Palmer (2021)| Crítica

Danilo Monteiro
Viajante Paranoide
Published in
3 min readApr 17, 2021

Histórias sobre adultos que mudam ao terem que cuidar de crianças não são novidade e, nesse sentido, Palmer (2021) não reinventa a roda. Porém, ao trazer uma discussão sobre não-conformidade de gênero e masculinidades, a produção aposta em um novo olhar sobre como pais e filhos podem se comportar.

O filme conta a história de Palmer (Justin Timberlake), que após cumprir pena, volta a morar com sua avó, Vivian (June Squibb). No terreno, também moram em um trailer, Sam (Ryder Allen) e sua mãe, Shelly (Juno Temple), que está em um relacionamento abusivo e costuma deixar o filho aos cuidados de Vivian por dias. Numa dessas idas de Shelly, a avó de Palmer falece e ele se vê sendo obrigado a cuidar de Sam, com o auxílio de sua professora (Alisha Wainwright).

O título deixa claro: a trama é sobre Palmer. Um ex-presidiário que agora está enclausurado na sua cidade-natal, tendo que lidar com uma criança estranha que nunca quis. É clichê, mas o roteiro trabalha em torno disso com competência ao apostar na força de seus protagonistas. A atuação de Timberlake é eficaz ao explorar o aspecto corporal de seu personagem, pois percebe-se que ele passou anos vivendo em um ambiente no qual se acostumou a receber ordens, então seu olhar é subserviente; a postura, curvada. Um homem brutalizado pelo sistema.

Mas a verdadeira estrela de Palmer é Ryder Allen. Sam tem sete anos, é adorável, mas foi criado por uma mãe ausente. O jovem ator transita por sentimentos como alegria, afeto, confusão, raiva e desespero com tremenda eficácia para alguém tão jovem. Sam pode ser irritante, mas nunca irritante demais ou de menos. Esse é um sinal de quão bom Allen está no filme.

Além disso, Sam é um menino que gosta de princesas, de usar vestidos e pulseiras, e de brincar de chá da tarde com uma amiga da escola. Isto significa que ele é uma criança de gênero não-conformista, alguém que não se vê obrigado a adotar formas de expressão tradicionais de gênero. O filme acerta ao não se propor a explicar os motivos disso ou a psique de Sam, mas ao apenas nos revelar que ele é assim.

A jornada de Palmer, um homem apresentado nos primeiros minutos do longa como um exemplo de masculinidade clássica — alguém que imprime força, bebe e transa com mulheres -, é a de lidar com seus próprios preconceitos ao cuidar de uma criança que não quer se adaptar esse modelo de masculinidade. E a beleza do roteiro está ao mostrar a relação entre criança e adulto de forma natural e crescente, encarando as eventuais violências que acontecem.

Por outro lado, a obra tropeça quando tenta dar uma resolução à trama. Como todo feel-good movie, é necessário que um grande conflito ocorra. Eis que a mãe de Sam retorna, leva o menino para o lar abusivo de antes e Palmer se vê na obrigação de proteger a criança. O problema é que o roteiro aposta no rótulo da maternidade como “a mãe deveria ser um exemplo de quem cuida e já que não consegue, alguém precisa”. Logo, Shelly nunca é nada além de duas coisas: uma pessoa irresponsável e a mãe de Sam. Não existe espaço para nuance, pois nem o próprio filho sente saudade da mãe. Então, essa representação acaba sendo a caricatura de uma realidade bem mais complexa.

Com isso, o filme quase colapsa ao incorporar uma cena na qual os órgãos competentes levam o garoto e acaba da forma mais bizarra com uma audiência de custódia que não leva a narrativa a lugar algum. Por sorte, acontece um evento após isso de maior impacto narrativo e que serve para um desenlace mais coeso, garantido também pelas atuações do elenco. Existe uma cena no último ato em que Juno Temple mostra por que é uma grande atriz, mesmo trabalhando com tão pouco em mãos.

Apesar de algumas falhas, Palmer se mostra um filme bastante positivo e que traz algumas discussões válidas sobre papeis sociais de gênero. Poderia incorporar o aspecto da maternidade de uma forma mais humana? Sim. Mas eu também posso ficar inconformado com isso e ainda assim gostar do filme? Também.

Nota: 3.5 de 5 estrelas.

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