O que ninguém te conta sobre o processo de cidadania italiana (Parte Itália)

Depois de ouvir muitos "nãos", de chorar muito, de desistir várias vezes…uma hora começou a dar certo. O "sim" veio como uma fecha e atingiu meu botãozinho de esperança.

Melissa Stella
Viagem à Milanesa

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Comprei as passagens para a tão sonhada viagem para processo de cidadania. Deixei marido, casa e meus filhos peludos à espera do meu retorno. E mesmo dentro do avião, com todos os documentos em mãos eu sempre fiquei com o sentimento que algo iria dar errado. Em nenhuma etapa do processo foi fácil. Até a chegada na Itália foi turbulenta. Passei por um susto na imigração e fui parar na assustadora “salinha do aeroporto”. Meu coração, paciência e italiano foram testados na prática. E no fim tudo deu certo.

O processo de cidadania é como um jogo de videogame, cheio de obstáculos a enfrentar, fases que você fica mais enroscado errando e voltando no começo, quebrando a cabeça para conseguir passar e quando você passa por uma, logo vem outra. E a cada etapa que você supera é uma vitória. Você quer comemorar, gritar, contar para a família sendo que muitos nem estão entendendo direito o porquê de tanta alegria. Mas a alegria é sua; só você sabe a angústia e sofrimento de cada fase.

Chegada a hora de se encontrar com seu assessor, pessoa com quem você passou vários meses conversando e tirando dúvidas, pessoa a quem você vai entregar toda sua vida impressa em quase 30 folhas, traduzidas para o italiano e apostiladas. É para ele que você vai entregar seu maior sonho e todo seu dinheiro. E se essa pessoa não for quem disse ser? E se ela fizer parte daquela lista de assessorias corruptas que todas as pessoas que te conhecem, e sabiam que você estava em processo de cidadania, faziam questão de te encaminhar para te “alertar”. E se?!

Você então encontra o assessor e, aparentemente, ele é o quem diz ser (até então). Ufaaa, mais uma etapa vencida. 🙌🏻 Agora ele vai te levar para a casa onde você vai ficar durante o processo. E se a casa não for conforme o combinado? E se as pessoas com quem você vai dividir a casa não forem legais? E se a cidade for horrível?

Bem, a minha situação foi a seguinte: eu fiquei em uma casa dividida com mais 3 pessoas, a cidade ficava em uma região da Itália que é bem desconhecida entre os turistas, com apenas 800 moradores, dezenas de casas abandonadas, com apenas 2 bares, 1 pizzaria, 1 albergue, 2 (micros) mercadinhos, 1 açougue, 1 igreja, 2 salões de beleza. A cidade é encrostada entre várias montanhas. No topo de uma montanha tem um castelo, na outra uma usina eólica, nas outras fazendas, e em uma outra, uma pista de esqui — afinal, ali neva muito no inverno.

Assim que você chega na sua casa, o assessor já pega seus documentos e dá entrada na sua residência. Para isso, um vigile (oficial da prefeitura) vai vir à sua casa sem avisar, olhar tudo pra ter certeza de que você está morando ali, conferir os documentos e te fazer algumas perguntas. Mas pensa comigo… você chega naquela ansiedade na Itália e se vê obrigado a ficar em casa esperando o tal vigile. Você acorda num dia esperançoso de que ele vai passar e ele não passa. E assim vão se passando alguns dias e sua ansiedade só aumenta. Você procura relatos de pessoas que já passaram por isso e alguns dizem que ele passou em 2 dias, enquanto outros dizem que ele passou em 45 dias. O prazo máximo para que ele passe na sua casa e confirme sua residência é de 45 dias.

Quando o tão esperado dia chega e o vigile entra pela porta da sua casa, a vontade que dá é de dar uma abraço nele de tanta alegria. Mais uma etapa vencida e agora com a liberdade de sair de casa. 🙌🏻

Agora, a pessoa que cuida desses processos na comune vai analisar seus documentos e ver se eles não têm nenhum erro que impeça sua cidadania. Mesmo você enviando todos os seus documentos para o seu assessor, que já trabalha faz tempo na área antes de embarcar para a Itália, você fica apreensivo, pensando que pode haver algo errado. Passam alguns dias e a apreensão só aumenta. Até que um dia seu assessor te liga e fala que avisaram que seus documentos foram aprovados. Outra etapa vencida! 🙌🏻 Você quer comemorar, gritar, rir, contar pra todo mundo.

O próximo passo é quando a comune envia um e-mail para o Consulado da Itália do estado do Brasil de onde são seus documentos, pedindo a “Não Renúncia”, que serve para demonstrar que o italiano e as pessoas envolvidas da sua árvore genealógica não renunciaram ao direito à cidadania. Enquanto a comune não recebe a resposta do Consulado do Brasil, o seu processo fica parado. E cada consulado é de um jeito: o do estado de São Paulo costuma ser rápido para responder; em no máximo três dias eles retornam. Mas o do Rio de Janeiro, por exemplo, já demora muito. E nessa espera, sua ansiedade só aumenta de novo.

