Não existe marketing digital: o que fazem os novos (e danosos) empreendedores da web

Gurus misteriosos propagam fórmulas prontas para vender infoprodutos, envenenando o mercado de marketing e conteúdo educativo

VETOR cultura digital
4 min readApr 17, 2015

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Meu chão na área de comunicação, marketing e publicidade não é de hoje. Aprendi cedinho (dentro de empresa), sem livros, e-books, webinários, sem meu curso de comunicação social ou o mestrado na UFPB, o que era na prática marketing, publicidade, jornalismo. Aprendi fazendo — entendi a teoria depois. Me formei em jornalismo, fiz mestrado em comunicação.

A única coisa que eu nunca fiz e nunca pretendo fazer é tratar a comunicação como uma solução fácil pra qualquer coisa. E é isso que a nova turma do “marketing digital” faz.

A partir do momento que alguém resolveu resumir práticas desenvolvidas por pensadores como Philip Kotler em “8Ps do marketing digital”, a coisa desandou profundamente. Era apenas um vestígio do que estava por vir. O que chegou depois foi muito pior.

O segmento de marketing sempre foi torturado por figuras que utilizam seus conceitos à serviço de um discurso secundário e perigoso. E o hype da vez é “o novo marketing digital”, baseado em técnicas específicas de marketing de afiliados.

“7 passos para ganhar dinheiro na Internet sem investir um centavo”.

Parece promissor. É impossível não clicar. O discurso não é exagerado como os antigos “Ganhe milhares de dólares, em poucas horas, sem sair de casa”. Mas este mesmo papo também está lá. A ideia é quase a mesma.

Marketing de conteúdo, fórmulas de lançamento e infoprodutos são os clichês básicos desse discurso danoso. Explico:

A ideia vem sendo propagada por uma figura chamada Jeff Walker. Ele é o autor de um livro de título tão grande, que eu vou logo traduzi-lo pra facilitar: “Lançamento: a fórmula secreta de um milionário de internet para vender quase tudo online, construir um negócio que você ama e viver a vida dos seus sonhos”.

Walker e seus seguidores ensinam que é possível ganhar muito dinheiro vendendo produtos informativos, como e-books e conferências online, investindo pouco, através da sua rede de contatos.

O “sonho” chegou ao Brasil. A fórmula consiste em uma metodologia de atração de clientes, relacionamento e venda de produtos digitais através de afiliados. Parece inocente, já que, a princípio, o método é usado por gigantes do varejo online, por exemplo.

O problema, porém, se resume a alguns fatores importantes:

  1. Foco em conquistar afiliados formando mailing: tradicionalmente, essa é uma prática do chamado marketing de multi nível, também conhecido como Pirâmide, adaptada para o e-mail marketing. Quanto mais “parceiros” você tem para propagar uma ideia, maiores serão seus lucros. Esses afiliados ganham uma comissão na sua venda, o que diferencia a prática de pirâmide, mas não a afasta totalmente do método. “Quanto maior a rede, maiores os resultados”. No fim das contas, a rede vale mais que o produto, mais que a sua marca. E o agregador de afiliados sempre ganha mais, muito mais que todos eles. Pior? Uma bolha se forma e ela vai explodir.
  2. Os “gurus” e seu obscurantismo: esses métodos são propagados por gurus bem espertos. Eles limparam todas as arestas herdadas do marketing multi nível que o fazem parecer pirâmide. Também utilizam um discurso misterioso e cheio de “storytelling” com seus cases de sucesso (especialmente usando a fórmula) que não vem de lugar nenhum. Esses gurus de marketing digital e empreendedorismo, entretanto, não aparecem endossados em instituições tradicionais ou consagradas como Endeavor, HSM, Meio & Mensagem. Tão pouco possuem uma autoridade validada por outros profissionais consagrados, mas apenas pelos seus seguidores e afiliados.
  3. O dinheiro pode não ser fácil, mas a solução é: uma das principais maquiagens dessa “máquina de vendas” é de que não é fácil ganhar dinheiro com ela. E realmente não é. Exige a dedicação de divulgar produtos para ganhar comissões, desenvolver produtos e conquistar mais afiliados. A solução, entretanto, é vendida como perfeita. Simples de entender: se a solução é igual para todos, não é empreendedorismo.

Nessas horas eu lembro de Martha Gabriel, autora do excelente livro “Marketing na Era Digital”. Segundo ela, não existe “marketing digital”, porque o conceito não pode servir à plataforma. Reféns de ferramentas cheias de clichê cansativos, os gurus e afiliados do “novo marketing” ainda não entenderam o que ela quis dizer com isso. E seguem envenenando o mercado.

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VETOR cultura digital

Faço conteúdo e escrevo sobre ele. Empresário fundador do Dois Cafés (www.estudiodoiscafes.com.br), palestrante e professor.