquer outro lugar: era eletrizante, emocionante. Tudo estava mudando no mundo da arte — e estava prestes a explodir. Algumas semanas depois que cheguei, comprei uma câmera 16mm e comecei a fazer filmes. A guerra tinha tirado meu período de crescimento, então decidi tirar o atraso.”

Ao lado de Warhol, Brakhage e Shirley Clarke, Mekas fez sua revolução silenciosa, criando um cinema de profundidade e personalidade revolucionárias. Em menos de duas décadas na cidade, ele se tornou um articulador da cena avant-garde, organizando exibições que reuniriam Yoko Ono, John Lennon, Allen Ginsberg e Susan Sontag. Nesse meio, ele também viria a brigar contra os padrões hollywoodianos que ditavam a ética e estética do fazer cinematográfico, vendo a produção de cinema independente como todo um ambiente de criação cultural.

Nesse momento, ele abre também o “Cinema Invisível”, uma sala de cinema projetada para que o espectador focasse absolutamente no filme, e foi para lá que levou John Lennon no dia em que o conheceu. O cantor já havia passado pela Factory de Andy Warhol e vivido toda a revolução musical da Inglaterra dos anos 60. Chegando a Nova York em 1970, encontrou-se com sua esposa, Yoko Ono, e aquele que tinha a ajudado a conseguir trabalho como artista nos Estados Unidos uma década antes, Jonas Mekas.

Encantado por toda a revolução que passava diante de seus olhos, Mekas se tornou o documentador dessa cena: filmou aniversários de grandes personalidades, eventos organizados por Warhol e festas movidas a droga, poesia e, é claro, música. Um dos resultados disso foi o curta “Happy Birthday to John”, que mostra uma festa de aniversário em que John Lennon joga basquete com Miles Davis e Ringo Starr conversa com Allen Ginsberg. O cineasta capturava ali, despretensiosamente, um pouquinho do mundo de contracultura que viria a nos intrigar tanto algumas décadas depois.

Juntos, cineastas como Mekas e Warhol mudaram a forma de fazer e pensar arte como um todo. Em um mundo de consumo, ela já não podia se dissociar dessa lógica, mas podia continuar a negando ao propor produtos como o Exploding Plastic Inevitable, e se disseminar frente a uma padronização do cinema como produto através de instalações e organizações como o Arquivo de Mekas. Esse novo cinema — que também é performance, música e objeto — mistura a reprodutibilidade que prometia Benjamin e a expressão de uma geração que fazia daquilo sua anti-arte. Foi essa anti-estética que impactou não apenas o underground, mas toda a forma como vemos, pensamos e fazemos arte hoje, qualquer que seja sua forma ou mídia.

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Revista mensal sobre o mundo do e cinema e audiovisual.