Quando a resposta da “Não Renúncia” chega e está tudo certo, seu assessor já te fala que seu processo está concluído e que você já pode agendar para fazer a identidade italiana e o passaporte. Você fica feliz, comemora mais essa etapa, mas parece que ainda falta ter eles nas mãos. 🙌🏻

Você vai tirar fotos para os documentos, vai à comune dar entrada na identidade, assina mais documentos e vai à polícia federal dar entrada no passaporte. 🙌🏻 Tudo isso com um misto de sentimentos: alegria, ansiedade, euforia e ainda um leve medo. Parece pessimismo dizer que ainda estava sentindo um leve medo e insegurança de algo dar errado, e não é que no fim deu um probleminha. Nada demais, mas comigo tudo tem que ter emoção, né (risos). Minha identidade ficou pronta e quando o assessor foi buscar o passaporte, o meu não estava pronto porque falaram que tinha dado um problema e eu precisava ir lá pessoalmente assinar um documento. O coração foi à boca! O assessor tentou me acalmar, dizendo que o importante é que eu já tinha a identidade em mãos e, com isso, não devia ser nada, já que eles não poderiam me negar um passaporte. Mas nada disso me acalmava, eu queria resolver, queria entender o que tinha acontecido, queria meu passaporte nas minhas mãos. Fui até a polícia federal e era só um documento sobre o visto que eu tinha quando morei em Milão e que precisava dar baixa para fazer o passaporte. Ufa!🙌🏻

Teve o recesso entre Natal e Ano Novo e, com isso, atrasou a emissão do meu passaporte. Eu sei! Estava tudo certo, não tinha mais o que temer, e eu ainda teria um pouco mais de um mês até minha passagem de volta ao Brasil. Mas pra mim, aquele passaporte vinho simbolizava muita coisa. Seria como zerar esse jogo no qual estou tantos anos lutando para passar nas fases. Simbolizava as lutas vencidas, todos os “nãos” que recebi, os choros, as desistências, os retornos com garra, as comemorações internas e solitárias que eu tinha — enfim, a minha vitória!

É engraçado como as pessoas que não vivem esse processo não têm ideia da intensidade de tudo isso. Mas as pessoas que estão com você ali, nesse momento, também vivendo isso, também com suas lutas, estão com você em cada momento de ansiedade. Lembram que comentei no início do texto que eu dividia a casa com outras pessoas?! Pois então, as vitórias deles também se tornavam as minhas e as minhas a deles. Me sentia muito feliz quando algum deles recebia suas identidades e passaportes. E quando eu recebi o meu em mãos e olhei para o assessor e meu amigo que estavam ali no momento, vi na cara deles a alegria pela minha conquista. 🙌🏻🙌🏻🙌🏻Abaixo vou colocar a foto que eles tiraram desse momento. 😁👏

Depois, é o momento de tirar uma foto melhor e enviar para a família, marido e amigos que estiveram comigo nessa luta. É esquisito passar por esse momento longe deles…

O que eu posso dizer de todo esse processo? Foi difícil, sofrido, com muitas emoções, desafiador, caro, com muitas saudades de casa, mas foi muito intenso. Passei Natal e Ano Novo nessa pequena cidadezinha no meio do nada na Itália e com pessoas que até então eu não conhecia. Mas essa cidade e as pessoas que eu conheci ali ficarão pra sempre no meu coração. Espero voltar logo para reencontrá-los.

Se voltarem um texto atrás, vão ver um texto meu super emocionado em que escrevi desistindo da cidadania. Pensei em apagar esse texto, mas resolvi deixar para lembrar que houve sim um momento de fraqueza e que eu precisava dar uma pausa para respirar e entender o que precisava ser feito. O que foi bom, porque voltei com mais garra ainda.

Você deve estar se perguntando “E agora?”, pois eu também me pergunto isso todos os dias. Como eu disse em vários momentos nesse texto, na minha vida nem tudo sai como o planejado e tudo tem que ter um pouquinho de emoção.

Meus planos eram fazer a cidadania, voltar para o Brasil e organizar casa e família para me mudar ainda nesse 2020 para Portugal. Esse era o plano. Mas no dia 1º de fevereiro, quando estava embarcando em Roma com destino a São Paulo, os jornais e sites de notícias só falavam de uma coisa: COVID-19.

Agora estou eu aqui em minha casa no Brasil, de quarentena, enquanto escrevo este texto e penso: “Qual é o plano agora?”

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Melissa Stella
Viagem à Milanesa

Ítalo-brasileira, casada, escorpiana, viajante, deslumbrada, sonhadora, intensa, apreciadora de uma boa cerveja e uma boa comida… Insta:@milanesatours