Por que eu desisti da minha cidadania?

Melissa Stella
Viagem à Milanesa
Published in
5 min readJun 25, 2019

A conquista da cidadania italiana sempre foi meu maior sonho. Por quê? Também não sei. Acho que veio em consequência de querer morar fora, e depois de ter morado por 15 meses em Milão isso se tornou uma obsessão ainda maior.

Comecei as buscar pelos documentos em 2017 ainda na Itália. O Google e os grupos de Facebook me ajudaram muito, porque o que a minha família falava não batiam com as informações que eu tinha. Meu pai tentava me ajudar mas estávamos errados quando achávamos que o italiano da família era meu bisavô e só depois de muito procurar descobrimos que ele não tinha nascido na Itália e sim seu pai, o meu trisavô.

Percebi que fazer essa busca a distância não daria certo, eu que teria que correr atrás por conta e não designar pessoas para isso. Foi então que eu voltei a morar no Brasil e começou minha saga de ir em cartórios. A primeira certidão que eu fiz foi a de óbito do meu trisavô para confirmar nossos “achismos”. E sim, lá constava que ele tinha nascido na região de Treviso na Itália. Lembro de como me senti feliz aquele dia. Parecia uma coisa tão idiota para outras pessoas, mas aquela confirmação encheu meu coração de esperanças.

Comecei a ler vários blogs sobre cidadania italiana, os passo-a-passos, gastos e dificuldades. E naquele momento eu estava disposta a tudo. Até mesmo voltar a trabalhar na minha área de formação, o que era uma tortura para mim já que eu odiava a área, mas que infelizmente era onde eu conseguiria ganhar um dinheiro.

Trabalhava de segunda a segunda, não tinha feriado e nem fim de semana, trabalhava na madrugada, emagreci 5 kilos, estava sempre doente, tomava remédios controlados para dormir, vi meu casamento indo por água abaixo, chorava todos os dias, mas minha poupança estava aumentando.

Nos blogs eles estipulavam uma média de 20 mil reais para fazer uma cidadania. E eu tracei esse valor como objetivo, e quando eu juntasse 20 mil eu sairia do tal emprego horrível.

Em 7 meses eu conclui meu objetivo e larguei o emprego. No dia seguinte a minha demissão eu dormi por 20 horas seguidas. Aquele trabalho tinha sugado toda minha energia e vontade de viver, mas depois que dormi todas essas horas eu me senti renovada e animada para começar a correr atrás do meu sonho.

Eu sai em dezembro de 2018 do trabalho e eu calculava que até abril de 2019 eu estaria embarcando para Itália. Foram se passando dias e meses, chegou abril e não tinha conseguido resolver nem metade dos documentos. Sempre tinha algo dando errado.

A começar pelas certidões italianas que as empresas de buscas sempre dão uma semana para buscar e te enviar, mas a minha demorou 2 meses. Depois de reunir todas as certidões todos falavam que as minhas não precisariam de retificações, já que as mesmas constavam erros de grafia e “abrasileiramento” de nomes e que isso a Itália aceitaria. Mas como havia tido vários problemas com falsificações de cidadania e documentos a Itália começou a ficar mais rigorosa e eu teria que fazer as tais retificações.

Então, começou a saga dos cartórios. Eu pegava minha pasta com todas as certidões colocava embaixo do braço e partia dar minha cara a tapa. Ouvi vários “nãos” e em todos os lugares me falavam que eu não conseguiria e que meu caso era via judicial. Procurei advogados e fiz orçamentos e os valores eram absurdos e os prazos mais ainda. Mais uma vez procurei a ajuda nos grupos do Facebook, expus minha situação e fui imediatamente atendida com dicas e apoio moral.

Voltei com minha pastinha de documentos embaixo do braço nos cartórios e agora com argumentos. E dessa vez ouvi a frase que poderia dar certo, mas que o valor por certidão ficaria em média de 350 reais. E eu fui pagando. Ficava tão feliz toda vez que ia buscar uma certidão nova com os erros corrigidos que nem reparava que meu dinheiro estava indo embora.

Na minha penúltima certidão eu resolvi sentar abrir o app do banco, checar minha poupança e fazer as contas. Foi onde um buraco se abriu embaixo de mim e eu me vi caindo em queda livre. Eu não teria dinheiro para ir a Itália e concluir meu processo.

Chorei por vários dias sem parar (e continuo chorando). Tudo o que eu tinha planejado tinha ido por água abaixo. Tanto dinheiro gasto pra nada. Eu sei que eu posso tentar voltar a trabalhar para conseguir mais dinheiro, mas até lá as certidões terão perdido a validade (que é de 6 meses a 1 ano). Mas minha saúde mental acabou.

Certa vez eu ouvi num episodio de Greys Anatomy “é preciso saber a hora de parar” e essa hora infelizmente chegou.

Me sinto triste? Muito! Tenho um plano? Não! Tenho outro sonho a seguir? Não! Pretendo um dia voltar atrás e terminar o que comecei? Não sei! O que eu vou fazer agora? Também não sei…

O que eu aprendi com isso? Não se dedicar tanto a um sonho, porque você tem 50% de chance dele não dar certo e você ficar muito mal com isso. Tenha outros sonhos e planos, esteja preparado para os imprevistos, trabalhe também seu psicológico, cuide da sua saúde e se conforme com o que tem.

Em uma sociedade que encara a desistência como fracasso, nem sempre é fácil ver a linha tênue que separa a teimosia da determinação. Às vezes a gente se apega tanto a uma situação que acabamos deixando de lado a oportunidade de vivermos outras coisas. Quando uma porta se fecha, um ciclo se encerra. É preciso ter humildade para aceitar o fim e que a hora de desistir chegou. Porque se ficamos obcecados com a porta que foi trancada, não vemos todas as outras que se escancaram à nossa frente.

Na internet só vemos pessoas felizes, realizadas, mensagens de apoio, e nos ensinando a nunca desistir dos nossos sonhos. Esse texto não foi para te incentivar a desistir de algo, mas para mostrar que desistir faz parte e que não é humilhante.

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Melissa Stella
Viagem à Milanesa

Ítalo-brasileira, casada, escorpiana, viajante, deslumbrada, sonhadora, intensa, apreciadora de uma boa cerveja e uma boa comida… Insta:@milanesatours