Harriet (2019) | Crítica

Danilo Monteiro
Viajante Paranoide
Published in
3 min readJul 11, 2020

Título: Harriet (2019, USA). Direção: Kasi Lemmons. Roteiro: Gregory Allen Lemmons e Kasi Lemmons. Com: Cynthia Erivo, Leslie Odom Jr., Joe Alwyn, Janelle Monáe, Clarke Peters, Vanessa Bell Calloway, Zachary Momoh, Vondie Curtis-Hall, Jennifer Nettles, Henry Hunter Hall.

Uma das mais celebradas abolicionistas americanas, Harriet Tubman viveu uma longa e impressionante vida. Celebrada por suas ações, Harriet foi responsável por cerca de 13 missões que culminaram na libertação de 70 pessoas escravizadas. Na Guerra Civil norte-americana, ela foi uma das poucas mulheres a lutar pelo Norte e mais de 700 pessoas escravizadas foram libertas na Incursão do Rio Combahee. Ela nunca parou de ajudar pessoas negras até à sua morte, em 1913.

Por isso, não é de admirar que sua história tenha sido abordada algumas vezes no cinema. A mais recente empreitada é o filme Harriet (2019), dirigido por Kasi Lemmons e estrelado por Cynthia Erivo. A obra focaliza nas primeiras incursões de Tubman na libertação dos negros, trazendo um retrato vívido da escravidão norte-americana dos anos 1800.

A produção começa com Harriet (Erivo) e seu marido, Jhon (Zachary Momoh), requisitando a libertação dela aos seus captores. O pedido é negado e, após a morte do chefe da casa, Harriet aproveita para escapar. Ela deixa sua família e marido para trás até chegar à Filadélfia, onde encontra o abolicionista William Still (Leslie Odom Jr.) e estabelece uma amizade com Marie Buchanon (Janelle Monáe), dona de uma pensão local. Com o passar do tempo, no entanto, Harriet tenta libertar sua família da escravidão, mas seu antigo captor, Gideon Brodess (Joe Alwyn), fará de tudo para capturá-la novamente.

Como a maioria das produções cinematográficas, Harriet altera alguns elementos da história real para torná-los mais espetaculares: Harriet Tubman mudou o nome assim que se casou e não apenas quando se libertou; a personagem de Monáe, Marie Buchanon, é completamente ficcional; a primeira incursão de Tubman foi para libertar membros de sua família e não seu marido. Exemplos não faltam, mas eles não comprometem a qualidade da história contada.

A força do filme reside em dar protagonismo à própria Harriet, que Erivo interpreta de maneira delicada e com múltiplas camadas. No início, vemos uma Harriet frágil e perdida, mas aos poucos vamos entendendo sua força e determinação a ajudar outros a escapar da escravidão. O elenco secundário dá um bom suporte, especialmente Monáe e Odom Jr., mas o destaque é a protagonista. Não foi à toa que Cynthia Erivo ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz em 2019.

No entanto, o roteiro se rende ao excesso de falas que deveriam soar como grandes momentos. Em certos momentos, isso funciona bem, como na cena em que Tubman discursa em Nova Iorque a outros abolicionistas. Em outros, eles prejudicam a imersão na obra. Existe um momento no final do filme em que Harriet fala com um personagem sobre uma guerra futura e a protagonista soa quase messiânica. A cena, que deveria servir como uma resolução, é apenas embaraçosa.

O messianismo é amplificado pelos inúmeros momentos em que a protagonista é acometida por suas visões. Explico: na infância, Harriet foi atingida por um objeto na cabeça, o que lhe proporcionava terríveis dores de cabeça e desmaios. Ela também tinha visões, que considerava como profecias divinas. A diretora Kasi Lemmons então, confirma isso, seja reforçando-as visualmente com flashforwards, seja na admiração de outros personagens e cria um imaginário de Harriet como uma escolhida divina, uma espécie de Moisés do povo negro estadunidense.

Talvez em vida isso realmente acontecesse — o apelido Moisés realmente existiu -, mas ao minimizar o elemento machista e racista disso, visto que os escravocratas não acreditavam que uma mulher negra seria responsável pela libertação de tantas pessoas, Harriet mina a força de sua protagonista ao conferir seus méritos a algo maior que ela. Uma mulher negra que não sabia ler e escrever não consegue ser inteligente por si só, pois é necessária uma força sobrenatural para guiá-la constantemente.

No entanto, os percalços da produção não prejudicam seu conteúdo. Harriet é uma cinebiografia competente, que traz destaque a uma mulher com uma incrível história de vida. No fim, os esforços de Harriet Tubman foram fundamentais para as conquistas futuras da população negra norte-americana. De fato, ela preparou um lugar para os que vieram após dela.

Nota: 3,5 de 5 estrelas.

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