O dia em que acordei para a vida

Melissa Stella
Viagem à Milanesa
Published in
4 min readDec 21, 2018

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Nasci e cresci na mesma cidade: a pequena e pacata cidade de Paraguaçu Paulista, no interior do estado de São Paulo. Fui criada conforme as regras de uma boa família católica, com um destino pré-determinado: estudar, arrumar um bom emprego, casar, construir uma família, ter uma boa casa, o carro do ano, trabalhar, trabalhar e trabalhar. Só precisava fazer tudo certo e não reclamar. Não pensar demais e nunca, jamais, sonhar alto demais.

Mas e os meus sonhos? E o que eu realmente queria? Isso não contava? Eu só viveria os sonhos dos outros e deixaria os meus trancados dentro de uma caixinha para não desagradar ninguém?

Comecei a ver meus amigos tendo filhos e seguindo esses passos — ir trabalhar, levar os filhos à escola, ir ao supermercado, no fim de semana fazer um churrasco em casa ou ir à pizzaria, no domingo ir à igreja, e na segunda-feira começar tudo de novo. Não há nada de errado em quem leva essa vida, mas sabe quando você para e pensa: “Não quero envelhecer e perceber que me tornei uma dessas pessoas”.

Tudo isso passava pela minha cabeça, e eu só tinha meus lindos 20 aninhos. Trabalhava em uma empresa boa, fazia uma faculdade que eu odiava, mas que todos diziam ser uma boa escolha de curso, e namorava um cara de família conhecida na cidade (coisas que só quem morou em cidade pequena entende). Seguindo essa linha de pensamento, era só eu continuar nessa vida até casar, ter filhos, me aposentar, etc.

Mas aos 21 anos eu terminei minha faculdade, terminei o tal relacionamento e saí da empresa em que trabalhava. Foi quando parei e pensei: “Se eu quiser fazer alguma coisa diferente na minha vida, é agora!”.

Era o ano de 2010; não existiam 4G, nem Waze, nem WhatsApp, muito menos Google Maps. Eu tinha um primo que estava morando na Espanha, e falei para minha mãe que queria ir visitá-lo. Na hora, minha mãe concordou, mas sem acreditar que eu iria de verdade. No outro dia, fui a uma agência de viagens e comprei as passagens. Foi um choque para a família inteira. Eu nunca tinha viajado sozinha, muito menos para outro país! O aeroporto para pegar o avião já ficava a 550 km da minha cidade, o que já era uma viagem à parte. Enfim, a cidade inteira ficou sabendo.

E eu fui.

Fui para a Espanha para visitar meu primo e ficar um mês. Acabei ficando dois meses e viajando também para Portugal, Bélgica e Holanda.

Eu nunca mais fui a mesma. Descobri coisas que nem sabia sobre mim. Parecia que existia uma parte de mim adormecida, só esperando o momento certo para acordar e viver. Conheci pessoas do mundo inteiro, me comuniquei em línguas que eu nem falava, descobri talentos que nem sabia que tinha, encontrei uma coragem que não sabia que existia, uma força e uma vontade de viver que nunca imaginei. Vi um mundo que eu achava que só existia em filmes. Aprendi muita coisa, ri muito, mas também chorei, tive medos, paguei micos, me emocionei, me apaixonei, comemorei e me orgulhei.

Minha família pode não ter se orgulhado no começo, por eu não ter seguido a tal vidinha que eles planejaram, mas acima de tudo eu senti orgulho de mim.

Voltei para a minha cidade. Arrumei um emprego e me casei.

Mas não foi o fim.

Agora, viajamos juntos. E já viajamos muito. E até realizamos nosso sonho de morar fora. Moramos por 15 meses na Itália (o que vai virar um post à parte, rs).

Hoje, aos 30 anos de idade, estou de volta ao Brasil. Não mais na minha cidadezinha do interior, mas ainda no Brasil. Confesso que não aceitei minha volta muito bem; hoje estou mais “conformada”. Nada contra o Brasil, mas sabe quando parece que você não se encaixa mais? As explicações que tenho que dar sempre quando digo que não quero ter filhos agora, ou os olhares de julgamento quando conto das minhas viagens e digo que quero viajar muito mais. Aqui, ninguém entende por que eu não tenho carro e prefiro gastar meu dinheiro com viagens do que com festas e churrascos todo fim de semana.

A vida é aquilo que nós fazemos dela. Não me arrependo de acreditar em mim e nos meus sonhos. E não trocaria por nada as experiências que ganhei e as lições que aprendi. São situações, sensações, cores, aromas, sabores que ficarão para sempre na memória e que foto nenhuma consegue registrar.

Às vezes, fico pensando se estou sendo egoísta, se deveria desistir, me conformar e seguir o protocolo. Mas se eu não sonhar e não correr atrás do que eu quero, quem vai fazer isso por mim? Viver no automático seria a solução?

Bem, daqui para frente, eu não sei o que será da minha vida. Será uma surpresa. Espero que uma surpresa boa e cheia de viagens ;)

Só sei de uma coisa… que não vou parar de sonhar!

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Melissa Stella
Viagem à Milanesa

Ítalo-brasileira, casada, escorpiana, viajante, deslumbrada, sonhadora, intensa, apreciadora de uma boa cerveja e uma boa comida… Insta:@milanesatours