Pare o ônibus

Apesar do assento da janela estar vago, a senhora de cabelos grisalhos e colar de pérolas se sentou no corredor. Provavelmente para evitar o sol quente em seu rosto. O sol do meio-dia é um vilão no ônibus sem ar-condicionado, todos fogem dele como o diabo foge da cruz.

Diferente dos outros passageiros, ela não pegou um celular ou qualquer outra coisa com a qual pudesse se distrair nos próximos minutos. Pelo contrário, ela parecia se deliciar com o tédio.

Então um senhor entrou no ônibus. Chegou perto e ficou ali, em pé. Provavelmente também fugindo do sol. Conforme o ônibus andava, ele se aproximava ainda mais da senhora. Ela continuava imóvel, olhando para a frente como se ali houvesse uma linda paisagem e não uma declaração de amor feita com errorex por algum adolescente que voltava para casa depois da aula.

- Bom dia, minha senhora. Tudo bem?

Ele tomou coragem e disse, tirando o chapéu e revelando cabelos igualmente grisalhos. Ela não respondeu, mas deu espaço para que ele sentasse no assento da janela e pudesse desfrutar do verão sem ir à praia. Ele sorriu e se sentou.

- Por acaso, eu conheço o senhor?!

- Ainda não nos conhecíamos. Mas eu não tive como não me aproximar de alguém que me olhava tão profundamente.

- Eu não estava te olhando, querido. Era você quem me olhava.

Ele não discutiu. Pelo contrário, esticou a mão e disse seu nome. Depois pediu desculpa pelo inconveniente e disse que estava voltando para casa, após fazer uma consulta de rotina com seu cardiologista. Que coincidência, ela também estava naquele intermunicipal porque precisou ir ao médico. O papo se prolongou e eles descobriram inúmeras coisas em comum em suas vidas.

Em dado momento, dona Isabel e Alfredo estavam imaginando como seria a vida de casados. Ela com 13 netos e ele com 4 gatos.

Desceram do ônibus juntos, em frente a uma igreja.

…

Obrigada por ler até o final :)

Esse texto faz parte de um novo projeto de crônicas que estou escrevendo e serão postadas aqui semanalmente.

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Até o próximo texto!